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    O bloco L da superquadra norte 402 em Brasília, está desativado desde 2017 devido a trincas nas vigas e lajes. Foto: Marcos Amorozo.

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Disfuncionais e pagos pelo contribuinte

Câmara mantém vazios e sem reforma dois edifícios com apartamentos funcionais em Brasília

Marcos Amorozo | 25 maio 2021_16h47
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Dois prédios com um total de 48 apartamentos funcionais estão praticamente às moscas em Brasília, a menos de 5 km do Congresso Nacional. Erguidos em 1973 e localizados num dos pontos mais caros do país, a Superquadra Norte 202 (SQN 202), os edifícios têm seis andares, cada um com quatro unidades de 235 m². Os imóveis, que se destinam a deputados federais, possuem seis dormitórios, sendo dois deles na área de serviço, e uma vaga de garagem. Há ainda closet, quatro banheiros, cozinha e uma sala muito ampla, cuja parede maior se estende por 11 metros e é inteiramente envidraçada. Em agosto de 2019, um laudo da Câmara estimou que os apartamentos valiam 1,6 milhão de reais. Hoje apenas funcionários da segurança, limpeza e jardinagem, todos pagos pelo Estado, frequentam os prédios.

Uma das construções se encontra desativada desde 2017. Em 2018, o governo do Distrito Federal avisou à Câmara que as 24 unidades do edifício não podiam mais ser ocupadas devido à presença de trincas nas vigas que sustentam as lajes, além de deformações estruturais no subsolo. Os apartamentos permanecem trancados, mas não é necessário entrar neles para constatar o grau de deterioração. Da calçada, vê-se que as persianas e as cortinas de tecido deixadas para trás estão manchadas ou rasgadas. As esquadrias das janelas exibem ferrugem e alguns vidros se quebraram ou foram substituídos por placas de madeiras. Quem caminha pelas imediações precisa tomar cuidado, pois há o risco de as pastilhas que revestem o prédio despencarem.

Sem manutenção, as janelas permanecem quebradas e enferrujadas. Foto: Marcos Amorozo


A trinta passos dali, a segunda construção abandonada apresenta fissuras nas paredes e infiltrações. Conforme os funcionários, o ex-presidente da República, Michel Temer (MDB), morou no edifício quando ainda exercia mandatos parlamentares. 

A Câmara informa que gastou, até o momento, 1,7 milhão de reais com os dois prédios fechados. As despesas mensais abrangem os serviços de portaria, limpeza e vigilância (29,4 mil reais), o consumo de energia elétrica (11 mil reais) e o de água (3 mil reais). 

Alguns vigias dizem ouvir sons assustadores vindos das edificações. “É barulho de cadeira arrastando, de porta batendo, de pessoas conversando. Eu nunca escutei nada, mas não duvido que escutem”, afirma uma funcionária, que prefere não se identificar por temer represálias dos chefes. Ela trabalha como segurança dos prédios funcionais da Câmara há catorze anos e confessa recear menos os fantasmas e mais os problemas concretos dos imóveis. “Aqueles dois edifícios são muito grandes. Como estão largados, dá um pouco de medo que caiam. O pessoal da engenharia garante que não vão desmoronar. Mesmo assim, a gente desconfia.”

Também na SQN 202, há outros dois prédios com o mesmo número de unidades funcionais. São igualmente dos anos 1970, mas se encontram em bom estado e continuam abrigando parlamentares.

 O Painel do Orçamento Federal mostra que a verba destinada pela Câmara à reforma de seus 432 apartamentos funcionais em Brasília é historicamente baixa. Em 2017, a Casa havia separado 10 milhões de reais para reparos nesses imóveis, mas não gastou nada. Em 2018, usou só 366 reais dos 16 milhões previstos e, em 2019, desembolsou 3,1 milhões de reais dos 15 milhões reservados. Para 2020, designou 21 milhões de reais e não mexeu em nem um centavo. O valor se repete no orçamento deste ano. Até agora, porém, não existem obras à vista.

Isso significa que a Câmara vem disponibilizando, em média, 16,6 milhões de reais por ano para reformas. Se tivesse empregado uma parcela maior do dinheiro, é possível que os edifícios vazios da SQN 202 já estivessem ocupados. O poder público economizaria, assim, uma parte dos gastos com o auxílio-moradia oferecido aos deputados que não vivem em imóveis funcionais. Cada um dos 128 parlamentares contemplados atualmente pelo benefício recebem até 4.253 reais por mês. Desde 2017, a Casa destina uma média de 10 milhões do orçamento anual para o auxílio-moradia. Em 2020, no entanto, a despesa com a regalia somou 6,7 milhões de reais.

Fitas zebradas isolam o entorno do prédio para que as pastilhas soltas da fachada causem acidentes. Foto: Marcos Amorozo.

 

Os 432 apartamentos funcionais da Câmara se espalham por quatro superquadras do Plano Piloto: duas na Asa Sul e duas na Asa Norte. A proximidade dos prédios em cada asa acaba criando uma espécie de vila para os deputados, que podem se visitar facilmente. Hoje, 361 ou 83,5% dessas unidades estão habitadas. Até meados da década de 1990, a taxa de ocupação dos edifícios funcionais sempre se manteve acima de 80%. De 2000 em diante, à medida que as construções envelheciam, os índices de ocupação iam ficando abaixo dos 70%, chegando a 50% em 2006. Nessa época, ocorreu a última grande reforma, que renovou nove prédios da SQN 302. Em razão disso, a ocupação voltou a subir.

A assessoria de imprensa da Câmara não explica por que os edifícios vazios da SQN 202 ainda não foram restaurados. Diz somente que a Mesa Diretora está debatendo a pertinência das obras e que não há nenhuma previsão para o início delas. Uma eventual reforma deverá subdividir as 48 unidades originais, que seriam transformadas em 96. Segundo o Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, ligado ao Ministério da Economia, toda a verba que a Câmara destinou à restauração de imóveis funcionais a partir de 2017 e não utilizou retornou para os cofres públicos.

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