Criar narrativas ficcionais a partir da trajetória de figurões da história da ciência é um método recorrente do escritor chileno Benjamín Labatut, de 43 anos. Ele já tinha lançado mão do recurso em Quando deixamos de entender o mundo, de 2020, lançado no Brasil pela Todavia em 2022. Ali, pôs em cena Werner Heisenberg, Erwin Schrödinger e outros pesquisadores em relatos que exploravam e entrelaçavam não só suas realizações científicas, mas também suas contradições e fantasmas interiores. Em Maniac, que saiu em novembro de 2023 pela mesma editora, Labatut adotou com sucesso a mesma receita, agora numa narrativa de maior fôlego.
Desta vez, a história gira em torno de John von Neumann, matemático húngaro que se naturalizou americano depois de sair da Europa no período entreguerras. Von Neumann deu contribuições fundamentais para o desenvolvimento dos computadores e da inteligência artificial, para a teoria dos jogos, adotada por várias disciplinas, para a mecânica quântica e vários outros campos. Participou ainda do desenvolvimento da bomba de hidrogênio pelos Estados Unidos no Projeto Manhattan – Maniac é o acrônimo em inglês para “Analisador matemático, integrador numérico e computador”, uma máquina que von Neumann ajudou a construir e que foi usada nos cálculos por trás da bomba H.
Em Maniac, Labatut recorre a uma estratégia narrativa engenhosa que lhe permite retratar o protagonista nas muitas dimensões de sua vida pessoal e profissional. Cada capítulo é narrado por um personagem – real – diferente, sempre alguém próximo de von Neumann: seus colegas, professores e subordinados, o melhor amigo, a filha, as duas esposas. O conjunto oferece um retrato cubista que realça a complexidade do personagem: o von Neumann que se depreende desse caleidoscópio de relatos é tanto um matemático brilhante de talento incomparável quanto um pai ausente, um marido desleixado ou um cientista por vezes inescrupuloso.
Como já fizera em Quando deixamos de entender o mundo, o escritor chileno usa as tormentas do protagonista para lançar reflexões provocadoras sobre a ciência e suas implicações. O von Neumann de Labatut é uma figura assombrada por dúvidas sobre os limites da matemática para descrever a realidade, a possibilidade de se modelar a motivação humana, e a replicação de entidades biológicas.
Em 2016, uma inteligência artificial desenvolvida por um prodígio da ciência da computação obcecado com o trabalho de von Neumann derrotou Lee Sedol, um dos maiores jogadores contemporâneos de go – um jogo de tabuleiro milenar criado na China que é mais complexo que o xadrez em vários aspectos. O episódio é matéria-prima para a parte final do livro, ambientada seis décadas após a morte de von Neumann. O livro termina com um relato instigante que discute a capacidade de as máquinas emularem a criatividade humana. Romance que prende o leitor ao longo de 354 páginas, Maniac reforça o lugar de Benjamín Labatut entre os grandes da ficção latino-americana contemporânea.
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