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César Batiz e o jornalismo independente na Venezuela

César Batiz trabalha em dois veículos da mídia independente em seu país: a plataforma de dados Poderopedia e o canal online El Pitazo. Batiz conversou com a jornalista Carol Pires e com Simon Romero, correspondentes do New York Times.

10out2016_16h53
FOTO: TUCA VIEIRA
FOTO: TUCA VIEIRA

César Batiz trabalha em dois veículos da mídia independente em seu país: a plataforma de dados Poderopedia e o canal online El Pitazo. Batiz conversou com a repórter Carol Pires e com Simon Romero, correspondente do New York Times.

No Poderopedia, que surgiu no Chile e foi replicado por jornalistas da Colômbia e da Venezuela, Batiz coordena a equipe venezuelana que mapeia as relações de poder entre pessoas, empresas e organizações. No site, é possível encontrar perfis detalhados de empresários, políticos e militares que influenciaram decisões da esfera pública e visualizar as conexões entre eles.

Já no El Pitazo, com presença em 21 dos 23 estados venezuelanos, Batiz e mais quinze colegas buscam revelar informações e histórias que não ganharam espaço nos grandes veículos do país. O site – que produz reportagens em texto, áudio e vídeo – também tem convênio com oito ONGs para garantir que as notícias cheguem à periferia e ao público sem acesso à internet.

Batiz começou a trabalhar como jornalista um ano antes da eleição de Hugo Chávez, em 1998, e foi testemunha da ascensão e crise do chavismo na Venezuela. “Hugo Chávez começou a deslanchar em 1998. Em agosto daquele ano, ele atingiu o primeiro lugar nas pesquisas de opinião e nunca mais saiu dessa posição, sempre com a popularidade alta. As denúncias de corrupção nunca chegaram a ele. É como se ele estivesse coberto por teflon, blindado”, disse Batiz. “Chávez declarou que não usaria roupas caras. Mas usava. Tinha relógios. Comprou um Airbus, que, aliás, ninguém sabe onde está.”

Antes de integrar o Poderopedia e o El Pitazo, César Batiz coordenava a equipe de investigação do diário Últimas Noticias. Em 2015, os repórteres do jornal foram premiados por conseguir comprovar, através da recompilação de vídeos feitos pelo celular pelos próprios manifestantes, que homens da polícia do presidente Nicolás Maduro mataram um manifestante durante uma marcha estudantil em fevereiro de 2014. “Recebemos a notícia de que havia disparos, tiros e dois mortos. Os canais de tevê, no entanto, exibiam programas de variedades, um sobre casos amorosos, outro de culinária, enquanto pelo rádio recebíamos notícias do que estava acontecendo na rua”, lembrou Batiz. “Só que os venezuelanos adoram usar o Twitter. Começamos a receber vídeos e dados. Compilamos esse material e editamos um primeiro vídeo.” Com essas imagens eles montaram um grande quebra-cabeça que ajudou a população a tomar conhecimento do ocorrido e a contextualizar os eventos.

Além de controlar o conteúdo dos principais canais de televisão do país, o chavismo também põe entraves na atuação das empresas de comunicação, seja limitando o fornecimento de papel, seja dificultando a compra de dólares para a aquisição de material. Como as leis na Venezuela não permitem que os empresários invistam nos meios de comunicação, quase todos os veículos de grande escala são controlados pelo governo. “No nosso caso, estamos sendo financiados por doadores internacionais”, disse Batiz.

A falta de transparência e de dados oficiais constantemente travam a apuração das reportagens. “Não há muita investigação sobre a Odebrecht no jornalismo venezuelano. Não temos uma lei de acesso à informação, dependemos de fontes e vazamentos. E a empreiteira tem as obras mais importantes da Venezuela.” A postura do governo, desde Chávez, também agrava a situação: “O governo costuma adotar o silêncio em muitos momentos incômodos. E, quando a situação exige uma resposta, costuma ter uma posição corporativista”, disse.

Batiz também comentou a grave crise econômica que afeta a rotina da população. Diariamente, as pessoas com menor poder aquisitivo gastam horas em filas para adquirir produtos de primeira necessidade. A gravidade da situação propiciou o surgimento dos bachaqueros: “São pessoas que têm contatos no comércio e ligam a seus clientes oferecendo produtos, como por exemplo um quilo de arroz.” Os bachaqueros cobram mais caro e lucram em cima da revenda. “Todos os venezuelanos precisam desses vendedores informais, que repassam arroz, fraldas, cimento, medicamentos, até papel higiênico.”

O governo controla as fábricas importantes, e a escassez de produtos gera situações inusitadas: “As fábricas de cimento foram estatizadas e não dispõem de sacos para embalar o produto. Recorrem a sacos plásticos destinados a outros fins. E se você for pego na rua com vários sacos de cimento, podem achar que são para revenda e você corre o risco de ser preso.” O governo também controla o papel. “Os jornais tiveram de reduzir o número de páginas; alguns se limitam a lançar a edição impressa somente em alguns dias por semanas, colocando o resto do conteúdo na internet.” Nos últimos três anos, 22 jornais fecharam na Venezuela devido à falta de papel.

Batiz recebeu ameaças de morte e seu site sofreu tentativas de ciberpiratas, operadas por empresários afetados pelas reportagens. “Mas nosso maior medo é ir para a cadeia. E por isso acabamos fazendo autocensura.”

Para enfrentar a censura do Estado, Batiz faz parcerias com outros veículos e com jornalistas estrangeiros. “Os jornalistas colaboram com a gente para complementar a renda. É um sistema mais flexível.”

Respondendo a perguntas do público, Cesar Batiz comentou sobre o futuro da Venezuela, ainda incerto. A oposição política e outros setores da sociedade civil têm realizado consecutivos protestos pedindo a convocação de novas eleições para encurtar o mandato do presidente Nicolás Maduro, que vai até janeiro de 2019. Batiz fez críticas à gestão chavista, mas também à oposição, que, segundo ele, errou sistematicamente em momentos decisivos. “Nós sentimos, no entanto, que existe uma mudança em andamento. Antigamente, as pessoas tinham medo de falar com a imprensa. Hoje, as pessoas falam e dão seu nome.”