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    O general Gustavo Dutra, ex-comandante militar do Planalto Crédito: Divulgação/Exército Brasileiro

anais da intentona

As mentiras que o general contou na CPI

Gustavo Dutra, ex-comandante militar do Planalto, disse na CPI dos Atos Antidemocráticos que militares não deram “vida fácil” aos acampados, mas não foi bem isso o que aconteceu

| 02 jun 2023_05h00
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Areportagem A teia do golpe, de Ana Clara Costa, publicada na edição de junho da piauí, narra em detalhes a movimentação do Exército durante os eventos do 8 de janeiro – e revela como o depoimento  do general Gustavo Dutra, comandante militar do Planalto, na CPI da Câmara Distrital, prestado em 18 de maio, foi cravado de mentiras. Sobre a retirada dos bolsonaristas do acampamento em frente ao QG do Exército em Brasília, o general disse aos deputados distritais que a Polícia Militar do DF “nunca combinou conosco de desmobilizar o acampamento”. Também disse que, durante os dois meses em que os acampados ficaram instalados no QG, o Exército não deu “vida fácil aos manifestantes”. O general também negou que o Exército, numa operação de retirada que acabou abortada, tenha apontado seus tanques para a PM. Alegou que a tropa estava ali para proteger o quartel dos vândalos.

É o contrário do que aconteceu. 

A PM não apenas combinou de desmobilizar o acampamento, como chegou a entrar em ação para retirar os bolsonaristas do local em quatro oportunidades – e, nas quatro, a operação foi abortada na última hora pelo Exército. A estratégia combinada com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) era a de iniciar o desmonte por meio do estrangulamento do comércio ilegal, para que, num segundo passo, as barracas fossem desmontadas. Em 12 de novembro, houve a primeira tentativa, mas a operação foi interrompida porque os fiscais do DF, quando iniciaram a remoção dos vendedores ambulantes, foram agredidos pelos acampados. Sob ameaça de linchamento, deixaram o local. A Polícia do Exército assistiu a tudo e permitiu que os servidores do DF fossem hostilizados e expulsos. Num relatório feito pelos fiscais e entregue ao governo distrital, ao qual a piauí teve acesso, eles relatam que sentiram “a necessidade de a Polícia do Exército se comunicar com os manifestantes no sentido de manter a ordem e mitigar a aglomeração”, e que, no planejamento da ação, o Exército havia se prontificado a fazer “intervenções quando fossem necessárias, o que não aconteceu”, informa o documento.

Em 7 de dezembro, a mesma coisa. Uma reunião fora marcada para a véspera, às 16 horas, no Comando Militar do Planalto (CMP), para debater a estratégia. Foram convocados quatro órgãos do governo distrital que poderiam dar suporte à operação. Ficou acertado o mesmo plano do dia 15 de novembro: retirada dos ambulantes e das tendas vazias, como forma de estimular a saída dos manifestantes. Depois da reunião, o coronel Fabiano da Silva, do CMP, enviou um ofício pedindo o apoio das equipes de ordem pública. No dia seguinte, a cena se repetiu: os fiscais chegaram, foram hostilizados e expulsos – e o Exército suspendeu a operação porque não havia “condições de segurança das equipes de fiscalização”. 

No dia 29 de dezembro, o planejamento foi ainda maior. Um protocolo de ação elaborado pela SSP previa a participação de policiais militares, civis, bombeiros e outros doze órgãos na empreitada. O documento informava que o Exército forneceria seis viaturas e tropa “suficiente para a eficácia da operação”. O coronel da PM Jorge Eduardo Naime Barretto detalhou na CPI como transcorreu o planejamento. “A operação foi planejada, na tarde do dia anterior, a tarde inteira. O Exército apresentou croqui, colocou transparências, disse o que ia fazer, como ia atuar, qual seria a atuação da Polícia Militar”, disse o policial. O resultado foi agressão aos fiscais e suspensão da operação pelo próprio general Dutra. Na ocasião, ele reclamou que havia policiais demais na ação. Por fim, na noite de 8 de janeiro, o general interrompeu a retirada para evitar “um banho de sangue”.

