Dor fantasma é o nome que se dá à sensação de que um membro amputado continua presente e sensível. Na obra de Rafael Gallo, publicada pela Biblioteca Azul, acompanhamos a fantasmagoria que estrutura a vida do músico Rômulo Castelo, obcecado por apresentar na Europa a peça Rondeau Fantastique, do compositor e pianista austríaco Franz Liszt.
Confiante de que sua tarefa é única – ninguém nunca teria executado o Rondeau como o mestre Liszt o concebera –, Rômulo Castelo vai criando fantasmas ao seu redor: o casamento falido, a indiferença em relação ao filho deficiente, o pai internado num asilo. Tudo é menor e menos importante diante do gigantismo de sua missão. Entretanto, depois de um trágico acidente, a fantasmagoria é invertida: o que era sublimado na vida do músico evanesce, dando lugar à manifestação dolorosa das ausências que ele fizera questão de construir para pavimentar seu projeto, “imensa soma de vésperas”, ideal fantasma. “O grande trunfo na vida dele, Rômulo Castelo – um dos maiores intérpretes de Liszt, prestes a ser o maior –, perdeu-se, deixou de ser música.”
A escrita de Gallo, vencedor do prémio literário José Saramago, é de uma simplicidade que contrasta com a complexidade do célebre autor português a quem o prêmio homenageia. Mas a simplicidade de Gallo serve a um romance denso, contado em três atos. Dor fantasma nos obriga a manter os olhos abertos diante da exposição da pequenez humana frente ao incomensurável e, pior, da dificuldade em se conformar com isso.
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