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    Ilustração: Carvall

questões de mídia & política

Do crime de ódio ao ódio nas redes

Diante de comoção após assassinato de petista, oposição ganha força nas redes; bolsonaristas orquestram reação coordenada para desacreditar a vítima e a mídia

Pedro Bruzzi e Leonardo Barchini | 14 jul 2022_14h49
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Eram 8 horas de domingo (10) quando o Portal da Cidade, de Foz do Iguaçu, publicou que o guarda municipal Marcelo Arruda fora morto a tiros na comemoração de seus 50 anos (Portal da Cidade: Guarda Municipal Marcelo Arruda é morto a tiros na comemoração de seus 50 anos; 1446 interações no Facebook). O assunto rapidamente ganhou as redes, no cluster de oposição.

A primeira postagem a alcançar grande alcance no Twitter, do Professor Julio Sosa (@profsosa13 – 27,8 mil seguidores), reproduzia a matéria do Portal da Cidade e obteve mais de 56 mil interações. O assunto se espalhou quase que de forma instantânea, revoltando o agrupamento petista. Comentários beiravam a incredulidade diante do absurdo dos fatos: a invasão de uma festa temática de um militante petista por um agente penal federal bolsonarista, sem motivo algum, aos gritos de “mito”. O volume de menções sobre o tema cresceu rapidamente, alcançando 320 mil publicações ao fim do dia. 

Nas redes, o bolsonarismo ainda explorava a declaração de Lula no sábado (09) pela manhã em um ato em Diadema, em que agradeceu ao ex-vereador Maninho: “E aqui tem um companheiro, o companheiro Maninho, que foi presidente do PT, foi vereador do PT, foi candidato a prefeito pelo PT, esse companheiro que por me defender ficou preso sete meses porque resolveu não permitir que um cara ficasse me xingando na porta do Instituto. Então, Maninho, eu quero em teu nome agradecer toda a solidariedade do povo de Diadema.” 

Durante todo esse dia (09) várias postagens com alcance considerável, de apoiadores do governo e de usuários que se consideram “neutros” ou “isentos” e se dizem contra a “polarização” política vigente, criticaram o fato de Lula “defender um criminoso mais uma vez”. Já haviam, nos dias anteriores, explorado o episódio em que o ex-presidente afirmou que “ajudou” os sequestradores de Abílio Diniz. 

Outro assunto muito explorado nas redes por apoiadores do governo vinha sendo a diminuição do preço da gasolina, com postagens do próprio presidente sobre o tema celebrando a sua “entrega”.

Mas tudo isso veio abaixo com o caso de Marcelo Arruda. O grafo abaixo mostra que, após um dia inteiro de debates acalorados no domingo (10), houve uma vitória considerável da oposição nas redes, basicamente condenando Bolsonaro por incitação à violência, que marcou não só a campanha de 2018 (“Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”), mas também seu mandato até aqui (“Agora tá todo mundo reunido ao lado do ‘nine’ [referência a Lula] para organizar a campanha dos caras, pô. A vantagem que a gente tá vendo nisso tudo é que tudo que não presta tá se juntando”, disse Bolsonaro em maio de 2022, e completou: “Igual, Paulo Guedes, em 2018, quando juntou aquele montão de candidatos, e eu falei: ‘É bom que um tiro só mata todo mundo ou uma granadinha só mata todo mundo'” .

Grafo de menções sobre o assassinato de Marcelo Arruda em 10 de julho de 2022

Opositores do governo, sobretudo perfis de esquerda, deram grande tração ao assunto (em vermelho no grafo, somando 80,7% das menções). Além de lamentar o ocorrido, o agrupamento apontou a relação entre o bolsonarismo e a violência, bem como o perigo das armas de fogo, cuja proliferação vem sendo estimulada por Bolsonaro. Nesse cluster, perfis de fora da política se posicionaram, evidenciando o grande alcance do assunto e a associação consolidada entre o presidente, seus apoiadores e atos de violência.

Perfis de bolsonaristas, por outro lado, representaram 16,1% (azul) do total. Capitaneados pelo próprio Bolsonaro, tentaram reduzir a crise e relembraram episódios de violência envolvendo pessoas ligadas à esquerda.

