Disponíveis para quem se inscreveu a tempo na plataforma da Brasil Paralelo, três episódios de A Direita no Brasil, identificados com pompa e circunstância como “atos”, foram lançados de 13 a 15 de março. Dirigido por Henrique Viana e Lucas Ferrugem, com roteiro de Elton Mesquita e Juan Montaño, a trilogia audiovisual propõe relembrar primeiro “como a corrente política que parecia ter sido extinta retornou ao pensamento público e começou a mudar os rumos do país”; depois, “a transformação política brasileira simbolizada no impeachment de Dilma Rousseff e no governo de Jair Bolsonaro”; e, finalmente, “examinar a derrota da nova direita nas eleições de 2022 e buscar respostas à pergunta: afinal, existe futuro para a direita no Brasil?”. Propósitos sem dúvida interessantes, mas frustrados.
Vale lembrar que o nome da produtora de A Direita no Brasil – Brasil Paralelo –, fundada em 2016, em Porto Alegre, é inspirado no filme Interestelar (2014), de Christopher Nolan, no qual a tarefa do protagonista é encontrar um planeta habitável no universo “paralelo” para salvar a humanidade do apocalipse. A missão assumida pela empresa gaúcha seria, portanto, difundir uma realidade coexistente, mas discrepante da que as pessoas estão acostumadas a ver na grande mídia, conforme declarou um dos sócios fundadores, Filipe Valerim.
O evidente viés persuasivo do marketing e da doutrinação política assumidos pela Brasil Paralelo ganhou conotações comprometedoras ao ser lançado o filme 1964: O Brasil entre Armas e Livros, de Valerim e Lucas Ferrugem, em 2019, com o “objetivo de mostrar o outro lado do regime militar”. O que não passa, na verdade, de um panfleto audiovisual, conforme artigo publicado na edição 152 da piauí, foi exibido na Assembleia Legislativa de São Paulo, dias após estrear no YouTube. E, depois da sessão, de acordo com O Estado de S. Paulo, foi feito um “desagravo à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do Destacamento de Operações de Informações (DOI), do II Exército, e ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, do antigo Departamento de Ordem Política e Social da Polícia Civil de São Paulo, o Dops”.
Seria ingenuidade supor, portanto, que tendo essa origem A Direita no Brasil pudesse resultar à altura da importância de seu tema. A Brasil Paralelo reincide no mesmo erro cometido em 1964: O Brasil entre Armas e Livros – anuncia ter feito um documentário quando, na verdade, o que produziu foi uma coletânea de depoimentos entrecortados com imagens de arquivo de má qualidade, na qual predomina intenção persuasiva própria da propaganda política e comercial, conduzida pela voz tonitruante de Valerim, atuando como apresentador e narrador.
A acepção hodierna do termo documentário não abrange projetos como esse que pretendam transmitir convicções adquiridas de antemão, muito menos demonstrar teses formuladas a priori. Filme documentário pressupõe, de um lado, o registro de uma investigação em curso, na tentativa de descobrir algo até então desconhecido e, de outro, ser o resultado da interação entre quem observa por meio da câmera com quem é observado. A Direita no Brasil é mais uma produção da Brasil Paralelo que ignora preceitos básicos que alicerçam uma das vertentes mais estimulantes do cinema contemporâneo, em favor de uma postura didática de quem se julga habilitado para ensinar.
Logo no início, a apresentação de A Direita no Brasil propõe fazer uma autocrítica – “É preciso examinar o caminho percorrido para extrair lições e aprender com os erros…” –, além de “ouvir verdades difíceis e lembrar de mentiras fáceis”. No entanto, os três “atos” omitem, por exemplo, o papel decisivo dos militares no governo federal de 2019 a 2022, assim como a influência dos evangélicos no resultado da eleição presidencial de 2018. Embora não faltem críticas aos pronunciamentos aberrantes do então presidente Bolsonaro, nenhum dos entrevistados assume responsabilidade por ele ter sido eleito presidente da República. As milhares de vítimas da Covid, no Brasil, não impedem que a atuação do governo durante o período agudo da pandemia seja tratada com condescendência e mesmo aprovação – “Priorizar a liberdade de escolha da população” teria sido a “maior e mais arriscada aposta” de Bolsonaro e “não demoraria a cobrar um alto preço”, diz a narração, concluindo adiante: “A decisão de Bolsonaro de defender a vida econômica do país enfraqueceu as prerrogativas morais da direita diante de uma população que temia pela própria vida…”
O terceiro “ato” de A Direita no Brasil, trazendo o subtítulo Lições de Abismo, termina com um editorial de quase três minutos. Através da narração o texto afirma, entre outras coisas, que “a direita se via [em 2013] como um movimento nobre empreendendo a retomada dos valores mais altos do país… que tinham sido largados pelo chão,… mas, nos longos dez anos de intensa luta que se seguiram até a derrota em 2023 [sic], a direita se viu puxada para as trincheiras enlameadas da política real. Um campo de batalha onde as formulações idealistas sempre correm o risco de não ter lugar… No período mais conturbado da Nova República, em que narrativas hostis, desinformação e criminalização de novas ideias vêm sendo usadas como armas políticas, o liberalismo nos lembra da importância da defesa da liberdade e o conservadorismo nos lembra que o trabalho da busca pela verdade nunca termina… Ao abraçar a defesa da verdade, os conservadores nunca devem perder de vista o fato de que, embora a verdade seja difícil de alcançar, sempre é possível chegar mais perto dela ou mais longe. Sempre é possível errar mais e errar menos. Refletindo sobre os erros cometidos e as esperanças frustradas, pode-se constatar que o caminho é difícil, mas a história ensina que nunca é impossível e, muitas vezes, simplesmente errar menos já faz toda diferença.”
Modelo de autoimagem indulgente feita de platitudes, o editorial carece de conexão com o que se pode ver e ouvir em A Direita no Brasil e mais ainda com a atuação das correntes políticas brasileiras de direita.
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Destaque (XXX):
“Como é que eu vejo? Eu vejo quase com desespero porque eu tento explicar para o meu filho o que aconteceu e eu não consigo. O que é uma coisa completamente surreal… de repente tudo se desmanchou como um castelo de cartas.” Christian Lohbauer, cofundador do Partido Novo, em A Direita no Brasil, no final do segundo episódio.