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ALEXANDRE #2: O animal político

Ouça o 2º episódio da série que refaz os passos da carreira até a presidência do TSE

| 07 ago 2023_10h05
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Em 16 de agosto de 2022, Alexandre de Moraes tomou posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Todo mundo que tem ou teve poder no Brasil estava presente. Se não estava, é porque ou morreu ou perdeu o voo. Um evento normalmente burocrático virou demonstração de força. Mas como Alexandre chegou lá, no centro do poder? Este episódio retraça os passos do ministro do Supremo, desde quando ele passou no concurso para promotor do Ministério Público em São Paulo – quando ainda tinha cabelo.


Acompanhe aqui a transcrição do episódio:

ALEXANDRE

Episódio 2 

[Thais Bilenky]: Quarenta países mandaram embaixadores. EUA, Europa, várias potências. Até o Malaui mandou embaixador. Trinta e seis ministros estavam presentes – ministros de Estado, ministros do Supremo, ministros de tudo quanto é coisa. Quatro ex-presidentes da República. Três candidatos a presidente da República. O presidente da República. Todo mundo que tem ou teve poder no Brasil tava na posse de Alexandre de Moraes na presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Se não estava lá, é porque ou morreu ou perdeu o voo. 

[G1 – Camila]: Então, o que tá sendo dito ali nos bastidores do TSE é que essa posse será histórica pelo momento político que a gente vive e também pelo peso das presenças e da quantidade de autoridades que vai estar lá acompanhando…

[Thais Bilenky]: Alexandre ligou pessoalmente para cada um dos governadores convidando, pra não dizer, intimando para a cerimônia. O objetivo era dar uma demonstração de força. Era agosto de 2022, faltava um mês e meio para a eleição. O então presidente Jair Bolsonaro tava focado na missão de detonar o sistema eleitoral, e o TSE era o epicentro dessa tensão. O ministro Alexandre percebeu que podia transformar um evento normalmente chato, burocrático e irrelevante num ato político. E que se conseguisse que esse ato político fosse o mais disputado do ano isso traria poder. Tanto foi assim que Bolsonaro, ele próprio, não estava inclinado a ir e ter de confraternizar com seus alvos, apertar a mão de quem xingou na véspera e dar sorrisos amarelos para quem criticava ele todos dias.

Mas um aliado ponderou: “pense bem, presidente. Vai soar como isolamento”. Sem deixar saída para Bolsonaro, Alexandre foi levar o convite em mãos no Palácio da Alvorada e se deixou fotografar na chegada. 

[Globonews – Isabela Camargo]: São 2 mil convidados para a cerimônia. Sabemos que teremos a presença do presidente Jair Bolsonaro, como vocês destacaram…

[Thais Bilenky]: O presidente não só foi na posse no TSE como levou Carlos, seu filho 02, que ficou, este sim, isolado num canto, a imagem do radicalismo no meio da mais pura política tradicional.  Lula, seu adversário na disputa, sentou na plateia bem em frente a Bolsonaro, na tribuna. Saía faísca daquela linha invisível que ligava os dois. Mas… não dá para dizer que tenha sido uma coincidência. Alexandre, o anfitrião, peneirou convite por convite, decidiu assento por assento, pensou em cada detalhe para que aquela cerimônia fosse o que foi: um acontecimento político.  Isso não é papel de ministro do Supremo ou presidente do TSE. Em geral, quem ocupa esses cargos não tem nem cabeça pra bolar situações assim. Difícil imaginar por exemplo Edson Fachin fazendo follow-up de convidado. Mas Alexandre faz. 

[GloboNews – Miriam Leitão]: É o seguinte, foi uma posse histórica. Eu já vi muita posse de TSE, já estive presente em posse de TSE, eu nunca vi uma coisa tão forte, pela presença de toda a elite institucional brasileira e tudo tinha significado.

[Thais Bilenky]: Esse é o Alexandre. Um podcast original da Trovão Mídia em parceria com a revista piauí.  Passei os últimos meses seguindo os passos de Alexandre de Moraes. Conversei com aliados furiosos, adversários apaixonados – ou o contrário, tem de tudo. Fui tentar entender como este homem se tornou central na enrascada em que a democracia brasileira se meteu. 
Nesta série, conto o que descobri, das negociações de corredor às decisões mais solitárias que ele tomou.  Às quais, entre paralisado, indignado e fascinado, o Brasil assistiu.  Episódio 2: O animal político. Tudo começou em 1991 quando Alexandre passou em primeiro lugar no concurso para promotor do Ministério Público de São Paulo.  Aos 23 anos de idade, ele foi trabalhar em Aguaí e Cruzeiro, no interior paulista. 

Depois desse tempo no interior, Alexandre passou por São Bernardo do Campo, e em cinco anos voltou à capital paulista. 

[Jingle campanha Paulo Maluf para prefeitura de São Paulo em 1992]: Eu quero, quero, eu quero já. Eu quero Maluf, eu quero é mudar.

[Thais Bilenky]: Era 1996. O lendário Paulo Maluf era prefeito de São Paulo. Aí estoura um escândalo em torno da compra de frangos da merenda escolar. A suspeita era de que Maluf tinha favorecido empresas ligadas à própria família. Uma das empresas era da esposa do prefeito, a famosa Dona Sylvia. O caso caiu no colo de Alexandre. E ele foi implacável. Dava entrevistas para não deixar o escândalo esfriar. Acuava os investigados com declarações de impacto. E claro, despertava a ira dos advogados de defesa.  Maluf ficou indignado, disse que Alexandre tinha objetivos políticos e ameaçou processá-lo. 

