Palavras como “povo”, “família” e “batalhador” têm proliferado de forma inédita nas redes sociais do deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ). “O povo do Rio de Janeiro quer um governo que trabalhe para que as nossas famílias vivam em paz”, diz uma das publicações feitas em seu perfil oficial no último dia 2. “Vamos devolver o Rio de Janeiro ao povo trabalhador, que dá duro todos os dias em busca de uma vida melhor”, afirma outra, publicada horas depois no mesmo dia. Palavras como “genocida” e “fascista” se tornaram raras.
Freixo é pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro e lidera as pesquisas de intenção de voto, empatado com o atual governador, Cláudio Castro (PL-RJ). Para vencer sua primeira eleição majoritária, o deputado vem apostando numa repaginação de sua figura pública. No ano passado, depois de catorze anos exercendo mandatos parlamentares pelo Psol, ele se desfiliou do partido e aderiu ao PSB – que, diferentemente do Psol, só é socialista no nome. Na mesma época, Freixo contratou o marqueteiro Renato Pereira para cuidar de sua campanha. Pereira trabalhou para Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Eduardo Paes e Pedro Paulo, confessou crimes de caixa 2 e se tornou delator na Operação Lava Jato.
Pereira e sua equipe têm operado as mudanças no posicionamento de Freixo. O perfil combatente e as palavras de ordem do deputado vêm dando lugar à moderação e a um discurso menos pesado, mais palatável, que fala sobre esperança, sonhos, diálogo, família e união para superar a fase difícil vivida pelo Rio e pelo Brasil de modo geral. Qualquer semelhança com Lula não é mera coincidência. Dos principais colégios eleitorais do país, o Rio é o que reflete de forma mais direta a polarização nacional entre Lula e Bolsonaro, e Freixo pretende pegar carona no discurso lulista.
O principal público-alvo da campanha de Freixo é o eleitorado que pretende votar no petista para presidente, mas que nunca votou no Psol. As pesquisas mais recentes mostram que hoje o deputado tem em torno de 22% das intenções de voto, enquanto Lula, no Rio, tem cerca de 35%. Na avaliação da equipe de Freixo, essa faixa de 10% a 15% de votos que o separa do ex-presidente é composta principalmente de eleitores das classes C e D, com ensino médio completo, e que avaliam mal tanto o governo Bolsonaro quanto o governo Castro.
Desde o dia 1º de janeiro, o perfil oficial de Freixo no Facebook já fez nove postagens, entre vídeos e fotos, reforçando sua aliança com o ex-presidente Lula. “A configuração nacional nos ajuda muito. Estamos ligados ao polo da mudança – uma mudança moderada, da harmonia, de cuidar das pessoas. Isso é um trunfo nessa eleição”, diz um dos integrantes da campanha, que pediu para não ser identificado para não se indispor com sua equipe.
A polarização não se dá da mesma forma nos outros dois maiores colégios eleitorais do país, São Paulo e Minas Gerais. Em São Paulo, as pesquisas apontam uma provável disputa entre PT e PSDB, representados por Fernando Haddad e Rodrigo Garcia. A briga em Minas Gerais, ao que tudo indica, deve ficar entre Novo e PSD (Romeu Zema deve ser apoiado por Bolsonaro, e Alexandre Kalil por Lula, mas nenhum dos candidatos tem vínculo direto com os presidenciáveis).
No Rio, contudo, Lula já manifestou diversas vezes seu apoio a Freixo, enquanto Bolsonaro não apenas apoia Castro como é do mesmo partido que ele. A filiação do presidente ao PL foi vista como uma vantagem pela equipe de Freixo, já que agora ficará difícil para o governador do Rio desvincular sua imagem do bolsonarismo. “Há uma correlação enorme: quem gosta do Bolsonaro avalia bem o governo do Cláudio Castro”, explica Maurício Moura, fundador do instituto IDEIA, que vem realizando pesquisas com regularidade no Rio de Janeiro. “O Freixo, nesse cenário, está buscando uma imagem de antibolsonarista palatável, o que é um movimento correto para ele. Na minha opinião, vai vencer essa eleição quem for o antibolsonarista mais palatável. A polarização já está dada”, diz Moura.