O general Dutra também facilitou a vida dos manifestantes. Em meados de novembro, o coronel Fabiano Augusto Cunha da Silva, subordinado do general no Comando Militar do Planalto, pediu ao governo do DF que ajudasse na limpeza do acampamento, providenciasse ambulância e policiamento, e permitisse a entrada do caminhão de som dos manifestantes, que estava autorizado a ficar na frente do QG. Em reuniões com a Polícia Militar, o general Dutra reforçou os pedidos, com um alerta: a PM não podia, em hipótese alguma, entrar no acampamento. Tinha que ficar nas imediações. O governo local atendeu aos pedidos. A limpeza era feita três vezes ao dia. Para deixar a vida dos acampados ainda mais fácil, o Exército ofereceu o estacionamento da Poupex, a previdência dos militares, situado nas proximidades do QG, para que os motorizados do acampamento pudessem deixar seus carros.

No dia 8 de janeiro, o general Gustavo Dutra chegou a ser alertado pela Secretaria de Segurança Pública sobre a chegada das caravanas e montagem de barracas – e, mais uma vez, resolveu não incomodá-los. Na primeira mensagem que recebeu por WhatsApp, o funcionário da SSP pedia que o Exército coibisse a aglomeração. O general respondeu apenas o seguinte: “Bom dia, estamos coibindo”. Tanto não estavam que o acampamento lotou. Uma hora depois, o general recebeu outra mensagem por WhatsApp, com fotos e vídeos de barracas sendo montadas. Voltou a minimizar o problema: “Acredito que tenham chegado cerca de dez ônibus, confere?” Não conferia. Seu interlocutor respondeu que havia “muito mais” e, outra vez, disse que o Exército não estava coibindo nada. Quando começaram a desembarcar fardos de água para os acampados, o funcionário da SSP voltou a chamar a atenção do general, que se esquivou: “Não posso coibir levar água”. 

Quando os manifestantes começaram a fazer arruaça nas ruas do entorno do QG, o general Dutra – de novo – foi informado por WhatsApp que havia pouco efetivo e apenas duas viaturas do Exército bloqueando a turba de 200 pessoas. O general nem respondeu. Minutos depois, recebeu novo aviso, desta vez informando que os manifestantes estavam tentando romper o bloqueio. Novamente, o general não disse nada. Por fim, recebeu a informação de que o bloqueio havia sido rompido e que a SSP decidira simplesmente fechar o acesso às vias do Setor Militar Urbano, onde fica o QG. Só então, o general deu sinal de vida. Agradeceu a medida, mas em tom de reclamação: “Vai tumultuar bastante, vai dificultar bastante o acesso ao SMU e prejudicar os moradores”. E concluiu: “Mas é melhor”. 

Na noite de 8 de janeiro, depois da depredação na Praça dos Três Poderes, a PM tentou prender os baderneiros que se refugiaram no acampamento – e o general Dutra não apenas impediu, como ainda acatou ordem do comando do Exército para colocar blindados e uma tropa de choque apontados na direção dos policiais militares, e não dos manifestantes. Ele negou publicamente que a intenção tenha sido de ameaçar a PM, e sim de proteger o quartel dos vândalos. Mas, depois de ouvir quatro fontes que presenciaram a cena, incluindo o próprio interventor Ricardo Cappelli, a piauí constatou que as coisas transcorreram de forma diferente. Além disso, na CPI da Câmara Distrital, o policial militar Jorge Eduardo Naime Barretto deu mais detalhes sobre aquela noite. Naime disse que, quando começou a se aproximar do QG para prender os baderneiros, foi abordado por um tenente do Exército. Exaltado, o militar dizia que o coronel não podia fazer prisões ali porque era “área do Exército”. O coronel prosseguiu com as prisões, levando cerca de cinquenta pessoas. Minutos mais tarde, viu uma cena insólita. “Quando eu olhei para trás, tinha uma linha de choque do Exército, montada com blindados”, disse. “Eles não estavam voltados para o acampamento. Eles estavam voltados para a PM, protegendo o acampamento”, disse o coronel à CPI. 

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