[Roda Viva – Paulo Maluf]: A nossa administração financeira é absolutamente exemplar.

[Thais Bilenky]: O caso se estendeu por um ano. Maluf foi condenado. Recorreu,  e o processo foi para instâncias superiores até chegar em Brasília. Lá, jamais foi concluído.O advogado Floriano de Azevedo Marques é amigo de Alexandre desde a adolescência, e seu camarada na faculdade de direito da USP. E calhou de parar do outro lado do balcão. Fez a defesa de uma das empresas acusadas no Frangogate, como ficou conhecido o escândalo. 

[Floriano Marques]: E… eu brinco que o Alexandre é uma das 6 pessoas que foi nos meus dois casamentos 

[Thais Bilenky]: Ah é? (risada)

[Floriano Marques]: Porque, né, com 25 anos de intervalo, você muda o card, né? São poucos que ficaram. 

[Thais Bilenky]: Esse é o Floriano. Fui conversar com ele duas vezes no seu escritório na avenida Paulista. Ele tem na cabeça todos os passos de Alexandre desde os 17 anos. E por indicação do amigo, acabou se tornando ministro do TSE ele também, agora em 2023. Floriano também é professor e foi diretor da Faculdade de Direito da USP. E começou lembrando do tal caso do Frangogate.

[Floriano Marques]: Eu acho que a atuação do Alexandre tem… a gente pode, nesse caso, pode ter duas leituras. Uma política e uma jurídica. Eu diria que a jurídica admite… admite… interpretações, a política foi importantíssima. Porque, foi um dos primeiros casos que colocou o Maluf na defensiva de um problema de mal gasto. 

[Thais Bilenky]: Maluf era um dos políticos mais poderosos do Brasil, tinha se projetado na ditadura militar e representava a direita no país. Mas o desgaste no Frangogate foi grande. Em 98, dois anos depois do escândalo, Maluf se lançou candidato a governador e perdeu para Mário Covas, do PSDB. E aqui começa a transição de Alexandre. De promotor a político: Covas morreu no penúltimo ano de mandato, e seu vice, Geraldo Alckmin, não só assumiu como se reelegeu em 2002. E para dar a sua cara ao governo, renovou o secretariado. 

Para secretário de Justiça, convidou aquele promotor conhecido. Alexandre de Moraes, na época, tinha 33 anos. Saiu do Ministério Público para assumir o cargo, mas não se afastou muito do órgão: a função do secretário da Justiça é fazer a ponte entre o governo do Estado, o Ministério Público, o Judiciário e a classe dos advogados. 

Alexandre chegou chegando. Favorável ao aumento de pena para menor de idade, convenceu Alckmin a mexer na antiga Febem – a fundação para internação de jovens que cometem crimes, hoje chamada Fundação Casa. O governador transferiu a Febem da Secretaria de Educação para a de Justiça. Vieram denúncias de tortura, rebeliões e fugas. Alexandre reagiu de forma draconiana. Demitiu de uma vez quase dois mil monitores da Febem, inclusive os concursados. Alegou que precisava afastar a “banda podre” da instituição.

[Roda Viva – Alexandre de Moraes]: Nós não queremos mais atuar para apagar incêndio.  Eu acho que a FEBEM, a secretaria, o governo do Estado não podem mais continuar simplesmente atacando os efeitos, nós temos que atacar as causas. 


<b>[Thais Bilenky]: Esse é o próprio Alexandre numa entrevista em 2005 no Roda Viva, da TV Cultura. Ele está de terno, gravata azul e um óculos de armação leve. E, sim: tem cabelo – curto, preto, todo penteado. Cheio de colágeno.

[Roda Viva – Alexandre de Moraes]: Nós temos que deixar algumas hipocrisias de lado e atuar forte nisso, porque os municípios, muitos municípios, não querem ouvir falar dos seus adolescentes.

[Thais Bilenky]: Em 2005, quando foi ao Roda Viva, Alexandre era filiado ao PFL – um filhote da Arena, o partido que sustentou a ditadura militar. E que hoje virou União Brasil. Naquela época, aliás, Alexandre tinha como colega de partido um deputado considerado excêntrico e pitoresco chamado Jair Bolsonaro. Mas voltando ao caso da Febem. Alexandre tentou mudar tudo lá dentro. Só que a Justiça do Trabalho disse não. Metade dos funcionários voltou aos seus postos. Quem caiu foi Alexandre. Esse talvez tenha sido o primeiro tropeço dele na política. A máquina pública tem o seu peso e não dá pra tratorar. 

Foram dois anos na discrição. Ele submergiu para deixar a poeira baixar. A poeira baixou e então ele voltou. E voltou pelas mãos, veja você, do adversário do Alckmin. Gilberto Kassab era prefeito de São Paulo. Era 2007. E Kassab convidou Alexandre para ser seu secretário de Transportes. 

[Floriano Marques]: Agora, quando ele foi ser secretário de transportes, aí eu falei: “Vivi, seu marido enlouqueceu, né? Porque secretário municipal de transportes, aí realmente… é caso de internação, né?” 

[Thais Bilenky]: Esse é o Floriano de Azevedo Marques, de novo.

[Floriano Marques]: Aí fui… eu não conhecia direito meu amigo. Porque não tem nada jurídico, é um problema atrás do outro, lida com… né, todo tipo de problema.

[Thais Bilenky]: E ele falava o quê? Ele justificava como?

[Floriano Marques]: Ah… tal… “vocês acham que eu sou louco, tal, mas eu gosto, tal”. Aí, acho que ele já tava mais… mais enfronhado na política.