Assim como Lula estendeu a mão para Geraldo Alckmin num ensaio de frente ampla, Freixo foi atrás de Armínio Fraga, economista ligado aos tucanos e ex-presidente do Banco Central. Mas o maior desafio de Freixo, que sempre teve mais força entre eleitores de renda elevada com formação universitária, é penetrar no eleitorado mais pobre, sobretudo fora da capital. “O principal movimento do Freixo não é em direção ao centro, é para baixo”, resume um integrante da campanha.
A equipe de Cláudio Castro pretende adotar uma estratégia oposta à de Freixo: não nacionalizar a campanha. O governador enfrenta condições nada favoráveis: é pouco conhecido – em pesquisas feitas no segundo semestre de 2021, um terço do eleitorado fluminense não sabia quem ele era – e é mal avaliado – na mesma época, menos de um quarto da população considerava sua gestão boa ou ótima. Historicamente, os governadores ganham popularidade em anos de eleição, mas Castro tem um terreno longo a percorrer. “Se ele não melhorar de forma significativa, suas chances são baixas. Hoje, considerando o histórico das eleições de governador no Brasil, ele não seria reeleito com esse nível de aprovação”, explica Maurício Moura, do instituto IDEIA.
O primeiro objetivo da campanha de Cláudio Castro, portanto, é torná-lo conhecido. A operação vem sendo tocada pelo marqueteiro Paulo Vasconcelos, que trabalhou na campanha presidencial de Aécio Neves em 2014. “Hoje e nos próximos meses o Cláudio vai divulgar o que está fazendo como governador e o que já fez, saneando as finanças do estado, privatizando a Cedae, fazendo uma nova ação nas favelas. Isso já está dando resultado. E assim vamos retardando a nacionalização da campanha”, diz Vasconcelos.
Segundo o marqueteiro, as pesquisas impõem um lema para Castro: não olhe para cima. “A missão dele é não nacionalizar. O eleitor hoje quer que olhem para baixo, que resolvam o problema dele. Está saturado dessa polarização. É por isso que os prefeitos estão mais bem avaliados, em geral, que os políticos de cargos mais altos”, argumenta Vasconcelos. Somado a isso, é claro, está o fato de que Bolsonaro tem hoje o pior índice de aprovação desde o começo do governo. Em dezembro, o Ipec (antigo Ibope) mostrou que apenas 19% dos brasileiros consideram o governo Bolsonaro ótimo ou bom, enquanto 55% o avaliam como ruim ou péssimo.
Enquanto isso, assim como na disputa presidencial, os pedetistas correm por fora. Uma provável candidatura do ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves (PDT-RJ), que apareceu com 7% das intenções de voto numa pesquisa Exame/IDEIA realizada em agosto, é vista pela campanha de Freixo como um complicador que pode embaralhar o campo antibolsonarista no Rio. Principalmente caso se confirme o apoio do prefeito Eduardo Paes (PSD) a Neves. Os dois partidos – PDT e PSD – fecharam acordo na última semana e formarão chapa única na disputa pelo governo.
Publicamente, Paes vem defendendo a candidatura do ex-presidente da OAB Felipe Santa Cruz (PSD). É provável, contudo, que Neves encabece a chapa. Eleito duas vezes prefeito de Niterói, tendo emplacado ainda um sucessor, o pedetista é mais conhecido e parte de um patamar mais alto de votos. Ele conta, além disso, com apoio de parte do diretório estadual do PT, que vê Freixo com desconfiança. “Metade do PT vai com o Rodrigo [Neves]”, prevê o deputado federal Chico D’Ângelo (PDT-RJ). “O Lula não vai querer um palanque só. O Freixo pouco ajuda o Lula, em termos de voto. Se o Rodrigo fechar aliança com partidos de centro, com o Eduardo Paes, isso ajuda. Quando a campanha esquentar, o Lula não vai se negar a subir em palanque com o Rodrigo. E aí a eleição pode embolar.”