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Consumidores de engenhocas – saúde em perigo

Três componentes são considerados essenciais, atualmente, para levar um projeto a ser produzido e lançado. O título precisa ser conhecido de antemão (ter preawarness), ser vendável no mercado externo e poder gerar uma franquia e/ou um segundo, terceiro, quarto etc. filme.

| 29 jul 2013_11h06
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“O negócio dos estúdios é carnaval de marcas. O trabalho deles é oferecer passeios em parques de diversões. Somos comerciantes. Se podemos fazer passeios de 640 bilhões de dólares, por que iríamos querer fazer passeios de 240 bilhões? É um comércio. Engenhocas.”

Quem pergunta e se apressa em responder é o guru Kevin Goetz, pesquisador de mercado lendário, especializado em cinema, responsável por sondagens de opinião de mais de 1500 filmes.

Lynda Obst sempre soube que trabalhava no comércio. Mas nunca lhe ocorrera que seu ramo eram parques de diversões, muito menos “engenhocas”.

Obst produziu vários filmes desde 1987, inclusive grandes sucessos comerciais, como (Sleepless in Seattle), de 1993, e Nova York sitiada (The Siege), de 1998. No seu recém publicado Sleepless in HollywoodTales from the New Abnormal in the Movie Business (Insone em Hollywood – Histórias do novo anormal na indústria cinematográfica, sem edição em português), o desprezo de Goetz por lucro de 240 milhões de dólares a chocou e pareceu “muito problemático”.

Três componentes são considerados essenciais, atualmente, para levar um projeto a ser produzido e lançado. O título precisa ser conhecido de antemão (ter preawarness), ser vendável no mercado externo e poder gerar uma franquia e/ou um segundo, terceiro, quarto etc. filme.

O que está em jogo, segundo Obst, é o fato de, possivelmente,  “uma indústria que por mais de meio século cuidou de uma forma de arte nativa estar abandonando qualquer responsabilidade por essa forma de arte.” Para ela, em Hollywood “filmes são agora uma espécie em extinção”. Fazer um filme por que é bom está ultrapassado, Obst ouviu do seu próprio filho.

O produtor Peter Chernin diz a Obst que a redução da margem de lucro provocada pela queda da venda de DVDs, acentuada a partir de 2008, tornou o mercado internacional crucial para a indústria americana, tendo passado a influir na escolha do elenco e dos filmes a serem produzidos pelos estúdios. Noventa e cinco por cento do público mundial está fora dos Estados Unidos. “Cada vez mais tempo é dedicado a saber como envolvermos esses espectadores, como garantirmos que nosso produto viaje”, diz Jim Gianopulos, executivo chefe da Fox Filmed Entertainment, subsidiária da 21st Century Fox.

Em resumo, esse é o perfil visto de dentro da indústria dominante em escala global. Ao Brasil, cabe o papel secundário de consumidor das engenhocas que os estúdios produzem e com as quais ocupam nosso mercado. Acolhemos, de braços abertos, os parques de diversões fabricados por Hollywood. Estamos longe de ter a importância da China, mas damos nossa contribuição para os quase 60% da renda que os filmes americanos obtém no mercado externo. É esse o lugar que nos convém? O de consumidores de engenhoca?

Obst reconhece que muitos países “querem que uma parte maior dos seus próprios filmes sejam lançados localmente”. Ela não cita o Brasil ao lado da Índia, Australia, Inglaterra, Japão, Coreia, França, Hong Kong, México, Rússia e Espanha, que têm “agitadas comunidades cinematográficas históricas que impõem severas restrições à importação” de filmes. Pudera. Abandonamos esse projeto há décadas em nome de princípios liberais que vêm causando a ruína do nosso cinema, sob aplausos da burocracia do setor e de parte da imprensa. E não parece faltar entre nós quem se orgulhe das nossas próprias engenhocas.

As perspectivas da indústria americanas, traçadas por Lynda Obst, ainda assim são otimistas. Ela acredita que “novos modelos sempre evoluem” para substituir “velhas estruturas e modelos que foram destruídos”. A nova fase que está emergindo seria a dos “lançamentosrestritos” (“narrowcasting”) que têm público alvo específico, mas podem alcançar plateia mais ampla se são bem recebidos quando lançados em âmbito limitado. Graças à distribuição online, segundo Obst, “um filme pode ser descoberto por qualquer um, em qualquer lugar.” Com menos filmes, os melhores também acabarão chegando às telas dos shopping-centers. Os provedores de conteúdo, que são antigos produtores, e seus servidores serão as novas estrelas da mídia. “Para o público, os escritores e os produtores, haverá muito mais alternativas para ver, escrever e produzir” do que quando o modelo atualmente dominante começou a resistir a novas ideias.”

Steven Speilberg prevê panorama um pouco diferente. Em um debate na University of Southern California, em meados de junho, afirmou que“haverá uma implosão na qual três ou quatro ou talvez até meia dúzia desses filmes de mega-orçamento irão se espatifar no chão e isso mudará de novo o paradigma”.

Wishfull thinking ou não, ao cinema brasileiro cabe definir seu próprio lugar nesse modelo em mutação.

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