[Thais Bilenky]: A coisa fluiu tão bem que dentro de um ano Alexandre começou a acumular cargos. Virou presidente da CET, a Companhia de Engenharia de Tráfego, e da SPTrans, a empresa municipal de transportes. 
Assumiu a Secretaria de Serviços e, para completar, passou a dirigir o Serviço Funerário. Tirou nacos de poder dos outros e começou a acumular desafetos.
Eram 5 bilhões de reais da época sob seu controle. Quase um quinto do total do orçamento municipal. Alexandre passou a ser um nome badalado da política local para disputar a prefeitura na sucessão de Kassab. Só que não. Deu na capa da Folha e do Estadão: cai principal auxiliar de Kassab na prefeitura. Homem forte de Kassab vai deixar governo. Como tinha acontecido antes no governo do Estado, Alexandre cresceu. E, grande demais, caiu.
Ele e Kassab romperam da noite para o dia. Na lista de motivos, vários pequenos desentendimentos, nada que desse conta de tamanha surpresa. No mundo político, até hoje, o caso é tratado como um dos tabus que misturam o público e o privado, que todo mundo murmura ao comentar.

[Voz feminina não identificada]: Senhora Thais?

[Thais Bilenky]: Tudo bem? E aí?

[Gilberto Kassab]: E aí, tudo bom?

[Thais Bilenky]: Tudo e você?

[Thais Bilenky]: Kassab me recebeu no seu gabinete espaçoso no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Ele é secretário de governo do Estado, na gestão do bolsonarista Tarcísio de Freitas. Presidente nacional do PSD, ele se tornou um dos principais articuladores e analistas políticos do país.  

[Gilberto Kassab]: Eu vejo no Alexandre de Moraes hoje as mesmas qualidades que eu já via há alguns anos atrás… Ele é muito bem preparado, muito inteligente. Com muita capacidade de trabalho. Obstinado pelo trabalho, isso é muito positivo na vida pública. E se saiu muito bem, foi um excelente secretário. Então… vejo, e continuo vendo nele, essas mesmas qualidades.

[Thais Bilenky]: Kassab me contou que não teve nenhum desentendimento com Alexandre, que o supersecretário só deixou de disputar a prefeitura em 2012, porque o veterano José Serra decidiu se lançar.

[Thais Bilenky]: A saída dele da prefeitura, quando se imaginava que talvez ele fosse até disputar a sucessão…

[Gilberto Kassab]: Acho que ele poderia ter sido um bom candidato à sucessão. O… José Serra acabou sendo o candidato e, naturalmente, acabou prevalecendo a candidatura do Serra, ele já tinha sido governador, prefeito, não é?

[Thais Bilenky]: Depois de sair da prefeitura, Alexandre, de novo, submergiu. Se dedicou ao escritório de advocacia e desapareceu dos jornais. Quem o resgatou foi seu bom e velho padrinho, Geraldo Alckmin.

Hoje, Alckmin é vice-presidente da República, eleito junto com Lula. Algo inimaginável no longínquo ano de 2014. Tudo mudou de lá para cá. Mas como me disse o próprio Alckmin num áudio que ele me mandou: a admiração por Alexandre continua a mesma, assim como o formalismo do ex-tucano.

[Geraldo Alckmin]: Alexandre de Moraes tem logrado corresponder aos desafios da história, tornando-se hoje uma das expressões mais fiéis e legítimas da soberania e confiabilidade do poder judiciário brasileiro.

Eleito governador de São Paulo pela quarta vez, em 2014, Alckmin decidiu dar um cargo ainda mais vistoso ao pupilo, o de secretário de Segurança Pública. Ele seria agora responsável por coordenar as polícias militar, civil e científica. Ou seja, a garantia da lei e da ordem nas ruas do estado tava nas mãos de Alexandre de Moraes. Alexandre, agora, estava filiado ao PSDB do governador. E por meses ensaiou se lançar candidato a prefeito, governador ou coisa que o valha. A essa altura, ele já não era mais um principiante. Estava em seu terceiro partido (ele foi filiado ao MDB também), tinha gerido grandes orçamentos, tido disputas com figurões como Maluf e Kassab, e se firmava como um quadro da direita conservadora paulista. Mas a visibilidade tem seu custo.

Por essa época, adversários criaram uma dor de cabeça para Alexandre que dura até hoje. Começaram a tentar associá-lo ao PCC, o Primeiro Comando da Capital, a facção criminosa paulista que se tornou a maior do país. Se você digitar Alexandre de Moraes no google, a primeira opção de complemento que aparece é: “foi advogado do PCC”. 
A história é assim: nos intervalos da política, Alexandre montou um escritório de advocacia. Ele tinha clientes famosos como o tucano Aécio Neves e o ex-todo-poderoso presidente da Câmara Eduardo Cunha. Mas defendeu também algumas empresas. Uma delas foi a Transcooper, uma cooperativa de perueiros. Em 2014, sócios dessa empresa foram citados em investigações por envolvimento com o PCC.

Alexandre defendeu a Transcooper nessa época, na esfera cível. Nada a ver com as tais investigações sobre o PCC. A ilação de que Alexandre advogou para a facção é falsa. Mas é uma pedra no sapato do ministro até hoje. Fato é que, naquela época, Alexandre tinha problemas mais urgentes para resolver. 

[Paródia de Beijinho no Ombro em ato do MPL]: Contra os gambés valem arma e escudo. Do camburão, quase não dá para te ver. (paródia de beijinho no ombro)

[Thais Bilenky]: Os protestos de junho de 2013 tinham dado início a novos tempos no Brasil. O que começou com um movimento por passe livre no transporte público foi crescendo, ganhando as ruas com uma pauta difusa de incômodos sociais.

