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    Bolsonaro exibindo sua caneta BIC ao assinar um decreto em 2019 Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República

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A BIC e o garrote vil

Se repetir o roteiro de crises anteriores, Bolsonaro deve encenar um recuo, mas terá conseguido com a canetada apertar o parafuso que asfixia o Estado de Direito

José Roberto de Toledo | 22 abr 2022_13h48
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A manobra executada por Jair Bolsonaro foi um sucesso. Ao agraciar o amigo Daniel Silveira com o perdão de seus crimes, o presidente monopolizou atenções e indignações mais do que os desfiles carnavalescos. Excitou seu bloco militante mais do que os de foliões extemporâneos. De quebra, fragilizou o Supremo Tribunal Federal, desacreditou a Justiça e deu outra volta no garrote vil que, pouco a pouco, pressiona e ameaça fraturar a espinha institucional da democracia brasileira. Mas o maior êxito imediato da canetada presidencial é outro.

Bolsonaro projetou força como há muito tempo não conseguia. Motociatas com a gangue motorizada de sempre são fotogênicas e fazem sucesso em redes sociais. Porém, não convencem governadores candidatos à reeleição a lhe dar palanque em estados com eleitorados grandes e onde Bolsonaro precisa se fortalecer contra Lula. Os recalcitrantes líderes estaduais não saem do muro para apoiá-lo de fato por medo de perderem mais votos do que ganhariam se associando a um presidente impopular. A demonstração de poder que constrange o Judiciário sem sofrer consequências talvez transforme a resistência em titubeio.

Quem melhor explicitou o objetivo do pai de pavonear-se como poderoso foi o filho 03. Eduardo Bolsonaro tuitou um “Boa noite” após o perdão presidencial vir a público na quinta-feira (21), ilustrando a mensagem com a foto de uma caneta BIC – a mesma que Bolsonaro pai gosta de dizer ser sua ao confrontar subordinados que, a seu ver, avançaram sobre seus poderes. O ex-vice Hamilton Mourão foi um dos advertidos de seu papel decorativo via metáfora da caneta: “A BIC é minha”. Bolsonaro repetiu a mensagem ao usá-la para assinar o decreto que abusa do poder presidencial.

Se seguir o padrão de outras crises por ele fabricadas, Bolsonaro irá agora encenar um recuo. O primeiro passo é deixar a turma-do-deixa-disso entrar no palco para sinalizar a disposição presidencial a um compromisso com os ministros do Supremo. Sabe-se lá o que os prestadores de serviços sujos do Arenão vão maquinar. Uma hipótese é convencerem os magistrados a validar o perdão ao deputado Silveira em troca de manterem a perda dos direitos políticos do criminoso e a consequente ausência de seu nome nas urnas eletrônicas em outubro. Encenar moderação é necessário para enganar eleitores indecisos que pendem hoje para Lula mas querem uma desculpa para mudar de lado.

Com ou sem acordo, Bolsonaro terá dado sua cobiçada demonstração de força e reforçado seu palanque eleitoral. Se ainda conseguir manter em cartaz a tragicomédia da moderação, tanto melhor para si. Os efeitos da BIC executora, porém, são permanentes sobre as instituições que sustentam o Estado de Direito. O parafuso do garrote vil apertou mais fundo a nuca da democracia brasileira. Não o suficiente para quebrar-lhe o pescoço, e talvez nem seja esse o objetivo. O garrote vil tem uma segunda maneira de matar a vítima, muito mais lenta e angustiante: por estrangulamento. Não à toa, a cada canetada fica mais difícil respirar.

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