Foto de Alexandre Cassiano publicada hoje no jornal O Globo
Arraial agitado
A campanha eleitoral parece ter animado o debate. Em carta aberta aos presidenciáveis, cerca de setenta ilustres profissionais sairam à frente, afirmando que “o audiovisual brasileiro encontra-se em um dos melhores momentos de sua história”.
A campanha eleitoral parece ter animado o debate. Em carta aberta aos presidenciáveis, cerca de setenta ilustres profissionais sairam à frente, afirmando que “o audiovisual brasileiro encontra-se em um dos melhores momentos de sua história”.
O texto alinha dados econômicos para demonstrar que a “taxa média de crescimento nesse período [entre 2002 e 2013] foi três vezes maior do que a do conjunto da economia brasileira”. Faltou mencionar, porém, que a taxa média de crescimento da economia brasileira de 2,8% no período 2004-2012 é considerada decepcionante (dado do Instituto Braudel disponível aqui)
Apresentada como sendo positiva, a performance do chamado “setor audiovisual” serve de fundamento para o pedido aos candidatos de “um compromisso claro com a manutenção e o aperfeiçoamento da política em vigor; a redução da burocracia; e a liberação integral dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que são gerados pela própria atividade”.
Deixando de lado a pretensão descabida de falar em nome de um “setor” que os signatários não representam em seu conjunto, além do teor economicista da carta aberta chama atenção o tom publicitário, na prática uma defesa da política da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e da Riofilme. Lançando mão de recursos de linguagem próprios da propaganda, afirmações questionáveis são feitas como se fossem verdades irretorquíveis. Dizer, como consta da carta aberta, que “o setor se torna a cada dia maior e mais competitivo, elevando sua contribuição ao desenvolvimento do Brasil” é uma falácia, não havendo evidências de que o cinema brasileiro esteja, de fato, em condições de competir, no mercado interno, com o cinema americano.
A carta aberta deixa claro a submissão dos signatários diante do Estado. Apesar de mencionarem que os recursos do FSA “são gerados pela própria atividade”, não questionam o fato de serem geridos por uma Agência estatal que acumula função reguladora e de fomento, monopolizando dessa forma a formulação, execução e poder de decisão da política cinematográfica. Diante dessa distorção, não surpreende a ausência de qualquer menção à necessidade de criar uma autarquia que tenha agilidade operacional, encarregada, no lugar da Ancine, de aplicar os recursos do FSA.
Parece estar além da capacidade de compreensão dos signatários da carta aberta que não é possível conciliar, como pleiteiam, “a manutenção e o aperfeiçoamento da política em vigor” com a “redução da burocracia”. Esse pedido feito aos candidatos não terá como ser atendido por que a hipertrofia burocrática que impera na atividade cinematográfica é corolário direto, necessário e inevitável, da dependência do Estado e da política em vigor.
Dias depois da divulgação da carta aberta, palavras dissonantes e argumentos certeiros puderam ser lidos. Para André Klotzel, a forma atual de financiar a produção de filmes para o mercado de salas de exibição resulta de “visão equivocada [da Ancine] sobre o papel dos agentes econômicos”, por dar primazia aos distribuidores na decisão “sobre quais filmes financiar”. Contrapondo-se aos termos da carta aberta, Klotzel indica que “nunca se gastou tanto para produzir cinema no Brasil” sem conseguir “aumentar a participação dos filmes nacionais nas salas de exibição”.
Klotzel aponta ainda a falha mais grave da política implementada pela Ancine e pela Riofilme – privilegiar o que chama de “filmes mais fáceis de vender”, em prejuízo dos que buscam conciliar inovação e criatividade com potencial de mercado. O risco, conclui Klotzel, é termos “um cinema brasileiro irrelevante, tanto do ponto de vista cultural como do comercial”. O que se poderia perguntar é se, há vários anos, já não será esse o caso.
O movimento “Rio: mais cinema, menos cenário” reage tardiamente aos incentivos dados a produções estrangeiras para filmarem no Rio. Com algumas posições coincidentes com as de Klotzel, o movimento promoveu manifestação de protesto em frente ao Teatro Oi Casa Grande, durante a abertura do Festival do Rio 2014. Declarando ser vedado “o livre acesso às estatísticas mais superficiais” [citadas nas proclamações laudatórias do Secretário de Cultura e Presidente da Riofilme], o “Rio: mais cinema, menos cenário” pede “mais diálogo e transparência!”, declarando que os dados não estariam disponíveis “para consulta pública no site da RioFilme ou da Secretaria Municipal de Cultura”, além de tampouco a empresa se prontificar “a responder instituições e profissionais do meio audiovisual que as solicitam frequentemente”.
A resposta do secretário de Cultura, divulgada pelo Facebook, alinha números, pretendendo demonstrar com eles estar “no caminho certo”. É uma forma de cegueira conhecida como mal de Maria Antonieta que apela para a tática dos brioches, cujas consequências costumam ser trágicas. Prova disso são os desdobramentos que vem ocorrendo no Festival do Rio, relatados hoje no Segundo Caderno do Globo.
Os gestores culturais são prepotentes e autoritários. Não há interlocucção efetiva com os profissionais do setor. A Secretaria de Cultura do Estado tem sido inoperante – declara o “Rio: mais cinema, menos cenário”. Parece faltar ainda o difícil debate sobre o cinema que queremos.
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