[Fantástico – Tadeu Schmidit]: 15 de março de 2015. Domingo de ruas e praças cheias em cidades dos 26 estados e do Distrito Federal para manifestações contra a corrupção e contra o governo Dilma. 

[Fantástico – Poliana Abritta]: Foi em São Paulo que se viu hoje uma das maiores manifestações públicas dos últimos tempos na Avenida Paulista e arredores.

[Thais Bilenky]: A oposição à presidente Dilma Rousseff foi se tornando grande e virulenta. Simpatizantes dela iam às ruas e disputavam calçada com seus opositores. Era o começo da Operação Lava Jato. Sob a gestão de Alexandre, a PM paulista passa a experimentar novos métodos de repressão. 

[Ponte Jornalismo – Roteiro da repressão policial às manifestações contra o governo Temer]

[Thais Bilenky]: Canhão de água, manifestação cercada já na concentração, bomba de efeito moral, spray de pimenta e tropa de choque. Policial era flagrado atirando em manifestante, manifestante sangrando no chão estampava a capa dos jornais quase toda semana.

[Estadão – Policiais e estudantes entram em confronto durante manifestações]

[Brasil de Fato – Manifestante]: Tá enforcando ela, tá enforcada. Vocês são policiais, vocês representam o Estado, olha o que vocês estão fazendo? Qual é a necessidade disso?

[Thais Bilenky]: No calor das ruas, Alexandre era muito criticado pela esquerda por sua truculência. Mas não só. Naquele momento, março de 2016, ele também foi hostilizado pelos radicais de direita, acampados na Avenida Paulista, em frente ao prédio da Fiesp. 

[Voz masculina não identificada]: Aê, ladrão! Ladrão. Como é que você se sente roubando? Como é que você se sente roubando o nosso dinheiro, apoiando.

[Thais Bilenky]: Ali talvez tenha sido o primeiro contato direto de Alexandre com o que viria ser a base do bolsonarismo: ele era o chefe da PM que esses extremistas adoravam. Mas tinha exigido que eles liberassem as ruas. E aí foi xingado.

Então, o telefone tocou. DDD 61. Brasília. Era o vice-presidente Michel Temer, que na época articulava o impeachment de Dilma. 

[EBC – Michel Temer]: Eu quero…neste momento, me dirigir ao povo…com muita cautela, porque, na verdade…

[Thais Bilenky]: Temer não podia dar nenhum passo em falso para conseguir sentar na cadeira de Dilma. Mas, de repente se viu diante de um escândalo que podia detonar tudo: um hacker tinha clonado o celular de sua esposa, Marcela, e passou a chantageá-la. Disse que ia divulgar fotos e conversas íntimas e jogar o nome do marido na lama. 

Para isso não acontecer, ela tinha que pagar algumas centenas de milhares de reais. Alexandre de Moraes – o chefão das polícias, o homem da lei e da ordem – assumiu o comando do caso. Sob sua supervisão, a Polícia Civil paulista criou uma força-tarefa com 5 delegados, 25 investigadores e 3 peritos. Tudo com absoluta discrição. O objetivo era prender o hacker e não deixar vazar nenhum gigabyte do celular de Marcela.  Alexandre cumpriu a missão. O assunto morreu antes de explodir e Temer se safou. 

[G1 – Michel Temer]: Assumo a presidência do Brasil, após decisão democrática e transparente do Congresso Nacional. 

[Thais Bilenky]: O impeachment de Dilma foi concluído e Temer assumiu a Presidência em 2016. Acuado, com popularidade baixa e a Lava Jato no talo, mas assumiu.

[TV Câmara – Michel Temer]]: Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis. 

[Thais Bilenky]: O presidente então indicou Alexandre de Moraes como ministro da Justiça. É um cargo no primeiríssimo escalão do Poder Executivo. O ministro da Justiça é o chefe da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal. 

É na Polícia Federal que começam muitas das investigações das autoridades mais poderosas da República. O ministro da Justiça pode determinar apurações e tem um aparato de inteligência de Estado bem ao alcance das suas mãos. 

[Poder 360 – Alexandre de Moraes]: A parceria importantíssima entre Brasil e Paraguai. Parceria para a erradicação da maconha, parceria no crime transnacional…


[Thais Bilenky]: Foi a estreia de Alexandre de Moraes para o grande público brasileiro. De uniforme preto com uma bandeira do Brasil no braço, facão na mão direita, o ministro da Justiça aparece num vídeo em péssima resolução cortando pés de maconha numa plantação no Paraguai.

[Poder 360 – Alexandre de Moraes]: Desde o momento em que assumi, uma das minhas prioridades, por determinação do presidente Michel Temer é o combate a criminalidade transnacional. 

[Thais Bilenky]: Num balé ninja meio desajeitado, Alexandre dá golpe para direita, golpe para esquerda. 31 facadas em 59 segundos. A imagem falou por mil palavras e rendeu mil memes: agora, o Brasil tem um ministro da Justiça que vai acabar com a maconha na América do Sul. O linha-dura que vai combater o crime.  Sim, é meio inacreditável que agora, em agosto de 2023, esse mesmo Alexandre possa votar para descriminalizar o porte de maconha no Supremo. No último episódio desse podcast, eu vou falar sobre o Alexandre de hoje e contar como, na verdade, esse voto não foi tão inesperado como parece. Mas, por hora, voltemos a 2016. Cada aparição pública de Alexandre parecia pensada pelo marketing político. Ele comprava brigas e respondia aos críticos. A intenção dele, apostavam os observadores políticos, era disputar o governo de São Paulo em 2018.

Nessa época, além de lidar com massacres no sistema penitenciário e debater política antidrogas, Alexandre pegou carona na história mais quente do país naquele momento. A Operação Lava Jato. Mas acabou se complicando.

