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Festival piauí GloboNews de Jornalismo

As 1.400 vidas da obituarista Margalit Fox e outras histórias: veja como foi o 2º dia do evento

Encontro internacional reuniu jornalistas em São Paulo neste fim de semana

02dez2018_10h34
Com apresentação de Branca Vianna e Andreia Sadi como convidada, o podcast <i>Maria vai com as outras</i> foi apresentado ao vivo no festival
Com apresentação de Branca Vianna e Andreia Sadi como convidada, o podcast Maria vai com as outras foi apresentado ao vivo no festival /FOTO: RENATO PARADA

Aquinta edição do Festival piauí GloboNews de Jornalismo terminou neste domingo, após dois dias de conversas com jornalistas de quatro países. O evento teve como tema os profissionais especialistas, aqueles que conhecem os pormenores dos assuntos a que dedicam suas coberturas – os “setoristas”, no jargão da imprensa.

Veja em detalhes como foi o evento na fanpage do festival no Facebook, no perfil no Twitter e nos Stories do perfil da piauí no Instagram.

A programação começou com uma conversa com o jornalista salvadorenho Óscar Martínez, mediada pela repórter Consuelo Dieguez, da piauí, e Marcelo Lins, da GloboNews. Martínez é editor da Sala Negra, seção especializada na cobertura da violência e do crime organizado na América Central, do portal El Faro, de El Salvador.

 

Martínez produz jornalismo sobre o crime organizado em uma das áreas mais conflagradas do mundo, que registrou 104,6 homicídios para cada 100 mil habitantes em 2015. Como comparação, no México, são 18,7 assassinatos a cada 100 mil. Em El Salvador, a violência é exacerbada por gangues, as “pandillas”, semelhantes às facções criminosas no Brasil. “São diferentes dos cartéis mexicanos. Enquanto os cartéis buscam sobretudo o lucro, as pandillas têm um fundo sociocultural, ligadas à busca de identidade do salvadorenho”, explicou o jornalista. “Nossa vida é tão precária, tão carente de sentido, que muitos preferem se unir a esses grupos para ter um lugar no mundo, ainda que vá guerrear com jovens iguais a ele, de outras ‘pandillas’. Porque, da parte do estado, ele só pode esperar a miséria.”

Como no Brasil, ressaltou Martínez, políticos salvadorenhos prometem combater a violência com mais violência – o que é um erro, segundo ele. “Esse discurso só prospera porque nunca conhecemos, realmente, a paz. Nunca tivemos algo diferente da violência.”

Uma das consequências desse cotidiano violento tem sido a migração em massa do país, sobretudo para os Estados Unidos. Para retratar esse processo, Martínez embarcou em um trem de carga que liga El Salvador ao México, lotado de migrantes, chamado “La Bestia” – o resultado saiu em livro, intitulado “Los inmigrantes que no importan”, ou, na versão em inglês, “The Beast”. Na obra, ele narra como os imigrantes são vítimas de todo tipo de violência no México, sobretudo por parte dos cartéis. “É difícil diferenciar o estado mexicano do crime organizado. Encontrar um policial honesto no México é raro, como dividir uma Coca-Cola no deserto.”

O portal El Faro também acompanha as frequentes crises políticas em El Salvador e seus vizinhos. “O poder deforma: por dinheiro, por luxo. Precisamos, como jornalistas, entender o poder. O bom político é aquele que vive cercado pela sociedade, confinado. Não está livre para fazer o que quiser. Mas, na América Latina em geral, não é assim. Os políticos andam como animais selvagens, fazendo o que bem entendem. Isso é perigoso.”

As consequências de fazer jornalismo investigativo em um país dominado pelo crime foi outro tema tratado pelo jornalista. “Muitas vezes saímos do país antes de publicarmos uma reportagem. Mas o maior risco para nós é o assassinato das nossas fontes [muitas, ele disse, assassinadas após terem seus nomes divulgados]. Por isso, penso que é quase antiético ser jornalista nessas condições. Não posso prometer a uma fonte que vá salvar sua vida. Só posso garantir que vou contar sua história bem.”

 

Assim como no primeiro dia do Festival, houve gravação ao vivo de um podcast da piauí, o Maria vai com as outras, apresentado por Branca Vianna, com a jornalista Andréia Sadi como convidada. O episódio estará disponível nos tocadores nesta semana.

 

Na segunda mesa do dia, Alain Kruger, jornalista e produtor francês especializado em gastronomia e cinema, conversou com Alcino Leite Neto, editor da piauí, e Isabelle Moreira Lima, do jornal O Estado de S. Paulo. Entre 2011 e 2018, Kruger apresentou o programa de rádio On Ne Parle Pas la Bouche Pleine! [Não se Fala de Boca Cheia!], em que fazia entrevistas sobre gastronomia e, como ele disse, mostrava “o mundo sob o ponto de vista do estômago”. Ex-diretor da revista de cinema Première e apresentador do programa de tevê LCInéma, na rede LCI, o francês é também curador de eventos culturais em Paris.

