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Chá de folha de mamão não combate a dengue

Infectologistas consultados pelo Comprova afirmam que a planta não traz benefício clínico de aumento de plaquetas e também não previne eventuais complicações da dengue, como a hemorragia

| 29 mar 2024_09h23
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Circularam no TikTok e no Facebook dois vídeos publicados nas redes sociais que apresentam maneiras de tratar a dengue usando folha de mamão para aumentar os níveis de plaquetas e evitar um eventual quadro hemorrágico. A autora de um dos conteúdos investigados ensina a fazer um chá usando a folha de mamão sob o argumento de que a infusão a teria ajudado na recuperação da doença. No outro vídeo, um homem recomenda o extrato de mamão como uma maneira natural de combater a doença sem efeitos colaterais.

Não existem evidências científicas que comprovem que a folha do mamoeiro aumenta os níveis de plaquetas e evita complicações da dengue, como o quadro de hemorragia. De acordo com especialistas consultados pelo Comprova, o chá de folha de mamão ou o extrato de mamão, recomendados nos conteúdos investigados, não possuem ação direta ou indireta no aumento de plaquetas e não podem ser considerados uma forma de tratamento no combate aos efeitos da dengue.

Os autores dos vídeos afirmam que a folha do mamão teria propriedades medicinais no tratamento da dengue. Em uma das gravações, uma jovem diz ter tido a doença e afirma que o chá de folha de mamão aumentou suas plaquetas. No outro conteúdo investigado, um homem, que nas redes sociais se apresenta como biólogo e especialista em plantas medicinais, recomenda usar extrato de mamão para combater a dengue de maneira natural. Também segundo ele, a folha aumentaria os níveis de plaquetas e evitaria o quadro de hemorragia.

De acordo com o infectologista Alexandre Naime Barbosa, que é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o consumo de chá de mamão, folha de mamão ou de suco de mamão não traz benefício clínico de aumento de plaquetas, seja na pessoa saudável ou no paciente com dengue. Na avaliação do especialista, alegações como essas desviam a atenção do que realmente importa, que é o diagnóstico precoce da doença e a busca por um serviço médico para fazer a hidratação adequada.

Conforme explicou a infectologista Marise Reis, professora associada e chefe do Departamento de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a queda de plaquetas é uma alteração esperada nos casos de dengue, mesmo nas formas mais brandas. Segundo Reis, os índices das plaquetas servem como parâmetro para avaliar se o caso tem gravidade ou não. “As plaquetas caem mesmo e elas são recuperadas posteriormente, de forma espontânea”, disse. Ela acrescentou que não há evidência ou estudo que comprove a relação entre o consumo do chá de folha de mamão e o aumento do nível de plaquetas. “Para controle da dengue, eu diria que não temos nenhuma evidência científica e eu não recomendo”, ressaltou.

página do Ministério da Saúde dedicada à dengue esclarece que ainda não existe tratamento específico para a doença e que a melhora do quadro requer reposição adequada de líquidos. A pasta orienta que, além da ingestão de líquidos, o paciente deve fazer repouso, não se automedicar, procurar imediatamente o serviço de urgência em caso de sangramentos ou surgimento de pelo menos um sinal de alarme e retornar para a reavaliação da situação clínica, de acordo com a orientação médica.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

O vídeo publicado no Tiktok acumula 261 mil visualizações, 16,3 mil curtidas e mais de 7 mil compartilhamentos até o dia 21 de fevereiro de 2024. O outro conteúdo investigado, publicado no Facebook, contava com 15 mil visualizações até a publicação desta checagem.

Ao Comprova, Alexandre Naime Barbosa, da SBI, explicou que não existem estudos clínicos com comprovação de que o chá de folha de mamão ou qualquer outro produto do mamão provoque o aumento de plaquetas no corpo humano. Segundo Barbosa, o que pode existir são estudos in vitro, ou seja, realizados em laboratório, mas que não atestam eficácia in vivo, ou seja, no organismo de uma pessoa. “Para a gente aprovar um tratamento como eficaz, ele precisa ter os famosos ‘estudos de fase três’. Isso significa usar a intervenção, nesse caso seria o chá de folha de mamão, em um grupo de pessoas e, no outro grupo, usar o placebo”, disse.

De acordo com o infectologista, o chá de folha de mamão só poderia ser considerado eficaz se no grupo em que ele foi utilizado ocorresse o aumento real de plaquetas, o que, segundo ele, não existe na medicina. “Por mais que vá citar um estudo A ou B feito em laboratório, em tubo de ensaio, não há comprovação clínica, então não funciona”, pontuou.

No vídeo gravado pelo homem que se identifica como biólogo e especialista em plantas medicinais, há a afirmação de que a folha do mamão evitaria um quadro hemorrágico, o que não é verdade segundo a infectologista Eliana Bicudo, da SBI. Segundo Bicudo, não existe nenhum trabalho científico que evidencie resposta terapêutica da folha do mamão ao tratamento da dengue. A especialista destaca que a orientação médica para pessoas diagnosticadas ou com suspeita de dengue é a hidratação. “A gente sugere que o paciente tome, em 24 horas, 80 ml de líquido por quilo de peso corporal”, disse.