[Thais Bilenky]: Ele tava num evento eleitoral do candidato tucano a prefeito de Ribeirão Preto. Era uma cena clássica de campanha, e Alexandre tinha pinta de candidato: simpático, falando o que o povo queria ouvir.

[Políticos Brasileiros – Voz masculina não identificada]: Pedimos o seu apoio, por favor.

[Políticos Brasileiros – Alexandre de Moraes]: Pode ficar sossegado! 

[Thais Bilenky]: No corpo a corpo com manifestantes vestidos de verde amarelo, Alexandre simplesmente antecipou que dali a alguns dias ia começar uma nova fase da Lava Jato.

[Políticos Brasileiros – Alexandre de Moraes]: Teve outra, essa semana vai ter mais. Podem ficar tranquilos. Vocês vão ver, essa semana. Quando vocês virem essa semana, vão lembrar de mim. 

[Thais Bilenky]: Parecia uma conversa banal, mas foi um escândalo. Sendo ministro da Justiça e portanto chefe da Polícia Federal, ele não tinha direito à informação sobre as operações e muito menos a antecipá-las à luz do dia. 

Na época – setembro de 2016 – a Lava Jato ainda era muito popular e uma afirmação política de honestidade. Por isso, a derrapada dele foi relativizada pela opinião pública. Mas a oposição caiu matando. Os métodos polêmicos da Operação Lava Jato tinham começado a ser expostos.

[TV Senado – Gleisi Hoffmann]: E, me desculpa, essa operação Lava Jato tá começando a sair bastante dos trilhos. 

[Thais Bilenky]: Essa é Gleisi Hoffmann, então senadora pelo PT, num discurso na época. 

[TV Senado – Gleisi Hoffmann]: Já não estava muito nos trilhos, agora está completamente fora: fazer aquele show contra o presidente Lula, fazer a prisão do Guido Mantega dentro do hospital e agora permitir que o Ministro da Justiça tenha informações privilegiadas da polícia federal e use isso em campanha é lamentável.

[Thais Bilenky]: A operação da semana anterior tinha sido mandar prender o petista Guido Mantega dentro do hospital onde sua mulher tratava um câncer. Questionado, Alexandre disse que achava a Lava Jato uma “belíssima operação” e que não havia excessos na prisão de Mantega. No meio disso tudo, a Polícia Federal teve que ir a público reafirmar sua autonomia. 

Aqui já dá pra espiar a relação que Alexandre estava construindo com os policiais federais. E essa relação seria vital para a empreitada contra o golpismo de Bolsonaro em 2022.

Oito meses depois de Alexandre ter ido pro Ministério da Justiça, ocorre uma fatalidade: o ministro Teori Zavascki, responsável pela Lava Jato no Supremo, às vésperas de julgar dezenas de políticos, morre num acidente de avião. O país fica abismado. Mas não há vácuo no poder. O presidente da República tem que indicar um substituto para sua vaga. 

Depois de escalar degrau por degrau, da promotoria de Aguaí, a Febem, a Secretaria de Segurança Pública e o Ministério da Justiça. Depois de fazer a fama de linha-dura e conhecer as entranhas das polícias e do poder, tinha chegado a vez de Alexandre dar o passo que faltava: chegar ao topo da carreira judiciária. Sentar na cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal. 

[Jornal Nacional – William Bonner]: O presidente Michel Temer indicou Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal. Para ocupar a vaga aberta com a morte de Teori Zavascki.

[Thais Bilenky]: Alexandre tinha 48 anos, jovem para os padrões do tribunal de então, e ainda estava filiado ao PSDB. A indicação foi talhada de polêmica. Na sabatina no Senado em que seu nome foi aprovado, o ministro respondeu uma por uma.

[TV Senado – Alexandre de Moraes]: Jamais fui advogado do PCC e de ninguém ligado ao PCC. E jamais assim atuarei entendendo que a minha indicação e a minha eventual aprovação por vossas excelências seja ou tenha qualquer ligação de agradecimento, ou qualquer ligação de favor político. Eu me julgo absolutamente capaz de atuar com absoluta imparcialidade, absoluta neutralidade.

[Thais Bilenky]: Alexandre tomou posse no Supremo com a fama de tucano  pró-impeachment. E encontrou de toga um velho conhecido. 

O ministro Dias Toffoli, até a ascensão de Bolsonaro ao poder, era visto como um aliado do PT e de Lula, que de fato foi quem o indicou. Toffoli tinha sido advogado da sigla e cresceu politicamente nos governos petistas.  Essa divisão, digamos, azul e vermelha vinha de outros tempos. Alexandre e Toffoli se conheceram na Faculdade de Direito da USP, em 1986. Eram da mesma turma 159, do período diurno.

[Floriano Marques]: O Alexandre de Moraes e o Toffoli não eram da mesma classe, e nem da mesma tribo. Né? O Toffoli era mais da esquerda e tal, muito atuante no Onze de Agosto 

[Thais Bilenky]: O Floriano era dessa mesma turma na São Francisco. E Onze de Agosto, que ele cita aí, é o centro acadêmico da faculdade. Alexandre chegou ao Supremo e um ano e meio depois, em 2018, Bolsonaro ganhou a eleição. No embalo popular da Lava Jato, Bolsonaro vestiu o figurino de candidato antissistema. Batia nos políticos, nas instituições e no establishment o tempo inteiro. Toffoli, então presidente do Supremo, alardeava a pretensão de atuar como uma ponte entre os bolsonaristas e a classe política tradicional. 

