Religiões trocadas: “Tive que aprender o Pai-Nosso”, conta a muçulmana Wafa’a Celine Halawi, que interpreta uma cristã no filme; Charbel Kamel, que é cristão, precisou aprender o Corão CRÉDITO: PIERRE DE KERCHOVE_MATIZAR FILMES_2022
A tragédia libanesa em um filme brasileiro
Retrato de um certo Oriente, longa de Marcelo Gomes, reflete sobre desterrados de todo o mundo
Pela terceira vez, a atriz libanesa Wafa’a Halawi veio ao Brasil. A primeira foi em 2020, para o início das filmagens de Retrato de um certo Oriente, longa-metragem do diretor Marcelo Gomes, do qual ela é a protagonista. Os trabalhos foram interrompidos duas semanas depois, por causa da chegada da pandemia de Covid. A segunda vez foi em 2022, para a conclusão das filmagens.
Em outubro passado, ela retornou para o lançamento do filme baseado no romance Relato de um certo Oriente, do escritor Milton Hatoum. Halawi participou de um festival de cinema no Rio e foi em seguida para a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), onde o filme foi exibido e debatido. Essa terceira viagem ao Brasil, que para ela seria uma relaxante imersão na vida cultural no país, se transformou numa temporada de ansiedade e medo.
Assim que Halawi deixou o Líbano, bombas israelenses começaram a cair sobre várias aldeias, ao mesmo tempo que as Forças de Defesa de Israel iniciavam um ataque por terra ao Sul do país, numa ação contra o braço armado do grupo político Hezbollah.
“O filme se passa no final dos anos 1940, mas fala das mesmas coisas que estão acontecendo agora: guerra, crise, deslocamentos, fuga do país e a busca de um lugar seguro, de um lar no mundo”, diz a atriz, em Paraty, a Consuelo Dieguez, na edição deste mês da piauí. “A cada vez, pensamos que não pode ser pior. Mas pode ser, sim. No intervalo entre a minha primeira vinda para cá e agora, tivemos a Covid e a explosão do porto de Beirute, que matou dezenas de pessoas. Dessa vez, voltar ao Brasil é muito diferente, porque a situação lá é ainda mais terrível. É uma guerra desumana. Todo mundo tem medo do que vai acontecer.”
O filme se inicia em 1948. Para escapar de uma guerra entre Israel e o Líbano, dois irmãos libaneses católicos, Emilie (interpretada por Halawi) e Emir (Zakaria Kaakour), viajam para o Brasil. Durante a viagem, ela se apaixona por Omar (Charbel Kamel), um comerciante muçulmano, o que trará consequências trágicas. A eles se junta, no barco que os leva a Manaus, uma indígena cuja tribo está sendo expulsa de suas terras. “Uma das grandes intuições do Marcelo Gomes foi captar o espírito do tempo, embora esta seja uma expressão em desuso. Ele inseriu questões muito relevantes e atuais que não estão no romance, que tem uma dimensão intimista muito forte”, afirma Milton Hatoum.
Um dado curioso é que os dois atores libaneses que interpretam os irmãos Emilie e Emir são muçulmanos na vida real e cristãos na trama. Já o ator que interpreta o mercador enamorado de Emilie é cristão, mas no filme faz um muçulmano. “Isso foi muito interessante, porque nos obrigou a entender a religião uns dos outros. Eu tive que aprender a rezar o Pai-Nosso e a Ave-Maria”, conta Halawi. Já Charbel Kamel teve que rezar o Corão, que aprendeu com um imã, no Líbano.
No dia 27 de novembro passado, entrou em vigor um cessar-fogo entre Israel e o Hezbollah.
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