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    Cativas – presas pelo coração 

questões cinematográficas

Cativas – presas pelo coração, escandaloso e heroico

Cativas – presas pelo coração é um filme escandaloso. Abusa da relação de poder que há em todo documentário entre quem observa, interage e reencena, e quem, por sua vez, aceita ser observado, interagir e participar de encenações. De um lado, está quem detém o poder – no caso de Cativas, a diretora Joana Nin, de outro, mulheres comuns à mercê de suas decisões.

| 27 ago 2015_11h47
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é um filme escandaloso. Abusa da relação de poder que há em todo documentário entre quem observa, interage e reencena, e quem, por sua vez, aceita ser observado, interagir e participar de encenações. De um lado, está quem detém o poder – no caso de Cativas, a diretora Joana Nin, de outro, mulheres comuns à mercê de suas decisões. É uma relação desigual por definição que pressupõe o compromisso ético de proteger quem aceita ser acompanhado por uma câmera, particularmente em momentos íntimos. Ao desconsiderar essa obrigação, ultrapassando o limite do admissível, Cativas pode até ter encontrado uma chave para se tornar atraente, mas comete a falta grave de trair a confiança de suas personagens, quer elas tenham noção disso ou não.

A fragilidade emocional das mulheres que participam de Cativas é flagrante. Elas mantêm relações com homens condenados a longas penas de prisão, fugindo dos parâmetros amorosos usuais. Narcisismo e inconsequência parecem contribuir para levá-las a aceitar serem gravadas e se revelarem de corpo inteiro. Em princípio, constituem, portanto, personagens de grande interesse potencial, que o documentário tem o mérito não apenas de focalizar, mas também de se abster de fazer juízo de valor a respeito.

Essa neutralidade resulta paradoxal, porém, pela ausência de esforço para decifrar o enigma dessas mulheres sorridentes, chorosas e desesperadas. A embalagem de Cativas, feita das ilustrações ingênuas usadas nos créditos e da trilha musical de forte apelo sentimental, trai a perspectiva de quem tenta fazer passar por comum o que, na verdade, reveste-se de aspectos excepcionais.

Em tese, as cativas seriam senhoras do seu destino e poderiam escolher serem livres. O aposto do título – presas pelo coração – sugere, porém, que o amor as condena a uma prisão. Com tamanha simplificação do que parece ter dimensão de tragédia humana, Cativas se esquiva de encarar o desafio que o documentário faz a si mesmo ao mostrar algo pouco conhecido que sequer tenta entender.

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Na quinta-feira da semana passada (20/8/2015), dia oficial de estreias nos cinemas do Rio, o Segundo Caderno do Globo não fez nenhuma menção a Cativas – presas pelo coração. Preferiu destacar Entourage, filme que não provocou nenhum entusiasmo em Alessandro Giannini, cuja crítica foi acompanhada do famigerado bonequinho prestando atenção na tela. Em junho, quando Entourage, feito a partir da série de TV, estreou nos Estados Unidos, A.O.Scott comentou no New York Times que “assistir ao filme é como encontrar uma revista velha no banheiro de um amigo. Você se pergunta como ela foi parar ali. Você se pergunta como você foi parar ali.” É o caso de perguntar como e por queEntourage foi parar em meia página do Segundo Caderno.

A única justificativa, mesmo de pé quebrado, para ignorar completamenteCativas – presas pelo coração, tampouco mencionado nas lamentáveis notinhas das quintas-feiras, é que o filme só iria estrear no dia seguinte, ao contrário da maior parte do circuito. O pé quebrado vai por conta do fato de que nada impediria o Segundo Caderno de anunciar que o filme seria lançado no dia seguinte, depois de ter estreado em Curitiba na semana anterior. Ainda mais por que, no caderno RioShow de sexta, a crítica a Cativas, assinada por Mario Abade, foi acompanhada do famigerado bonequinho aplaudindo de pé, sendo a única estreia da semana a merecer tamanha distinção.

Para Abade, Cativas – presas pelo coração é um belo documentário minimalista sobre assunto polêmico, sem entrar em considerações como as feitas no início deste post. Fica a dúvida se mesmo com uma crítica tão favorável, Cativas conseguirá superar a desorganização do mercado exibidor, o desserviço prestado pelo Globo e o lançamento mais do que discreto – apenas duas sessões por dia em uma única sala. Notícias a confirmar indicam que o filme continuará em cartaz no mesmo cinema e estreará em São Paulo no dia 24 de setembro. Além de escandaloso, Cativas é mais um filme heroico.

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