O especialista em arboviroses Kleber Giovanni Luz, infectologista da UFRN e consultor da Organização Mundial da Saúde, salienta que a folha do mamão não possui absolutamente nenhum efeito no tratamento da dengue. Segundo ele, o consumo do chá pode até levar a uma inflamação no fígado. “A gente não deve usar esses produtos naturais – apenas os chás – com sentido de hidratar a pessoa. O ideal é o soro de reidratação oral e água”.

Os autores dos vídeos verificados aqui apresentam a folha do mamão como uma solução para aumentar as plaquetas – elementos do sangue que atuam na coagulação. De acordo com a médica infectologista Marise Reis, da UFRN, a queda de plaquetas está entre as alterações características da dengue.

“A queda de plaquetas é um parâmetro que a gente monitora para avaliar se a doença tem gravidade ou não”, esclarece Reis. A infectologista Eliana Bicudo, da SBI, também explicou que a doença inflamatória causada pelo vírus da dengue consome plaquetas na corrente sanguínea, por isso os níveis caem. “A partir do momento em que o vírus vai morrendo porque os anticorpos vão matando o vírus, ele vai diminuindo essa reação inflamatória e deixa de consumir plaquetas”, detalhou Bicudo.

Em um dos vídeos verificados, a autora diz ter tido dengue e afirma que o chá da folha do mamão foi responsável por aumentar as plaquetas dela. Segundo Eliana, não foi o chá da planta que fez a autora do vídeo melhorar, mas sim a evolução natural da doença com o passar do tempo. “Não é um chá especificamente o motivo da melhora dela. Os anticorpos dela é que começaram a combater o vírus. Com isso, ocorre uma menor destruição das plaquetas.”

 

De acordo com o Ministério da Saúde, a dengue é uma doença febril aguda, sistêmica, dinâmica, debilitante e autolimitada. Na página com informações sobre a doença, a pasta informa que a maioria dos doentes se recuperam, porém, parte deles pode progredir para formas graves, inclusive virem a óbito. “A quase totalidade dos óbitos por dengue é evitável e depende, na maioria das vezes, da qualidade da assistência prestada e da organização da rede de serviços de saúde”, explica a pasta.

Embora não exista um tratamento específico contra a doença, infectologistas consultados pelo Comprova destacaram a importância de pacientes com dengue se hidratarem. De acordo com Eliana Bicudo, a doença desidrata rapidamente pela febre, pelos vômitos e pela diarreia. Assim, os pacientes devem ingerir bastante líquido para evitar o agravamento do quadro. A infectologista comentou também que o volume de líquido pode ser limitante para alguns pacientes, o que pode gerar necessidade de hidratação venosa.

Segundo o infectologista Alexandre Naime Barbosa, os pacientes devem procurar o serviço médico logo nos primeiros dias e fazer hidratação de acordo com a fase da dengue em que ele se encontra. Barbosa também chamou atenção para as complicações da dengue e explicou que o termo “dengue hemorrágica” caiu em desuso. Segundo ele, a dengue grave, como é chamada, pode acontecer mesmo sem hemorragia. “A gente tem óbito por dengue sem sangramento, é por isso que a gente evita usar o termo dengue hemorrágica”, informou.

Conforme o Ministério da Saúde, quem apresentar febre de 39° a 40° graus de início repentino e pelo menos duas das seguintes manifestações – dor de cabeça, prostração, dores musculares e/ou articulares e dor atrás dos olhos – deve procurar imediatamente o serviço de saúde. A pasta orienta que os pacientes fiquem atentos após o período febril. “Com o declínio da febre (entre 3° e o 7° dia do início da doença), sinais de alarme podem estar presentes e marcar o início da piora no indivíduo. Esses sinais indicam o extravasamento de plasma dos vasos sanguíneos e/ou hemorragias.”

Os sintomas que caracterizam os sinais de alarme são: dor abdominal intensa e contínua; vômitos persistentes; acúmulo de líquidos em cavidades corporais (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico); hipotensão postural e/ou lipotímia; letargia e/ou irritabilidade; aumento do tamanho do fígado (hepatomegalia) > 2cm; sangramento de mucosa e aumento progressivo do hematócrito.

Procurados, os autores dos vídeos que divulgam supostas propriedades da folha do mamão no tratamento da dengue não responderam à tentativa de contato.

É comum que, em momentos de crise sanitária, as pessoas sejam incentivadas a tomar decisões prejudiciais à saúde individual ou coletiva, como seguir tratamentos não comprovados. Desconfie de publicações que não tragam link para a fonte dos estudos citados ou adotem tom alarmista. Na dúvida, procure as autoridades da área, como a OMS e o Ministério da Saúde, além de dados na imprensa profissional para obter informações confiáveis.

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

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