Por fim, em verde (3,2%), um agrupamento se formou em torno de perfis contra Lula e Bolsonaro. Também lamentaram o episódio e afirmaram que o crime é resultado da polarização fomentada pelos dois líderes das pesquisas. Contudo, o argumento não teve grande adesão, ficando restrito a nomes costumeiros deste grupo, como Ciro Gomes, Kim Kataguiri e Eduardo Jorge.

Diante do cenário desfavorável, Bolsonaro fez várias tentativas de se livrar da pecha de que incita a violência. Primeiro, ao repudiar o assassino de Marcelo, dispensando seu apoio, tentou jogar para a esquerda a fama de promover a violência.

Depois, no dia seguinte, falou para seus apoiadores, no tradicional cercadinho, que “não tinha nada com isso” e disse que estranhava o fato de o assassino do petista em Foz ser chamado constantemente de bolsonarista e, ao mesmo tempo, não ter visto a imprensa chamar Adélio (autor da facada contra ele em 2018) de “psolista”.

“Vocês viram o que aconteceu ontem [no sábado], né? Uma briga de duas pessoas, lá em Foz do Iguaçu. Bolsonarista não sei o que lá. Agora, ninguém fala que o Adelio é filiado ao Psol, né?” (CNN Brasil: A apoiadores, Bolsonaro não condena homicídio em Foz e fala em “briga de duas pessoas” – 975 interações no Facebook ).

Também na segunda-feira, uma nova versão sobre o crime começou a circular, após a publicação do vídeo que supostamente mostraria Marcelo Arruda lançando pedras no carro do assassino, e convidados chutando o bolsonarista no chão.

O teor do vídeo foi desmentido pelo veículo de checagem Aos Fatos aqui (208 interações no Twitter). Mas agências de checagem também são inimigas de Bolsonaro, segundo seus seguidores.

A partir daí, viu-se uma reação do agrupamento bolsonarista no debate sobre o tema. A oposição permaneceu majoritária, mas agora com 65,8% dos perfis (em vermelho). Lamentou o ocorrido e responsabilizou Bolsonaro, mesmo que indiretamente, além de dar tração às reações insensíveis do presidente. 

Os “nem nem” mantiveram-se argumentando contra a polarização, mas esse tipo de retórica teve pouca adesão.

Já os bolsonaristas passaram a ocupar mais espaço no debate, registrando 32,5% dos perfis (azul). Reforçaram a teoria de que foi uma briga sem relação com questões políticas e também levantaram dúvidas sobre a versão apresentada pela imprensa.

Grafo de menções sobre o assassinato de Marcelo Arruda em 11 de julho de 2022

Finalmente, na terça-feira, o presidente fez contato com os familiares, e a versão governista se espalhou: o assassino estava fazendo uma ronda num clube do qual é membro da diretoria, foi provocado pelos petistas e revidou. Ainda, para reafirmar que não há violência política, as redes bolsonaristas têm enfatizado que os irmãos da vítima apoiam Bolsonaro. Como resultado, o agrupamento bolsonarista aumentou um pouco ainda, alcançando 34,9% dos perfis (azul). A oposição manteve-se em maior número (em vermelho, 63,4%), e os que se opõem aos dois somaram 1,7% (verde).

Grafo de menções sobre o assassinato de Marcelo Arruda em 12 de julho de 2022

A pauta sobre o crime de Foz do Iguaçu ainda fervilha. Novas informações e teorias ainda serão publicadas nos próximos dias. Mas o que aconteceu com o caso não é novidade na forma como Bolsonaro e seu agrupamento agiram nas redes sociais online ao longo de seu mandato. Uma reação sempre bem coordenada, apostando numa certa confusão, invocando inimigos (às vezes imaginários), desacreditando a imprensa, com muita desinformação e teorias da conspiração. 

Desde o início do governo até o começo da pandemia, o agrupamento bolsonarista era mais numeroso (os debates nas redes eram usualmente “vencidos” por Bolsonaro) e eclético (os lava-jatistas, que recentemente declararam voto em Bolsonaro novamente, participavam mais ativamente). O que se vê hoje é que todo esse método de operação, se não consegue arrebatar mais um cluster tão grande, tem alguma eficácia ao conseguir manter coesos os apoiadores mais fiéis do presidente. São eles que dão sustentação para sua competitividade no próximo pleito presidencial, independentemente do tema a ser discutido e da verdade dos acontecimentos.

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