Na edição de junho deste ano, a piauí publicou a reportagem O cupinzeiro, de autoria do repórter Breno Pires, mostrando como o governo Bolsonaro desidratou o programa Mais Médicos e colocou no lugar uma agência, a Adaps, que se transformou num ninho de falcatruas, com casos de nepotismo, irregularidades administrativas, denúncias de assédio moral e mau uso de verba pública. A certa altura, a reportagem informava que, entre os contratados da Adaps, havia uma lista de amigos de ex e atuais dirigentes do órgão – e dava três exemplos. Em uma única frase, mencionava, sem emitir juízo de valor, os nomes de Lucas Wollmann (contratado para a gerência de formação, ensino e pesquisa) e sua mulher Diani de Oliveira Machado (que assumiu como assessora da diretoria técnica).
O casal entrou na Justiça pedindo a censura à reportagem. Em 20 de junho, o juiz da 21ª Vara Cível do Distrito Federal, Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, não concordou com a censura integral à matéria, mas deu uma liminar determinando a remoção do nome do casal, tanto dos “textos publicados na rede mundial de computadores” quanto dos “exemplares da revista piauí”. Na prática, considerando que a edição já havia sido distribuída a mais de 5 mil pontos de venda no país, o juiz determinou o recolhimento da revista das bancas – uma decisão raríssima no cenário de liberdade de imprensa instaurado pela Constituição de 1988. A piauí recorreu da decisão junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, mas, em 11 de julho, o desembargador Robson Teixeira de Freitas manteve a decisão do seu colega.
Na época, a censura à piauí foi criticada por representantes de veículos de imprensa e jornalistas, como Marcelo Rech, presidente da ANJ (Associação Nacional dos Jornais), Maia Fortes, diretora executiva da Ajor (Associação de Jornalismo Digital), Katia Brembatti, presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e Samira de Castro, presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). Para Gustavo Binenbojm, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a decisão parecia um caso clássico de medida inconstitucional. “Não chega a ser um caso difícil, não, é um caso em que evidentemente há uma censura judicial”, disse, na época, prevendo que a decisão acabaria sendo derrubada.
Sua previsão se concretizou nesta sexta-feira (1º), quando o ministro Cristiano Zanin, empossado há pouco no Supremo Tribunal Federal, derrubou a decisão do juiz e do desembargador, cancelando a censura e restabelecendo a liberdade de imprensa, prevista na Constituição. Em sua decisão, Zanin diz que “a liberdade de imprensa aparentemente foi colocada em segundo plano em relação aos direitos de intimidade dos autores”, e que a Justiça do DF não demonstrou “de que maneira o conteúdo da matéria jornalística teria incorrido em abuso ou má-fé no direito de informar”. O ministro afirma ainda que “eventual prejuízo à honra e a vida privada dos atingidos pela reportagem jornalística deve ser aferido a posteriori, não sendo cabível medida judicial que imponha o recolhimento liminar de todos os exemplares físicos de uma edição de uma revista de caráter nacional”.
A reportagem, agora sem censura, pode ser lida na sua íntegra por assinantes e não assinantes.