Mas o presidente da República não colaborava: falava fake news, ofensas e ameaças – repetidas por todo o ecossistema bolsonarista. Do mesmo jeito que tinha feito ao longo da campanha, mas agora da cadeira mais poderosa do país. A Procuradoria-Geral da República, que é o comando do Ministério Público Federal, era cobrada a fazer alguma coisa, investigar a conduta de Bolsonaro, pedir ao Supremo alguma medida. Mas não fazia nada. 

O incômodo se instalou no Supremo. Toffoli conversava com um ministro, conversava com outro e em março de 2019, ele ousou. Fez por conta própria o que era papel do Ministério Público: abriu um inquérito. No jargão, quando o Supremo faz isso, ele abre o chamado Inquérito de Ofício. É um superpoder do Supremo. Mas tá no regimento, e Toffoli decidiu usá-lo.  No caso, abriu o famoso inquérito das fake news. O objetivo era obter informações que responsabilizassem e parassem os operadores da máquina de mentiras e afrontas do bolsonarismo. 

[Gilmar Mendes]: O próprio inquérito das fake news, que se desdobrou depois no inquérito dos atos antidemocráticos, ele… tem uma razão muito específica… todo mundo disse: “ah, por que que não pediu pro Ministério Público?”

[Thais Bilenky]: Esse é Gilmar Mendes, ministro do Supremo. Ele me recebeu no gabinete dele, na sede do tribunal, depois de um chá de cadeira de uma hora.

[Gilmar Mendes]: Porque o Ministério Público era um dos agentes de ataque ao Supremo. O rabo que estava abanando o cachorro. Né, muitos dos ataques a nós, vieram, por exemplo, de Curitiba.

[Thais Bilenky]: A referência de Gilmar a Curitiba se deve à Operação Lava Jato. Em 2019, Sérgio Moro tinha virado ministro da Justiça de Bolsonaro, enterrando de vez o mito do juiz imparcial contra a corrupção.  A Procuradoria-Geral da República se alinhou a Moro e à Lava Jato ou indo para cima dos políticos com os mesmos métodos de Curitiba, ou como em 2019, por omissão. 

Daí a opção de Toffoli por driblar a Procuradoria-Geral e agir. Ele abriu o inquérito das fake news, e em seguida precisava destacar um ministro para ser o relator responsável pelo processo. Mas ele não queria sortear um entre os dez. Ele queria um nome específico: Alexandre, seu conhecido das arcadas. Com sua vocação de promotor e voracidade.  O fato conhecido é que Alexandre aceitou ser o relator. Mas o que pouca gente sabe é que para isso Toffoli teve que gastar seu latim. O presidente do Supremo primeiro convidou Alexandre, mas ele recusou. Disse que estava chegando à corte e era cedo para comprar briga. 

Toffoli então tentou de novo. Alexandre nada. Toffoli sabia que podia atrair Alexandre exatamente com aquilo que ele dizia querer evitar: a briga. Porque Alexandre na verdade gosta dela. Quando toma porrada é que cria forças para dar uma ainda maior. Ele se nutre do embate e até se diverte com ele. Toffoli tentou mais uma vez, a terceira vez. E Alexandre topou. Os anos seguintes foram turbulentos e conversando com gente do entorno de Alexandre, eu descobri que não foram poucas as vezes em que seus amigos ficaram preocupados. Não só com a integridade física, mas também com o equilíbrio emocional e a vida pessoal dele. Alexandre, quando se dava ao trabalho de responder, respondia fazendo piada. 

E tinha uma data específica em que as coisas ficavam ainda mais tensas: o feriado do Sete de Setembro, que ganhou uma proporção muito maior na era Bolsonaro. O presidente aproveitava o Dia da Independência para vomitar seu golpismo de cima de palanques abarrotados de militares. O desfile foi ficando mais ostensivo a cada ano de seu mandato. 

[Desfile Militar em frente à Esplanada dos Ministérios transmitido pelo facebook de Jair Bolsonaro] 

[Thais Bilenky]: Às vésperas do Sete de Setembro de 2021, Bolsonaro anunciava aos quatro ventos que ia tumultuar. Patrocinou até um desfile de blindados e tanques de guerra na Esplanada dos Ministérios. Era uma ideia atípica, um ensaio geral sugestivo para setembro.

[Brasil em Dia – Márcia Fernandes]: Este ano, a Operação Formosa, Renata, ela envolve 2.500 militares da marinha, do exército e da força aérea que simularão uma operação anfíbia, considerada a mais complexa das ações militares em solo. E vão empregar mais de 150 diferentes meios, inclusive aeronaves, carros de combate e veículos.

[Thais Bilenky]: O presidente acabou meio ridicularizado, porque os tanques do desfile eram velhos e  fumacentos.

[UOL – Josias de Souza]: Achei meio vexatório, né, porque as forças armadas estão mal de equipamento, né?

[Thais Bilenky]: Mas a ameaça pairava no ar. Bolsonaro conclamou apoiadores a saírem às ruas no país todo, vestindo verde e amarelo. Ia discursar em Brasília e depois na avenida Paulista. O Supremo montou um esquema reforçado de segurança. Botou até sniper no teto. Era o alvo preferencial do presidente.

[UOL – Bolsonaro]: Ministro Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha.

[Thais Bilenky]: Bolsonaro xingou Alexandre, e foi além: disse que não obedeceria mais às decisões do Supremo. Criou uma baita crise entre Poder Executivo e Judiciário.  A tensão subiu a níveis nunca vistos na Nova República.

[UOL – Bolsonaro]: Deixa de ser canalha.

[Thais Bilenky]: Só que o presidente logo percebeu que não tinha força suficiente na política, nas Forças Armadas e na população para ir para o tudo ou nada. Então, no dia seguinte, ele recuou.

