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    Menino comemora enquanto os últimos soldados de Portugal deixam as ilhas de Luanda em 11 de novembro de 1975, dia da independência de Angola. CRÉDITO: SEBASTIÃO SALGADO_1975

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As canções que ajudaram a derrubar uma ditadura

Há cinquenta anos, a Revolução dos Cravos pôs fim ao mais longo governo autoritário na Europa no século XX

Simone Duarte, de Lisboa | 22 abr 2024_09h02
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O jornalista português João Paulo Diniz, de 25 anos, tinha uma missão histórica na noite de 24 de abril de 1974, quando entrou no estúdio em Lisboa para apresentar o programa Quatro Tempos. Ele deveria colocar no ar a canção E depois do adeus, anunciando assim a primeira senha secreta que daria início em Portugal à derrubada de uma ditadura de 48 anos, a mais longa na Europa durante o século XX.

A incumbência de Diniz lhe foi transmitida pelo coronel Otelo Saraiva de Carvalho, que tinha sido o seu comandante na Guiné-Bissau e se tornaria um dos líderes mais importantes do movimento que derrubou o regime. Ele queria que Diniz tocasse no programa de rádio a canção Grândola, vila morena, de Zeca Afonso. O jornalista argumentou que Afonso já havia sido preso, tinha muitas canções censuradas e iria chamar a atenção dos censores. Diniz sugeriu E depois do adeus, cantada por Paulo de Carvalho. Ficou combinado também o horário exato da transmissão: 23h55 do dia 24 de abril.

– Vai correr bem – garantiu Otelo.

– Mas e se não correr? – perguntou Diniz.

– Se falhar qualquer coisa, tu, que és civil, vais ser preso em Caxias, e nós, que somos militares, vamos para o presídio militar da Trafaria.

A locução de Diniz durou exatos 8 segundos. A música levou mais 3 minutos e 19 segundos. E assim começou a sublevação dos militares nos quartéis da capital. Entrara em curso a revolução que logo obteria a rendição de Marcello Caetano, sucessor do ditador António Salazar. Foi um movimento marcado pela música – antes, durante e depois.

A menos de 2 km dos estúdios da rádio, o então jornalista, cantor e militante político José Jorge Letria assistia no cinema a Nosso amor de ontem, de Sydney Pollack, com Robert Redford e Barbra Streisand. Levara a mulher e um casal de amigos para jantar antes de ver o filme sobre a história de amor em pleno período de caça às bruxas aos comunistas nos Estados Unidos. Aos 23 anos, e com um filho de menos de 6 meses em casa, Letria era um dos poucos civis portugueses, menos de vinte, que sabiam da operação militar para derrubar o regime. Não tinha ideia se a revolução seria vitoriosa. Não sabia se era a última sessão de cinema de suas vidas, se era uma despedida.

O filme terminou antes da meia-noite, e ele e o amigo deixaram as mulheres em casa em segurança. Precisavam estar sozinhos para sintonizar na Rádio Renascença e esperar que o relógio marcasse meia-noite e vinte. Assim foi. O amigo, que dirigia um Citroën GS, parou em frente ao Hotel Roma. Os dois, ansiosos, esperaram para ouvir a contrassenha da noite. Dessa vez, era mesmo Grândola, vila morena, a canção de Zeca Afonso, que confirmaria que o golpe estava em curso.

À meia-­noite e cinco minutos da madrugada de 25 de abril de 1974, 15 minutos antes da hora da senha, um corte de energia interrompeu a emissão da Rádio Renascença. Cinco minutos depois, a transmissão foi normalizada. À meia-noite e vinte minutos, durante o programa Limite, a senha definitiva foi lida pelo locutor moçambicano Teodomiro Leite de Vasconcelos. O combinado era que ele falasse a primeira estrofe de Grândola antes do início da música. Era o sinal verde de que as unidades estavam preparadas e os militares revoltosos podiam sair dos quartéis em todo o país. Leite de Vasconcelos leu:

Grândola, vila morena,

Terra da fraternidade,

O povo é quem mais ordena,

Dentro de ti,

Ó cidade.

José Jorge Letria soube da Operação Fim-Regime duas semanas antes, mas só foi informado da data exata do golpe poucos dias antes de 25 de abril. “Uma das razões para a escolha desse dia é que havia um grande contingente de tropas em Lisboa que estavam sendo mobilizadas para a Guerra Colonial na África.” Além disso, havia a questão da claridade. “Não poderia haver um levante na Lua cheia, tinha de ser uma noite de Lua minguante”, conta Letria.

A edição deste mês da piauí reconta os 50 anos da Revolução dos Cravos. Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.

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