 

Questionado sobre por que decidiu fazer um programa de gastronomia transmitido no rádio e como podcast, e não na tevê, Kruger citou o cineasta norte-americano Orson Welles. “Na rádio a tela é maior, porque é a tela do imaginário.” Depois, falou sobre a importância da culinária em sua vida e no que acredita ser a razão do poder atrativo do jornalismo de gastronomia. “É na mesa em que a gente se reúne, conversamos, é um momento prazeroso. Nunca quis aprender sobre culinária por causa das estrelas do Guia Michelin, mas pela capacidade de nos unir”, disse. “É comum vermos grandes chefs falando de suas infâncias, lembrando dos momentos que passaram com a família, cozinhando. A cozinha significa amor, é um ato de partilha. Para mim, a gastronomia tem o poder de recuperar esse sentimento de infância, de carinho, e dividir isso com os outros.”

Estudioso da gastronomia na história, Kruger comentou os hábitos culinários de políticos e figuras históricas. “Napoleão comia muito rápido, porque era algo com o que ele não se importava. Nicolás Sarkozy também comia rápido, mas ama o chocolate”. Já François Hollande, contou, come qualquer coisa – “o importante para ele é quantidade”. E o atual presidente da França, Emmanuel Macron, “pelo que me disseram, é um gourmand [que aprecia a boa mesa].”

O jornalista também falou das frequentes disparidades entre o que considera o real valor da comida – em oposição aos preços atribuídos a eles. “Eu acredito no valor das coisas. Só. E o valor nem sempre se relaciona com o preço das coisas. O jornalismo de gastronomia deve levar isso em consideração, para que não se transforme em deslumbramento.”

 

Margalit Fox, terceira convidada deste domingo, escreveu cerca de 1 400 obituários de pessoas anônimas e famosas durante de 14 anos no New York Times – quando consolidou-se como dona de um dos melhores textos do jornal. No festival, ela conversou com o editor do site da piauí, José Roberto de Toledo, e Julia Duailibi, jornalista da GloboNews. O trabalho de Fox é uma referência em livros de não ficção e em diversos estudos e análises sobre a natureza dos obituários. “Os famosos não surpreendem. A empolgação ao escrever um obituário vem das pessoas que você nunca ouviu falar, mas que silenciosamente fizeram uma ruga no tecido social e assim construíram nossa história”, comentou.

 

A partir do início dos anos 2000, disse Fox, os obituários no New York Times deixaram de ser escritos como textos solenes e burocráticos, e passaram a tentar retratar de forma mais fiel a trajetória de vida uma pessoa. “Não é porque a pessoa morreu que os momentos bonitos que viveu deixam de existir. A escrita sobre a morte de uma pessoa deve buscar sempre retratar a vida”, disse. “Em alguns casos específicos, é possível usar humor, como no obituário do inventor do controle remoto da TV. Mas nunca, por exemplo, ao escrever sobre uma pessoa que morreu no Holocausto.” Uma das regras na escrita desse tipo de texto, segundo ela, é buscar uma posição de neutralidade em relação à pessoa retratada e seus familiares. “Há regras de conduta. Você precisa incluir pontos negativos da vida da pessoa. Não é nossa função venerá-las. Jornalisticamente, um obituário é um texto de perfil. A única diferença é que o retratado não está mais vivo.”

Fox também comentou as estratégias para deixar escritos obituários de pessoas que continuam vivas. “Não tem um livro de etiqueta. É complicado ligar e dizer ‘estou escrevendo seu obituário, poderia confirmar algumas informações?’ Então a melhor forma que encontrei para falar sobre isso com um entrevistado é dizer: estamos atualizando os seus dados biográficos. Pode ser que, assim, a pessoa não venha a pensar imediatamente na sua morte.”

No fim da conversa, Fox mandou uma mensagem aos estudantes de jornalismo: “Lembrem sempre que o trabalho de um jornalista é reconfortar aqueles que sofreram, e provocar incômodo àqueles que estão muito confortáveis”.

O jornalista norte-americano Andrew Revkin, da National Geographic, encerrou a quinta edição do festival, em uma conversa com Bernardo Esteves, da piauí, e André Trigueiro, da GloboNews. Revkin escreve sobre meio ambiente e mudanças climáticas desde a década de 80 e hoje é um dos escritores norte-americanos mais respeitados nessa área.

Na mesa, Revkin deu conselhos sobre como cobrir mudanças climáticas em um cenário em que temas como o aquecimento global são questionados por figuras relevantes no debate público, como o presidente de seu país, Donald Trump. A recomendação do jornalista é que se vá além das declarações. “Não foque tanto neles, em Trump ou Bolsonaro, por exemplo, mas, sim, na legislação. Qual é a lei? Qual é a responsabilidade dentro da lei de realizar as atividades relacionadas ao impacto climático?”, disse.

Segundo Revkin, muitas das promessas desses políticos são apenas para provocar impacto, impossíveis a curto prazo. Um exemplo disso é o anúncio de Trump sobre a saída do Acordo de Paris, processo que levaria ao menos quatro anos. Revkin alerta para que o jornalista não caia nesse jogo. “O Muhammad Ali tinha uma técnica conhecida como ‘chama o trouxa pras cordas’. Ele abaixava a guarda e deixava que o adversário o acertasse. Ele se divertia com isso e guardava energia para atacar. Essa é a mesma estratégia de Trump, ele quer que você o ataque ao máximo, pois isso gera atenção a eles. Não podemos cair nessa”.

Além de jornalista, Revkin é músico e compositor, com letras que seguem a temática ambiental. Em 2013, ele gravou “A Very Fine Line”, uma coleção de dez músicas de sua autoria (disponíveis no Spotify), em um estúdio em Nova York. O norte-americano terminou a apresentação cantando a música “Liberated Carbon”.

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