Era perto de oito horas da noite. Temer tinha chegado em sua casa, em São Paulo, tirado o terno e a gravata. Estava em seu escritório, de calça e camisa, no celular. O telefone tocou. Bolsonaro do outro lado da linha. Um chamava o outro de presidente.

[Michel Temer]: Aí eu disse, ele disse: “oi, presidente, o senhor sabe… eu sei que o senhor tem muito prestígio no supremo.” Não é tão verdadeiro assim. “O senhor tem muito prestígio no supremo, eu não quero brigar com ninguém e… também o Alexandre…”

[Thais Bilenky]: Esse é o ex-presidente Michel Temer contando como foram aquelas horas, aqueles dias, de 2021, numa conversa que eu tive com ele para a revista piauí no ano seguinte.

[Michel Temer]: E depois, viu Thais, ele: “veja a questão do ministro Alexandre, eu não quero briga com ele, presidente. O senhor tem muito prestígio no Supremo, podia me ajudar nisso, tal.” Num dado momento, eu disse: “olha, o senhor quer que eu fale com o Alexandre, né?”. Com o Alexandre, eu tenho interlocução, naturalmente, né. Muito cautelosa, muito cerimoniosa, para também não exagerar, né?

[Thais Bilenky]: Sim.

[Michel Temer]: Você sabe que tem gente que acha que porque nomeou alguém é dono de alguém e não é, né? Ele disse: “ah, eu quero sim. Quero, se puder me ajudar nisso, etc.”

[Thais Bilenky]: Temer disse que ajudaria, mas antes deu seu recado.

[Michel Temer]: Ele me perguntou o que eu achei. Perdão. Ele perguntou o que eu achei.

[Thais Bilenky]: Ah, é?

[Michel Temer]: Eu disse: “olha, o senhor conseguiu reunir muita gente é verdade. Agora… é pra falar sem cerimônia, né presidente?”, “sem cerimônia”, “o seu discursou, data venia, foi muito equivocado. Não pode… eu não diria aquilo para duas pessoas, talvez pudesse dizer pra um amigo íntimo. O senhor disse em uma multidão. Que o Alexandre era isso e aquilo, etc, né?”, “é, mas eu não quero briga, etc, etc.”

[Thais Bilenky]: Bolsonaro levantou a bandeira branca. Temer foi até a casa de Alexandre, também em São Paulo.

[Michel Temer]: Daí o próprio Alexandre disse: “o que que você sugere?”, eu digo: “olha, eu sugiro um documento escrito em que ele diga que cumpre a Constituição, cumprirá as decisões judiciais, reconhece que você é um jurista, que aquilo foi no calor do momento…”, ele disse: “ah, mas ele não vai topar isso, presidente.” Eu disse: “bom, se ele topar… nós cumprimos nosso papel, né?”

[Thais Bilenky]: No dia seguinte, às seis e meia da manhã, Bolsonaro liga para Temer e diz que vai mandar um avião da FAB buscá-lo em São Paulo.  

[Michel Temer]: Eu disse: “presidente, para eu ir aí só para conversar, não fica bem para o senhor, nem pra mim. Agora, em face da conversa de ontem – eu disse – tem uns tópicos aqui. Se o senhor tiver de acordo, aí eu posso ir e nós conversaremos.”

[Thais Bilenky]: Uhum.

[Michel Temer]: Daí eu listei esses tópicos para ele e, para minha surpresa, ele disse: “ó, tô de acordo, muito bom.”

[Thais Bilenky]: De… de pronto, ele falou?

[Michel Temer]: De pronto. Eu falei: “então, está bem. Então, pode mandar, eu vou aí.”

[Thais Bilenky]: Temer chegou e foi levado direto ao Palácio do Planalto. Bolsonaro o encontrou numa sala de almoço. Leu, assentiu, mas pediu que Temer voltasse dali a algumas horas, porque queria mostrar o documento a conselheiros. Quando Temer voltou, Bolsonaro já tinha divulgado o documento para a imprensa. 

[Michel Temer]: Eu liguei para o Alexandre e disse: “Alexandre, estou aqui com o presidente ao meu lado, ele já fez aquelas declarações que eu disse a você que ele faria. Vou colocá-lo para falar com ele. Aí eles falaram amigavelmente, por uns três, quatro minutos, né. E foi, agora, para minha surpresa…

[Thais Bilenky]: E o senhor ouviu o Bolsonaro falando, certo? Porque o senhor estava ao lado dele.

[Michel Temer]: É, em um primeiro momento até, porque até me afastei um pouco. No primeiro momento, o que ouvi foi isso, ele dizendo assim: “você é…” eu não sei se ele é corinthiano ou… o Alexandre é palmeirense, alguma coisa assim. “Olhe, a única briga que eu quero ter com o senhor é…. de futebol, você é corinthiano, eu sou…” são paulino, sei lá, “não quero ter outra briga”.

[Thais Bilenky]: Temer voltou para casa satisfeito. 

[Michel Temer]: Quando eu saí, Thais, eu me surpreendi com a repercussão. E aí, eu tive a seguinte concepção, eu disse: “interessante, o povo não quer briga. O povo está cansado dessa discussão ao rés do chão.”

[Thais Bilenky]: Uhum

[Michel Temer]: O povo quer uma coisa mais elevada, né? 

[Thais Bilenky]: No dia seguinte, Bolsonaro telefonou para Temer de novo, lá para dez da manhã, elogiando a iniciativa da véspera. Disse que alguns de seus aliados mais radicais se irritaram, mas que ele, Bolsonaro, estava contente com o desfecho. Mas depois da trégua, o embate recomeçou

[Michel Temer]: Segurou seis meses. Não conseguiu segurar mais.

[Thais Bilenky]: A briga entre Alexandre e Bolsonaro estava só começando.

[Justiça Eleitoral]: Senhoras e senhores, boa noite. A seguir dar-se-á início à solenidade de posse de presidente e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral. 

[Thais Bilenky]: Dizem que presidência é destino. A pessoa nasce e está escrito nas estrelas que um dia vai dirigir o país. No TSE, está escrito na Constituição. Funciona assim: o tribunal é composto por três ministros do Supremo, que ficam dois anos renováveis por mais dois na corte eleitoral. É um revezamento pelo qual os onze ministros do Supremo passam. Além deles, três ministros do Superior Tribunal de Justiça e dois advogados formam o plenário do TSE.

A cada dois anos esse colegiado elege um dos três ministros do Supremo para ser  presidente. É uma eleição meramente simbólica, porque eles têm um acordo de cavalheiros que estipula que assumirá quem estiver há mais tempo no tribunal. Ou seja, a presidência de Alexandre de Moraes no TSE era previsível desde que ele chegou ao Supremo, cinco anos antes. Mas as estrelas guardavam uma surpresa: que Alexandre seria o chefe da corte na eleição mais tensa da história recente do Brasil. Em agosto de 2022, ele tomou posse como presidente do TSE. Alexandre decidiu onde cada convidado sentaria no auditório principal e precisou de mais duas salas com telões para acomodar as autoridades, jornalistas, analistas, acadêmicos e aliados presentes. Escorregou num ponto, é preciso dizer: deixou Dilma e Temer lado a lado na fileira de honra dos ex-presidentes. Dilma pediu a escolta amiga de seu ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, dizendo que se cruzasse com o antigo vice meter-lhe-ia uma bofetada. No fim, deixaram Dilma numa ponta, Temer na outra, e Lula e Sarney no meio. 

Mas, a cena principal se desenrolou de cima da tribuna, longe das câmeras. Os mais atentos repararam que, antes de discursar, Alexandre contou duas ou três piadas a Bolsonaro, ao pé do ouvido. Quem conhece a mente do ministro e estava lá me garantiu: esse gesto não foi casual. Bolsonaro foi obrigado a sorrir. E aí, Alexandre tomou a palavra.

[Justiça Eleitoral – Alexandre de Moraes]: Eu não canso de repetir, e obviamente não poderia deixar de fazê-lo nessa oportunidade, nesse importante momento: liberdade de expressão não é liberdade de agressão. Liberdade de expressão não é liberdade de destruição da democracia, de destruição das instituições, de destruição da dignidade e da honra alheias. Liberdade de expressão não é liberdade de propagação de discursos de ódio e preconceituosos. 

[Thais Bilenky]: O evento acabou com uma longa salva de palmas, catártica. O público se levantou. Mas Bolsonaro ficou sentado e os ministros de seu governo também. Passaram-se alguns segundos, Bolsonaro deu o sinal e os seus se levantaram. Alguns se recusaram a aplaudir.

Nesse momento, enquanto Bolsonaro usava todas as armas de que dispunha na Presidência para se reeleger, Alexandre era quem simbolizava o sistema de freios e contrapesos todinho. Não só como chefe do TSE, mas também como relator do inquérito das fake news. E esse não era um lugar confortável. Bolsonaro tinha a máquina, apoio popular e pouco apreço às instituições democráticas. 

No próximo episódio, te conto bastidores inéditos da atuação de Alexandre no caos logo antes da eleição. Teve o deputado marombado que usou a Câmara de escudo contra o Supremo. Teve Carla Zambelli correndo com arma na mão no meio da rua. E teve a inacreditável cena de Roberto Jefferson atirando em policial com fuzil e granada.

[O Globo – Roberto Jefferson]: O Brasil chegou no limite da tirania, esses caras tiranizaram a gente. Xandão. Não se entreguem ao Xandão, não se entreguem.

[Thais Bilenky]: Alexandre é um podcast original da Trovão Mídia e da revista piauí. Está disponível na sua plataforma de áudio preferida. Se você gostou, não deixa de seguir, dar cinco estrelas e comentar o episódio no Spotify. Também dá para seguir a gente no Amazon Music, assinar no Apple Podcasts, se inscrever no Google Podcast, no Castbox ou no Youtube e favoritar na Deezer. Assim, você recebe uma notificação sempre que tiver um episódio novo no ar.

Eu sou Thais Bilenky e fiz a reportagem e o roteiro. A direção geral e o tratamento de roteiro são da Ana Bonomi e do José Orenstein. A produção executiva é da Ana Bonomi, José Orenstein e da Mari Faria. Assistência de produção da Ana Azevedo. A trilha sonora original, o desenho de som e a montagem são do Arthur Decloedt. Finalização é da Phonocortex. Checagem feita por João Felipe Carvalho. Agradecimentos especiais ao Marcelo Mesquita. Gravado no estúdio Nanuk em São Paulo.

Esse episódio usou áudios de Globonews, canal Arquivo Eleitoral do Youtube, programa Roda Viva da TV Cultura, canal do Governo do Estado de São Paulo no Youtube, canal de Talita Bedinelli no Youtube, Fantástico, Ponte Jornalismo, Estadão, Brasil de Fato, Democratize Mídia, Jovem Pan, EBC, G1, canal da Câmara dos Deputados no Youtube, Poder 360, canal Políticos Brasileiros no Youtube, TV Senado, Jornal Nacional, live do Facebook de Jair Bolsonaro, Brasil em Dia, Uol, canal da Justiça Eleitoral no Youtube, O Globo.

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