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    Wesley Batista, da JBS, depôs para a PF. Seu irmão e sócio Joesley e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, procurados, alegaram estar no exterior. FOTO: DANILO VERPA_FOLHAPRESS

questões brasileiras

É tudo deles

Como o BNDES ajudou a bombar a JBS, que detém o monopólio da carne no país e caiu na malha da Justiça

Consuelo Dieguez | 15 maio 2017_15h55
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Desde que começou a crescer vertiginosamente com a ajuda camarada do BNDES, o frigorífico JBS virou alvo de desconfiança do mercado por sua extrema dependência de financiamento estatal. A operação policial Bullish, deflagrada na última sexta-feira, pode ter sido a pá de cal de uma história que levou, segundo a Polícia Federal, a prejuízos de R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos. Joesley Batista, um dos donos da JBS, e Luciano Coutinho, ex-presidente do banco durante os anos em que a empresa conseguiu quase todos os empréstimos – em contratos na maioria das vezes sob sigilo –, foram procurados para serem conduzidos a depor, mas declararam estar no exterior. Nenhum dos dois se apresentou à Justiça até o momento.

O resultado dessa política de mimos a poucos agraciados, segundo fontes do mercado, foi uma enorme e danosa concentração de poder no setor de carne brasileiro. Hoje, 50% do mercado está nas mãos de três frigoríficos: JBS, Marfrig e Fricol. A JBS é dona, sozinha, de 70% dos frigoríficos do Mato Grosso, o que virou motivo de reclamação dos produtores rurais. O estado possui dez municípios na lista dos 40 maiores produtores de gado do Brasil. Por ser praticamente o único comprador da região, a JBS dita os preços da arroba do boi no estado. Lá, os preços giram em torno de 120 reais, contra 138 no estado de São Paulo. “Essa concentração não afeta apenas os produtores, mas também o varejo”, disse-me um representante de um sindicato de frigoríficos. “Eles têm o poder de ditar os preços de compra e de venda de carne no varejo.”

A concentração de mercado nas mãos da JBS é tamanha que a Comissão de Valores Mobiliários baixou uma norma impedindo que o frigorífico faça novas aquisições no Brasil por ter ultrapassado o limite permitido pelas leis do mercado mobiliário. Em razão disso, o grupo mantém dois frigoríficos fechados no Paraná, de reserva, para quando for autorizado a operá-los.

Sempre pesaram sobre o grupo suspeitas de que seria favorecido pelos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, por meio dos empréstimos vultosos do banco estatal. Todas as operações de compra de frigoríficos no Brasil ou no exterior efetuadas pelas JBS, e patrocinadas com recursos do BNDES, foram criticadas. Afinal, por que um banco público se dispunha a colocar tanto dinheiro e, até mesmo, a entrar como sócio em uma empresa privada produtora de carne, com pouco impacto no desenvolvimento da indústria nacional?

A partir de 2005, o banco passou a injetar dinheiro na empresa num volume que chegou a 10,63 bilhões de reais. Essas operações estão sendo questionadas pelo Tribunal de Contas da União, o TCU, que pediu ajuda da Polícia Federal para desvendar se houve irregularidades na concessão desses empréstimos. Foi o que justificou a operação Bullish, que incluiu buscas nas empresas do grupo e na casa do ex-presidente do banco, Luciano Coutinho, que autorizou os empréstimos. O irmão e sócio de Joesley Batista na companhia,  Wesley Batista, disse em nota que prestou à polícia “todos os esclarecimentos, reiterando a regularidade dos investimentos realizados na companhia pelo BNDESPar”.

A JBS é hoje a maior empresa de carnes do planeta, com operações em cinco continentes. O grupo tem mais de 230 mil funcionários ao redor do mundo e o seu faturamento gira em torno de 170 bilhões de reais. Esse crescimento somente se viabilizou, no entanto, com a forte ajuda do banco. Enquanto a empresa conquistava mercados, as queixas de outros empresários do setor se avolumavam: ao privilegiar a JBS, o BNDES deixou de lado os pequenos e médios frigoríficos. Com a crise internacional de 2008, muitos deles perderam mercado, se enfraqueceram e ficaram mal das pernas. A JBS, fortalecida com o forte aporte de recursos do banco, comprou boa parte deles.

“O banco bateu com a porta na cara dos pequenos e médios enquanto encheu a JBS de dinheiro”, disse-me um representante do setor. “Nós protestamos com Luciano Coutinho, então presidente do banco, mas ele nunca nos atendeu.” Por causa dessa grande participação do banco na empresa, o setor apelidou a JBS de JBNDES.

O professor Sérgio Lazzarini, do Insper, em São Paulo, é autor do livro Reinventando o Capitalismo de Estado, lançado em 2015. Pedi que analisasse o caso da JBS. Lazzarini me disse não encontrar qualquer motivação técnica que justifique a derrama de dinheiro do banco na JBS. “Para que precisávamos colocar tanto dinheiro público para internacionalizar uma empresa de carne?”, ele questiona. Segundo ele, por se tratar de uma empresa de commodities, com baixo emprego de tecnologia, o seu impacto no desenvolvimento industrial do país é quase zero. Se a ideia era copiar o modelo da industrialização coreana, como defendeu Luciano Coutinho ao explicar a política do banco de criar “campeões nacionais”, Lazzarini disse que os investimentos corretos deveriam ter sido feitos em setores com capacidade para ganharem competitividade internacional. “A estratégia aqui foi errada.”

De acordo com o professor, na Coreia houve um incentivo às empresas para que elas diversificassem a produção. Assim, companhias têxteis evoluíram, primeiro, para o setor químico e, em seguida, para o eletrônico, agregando alta tecnologia. No Brasil, o Estado apostou em um frigorífico, um dos mais básicos setores industriais – e sequer investiu em biotecnologia animal. “Os recursos do banco teriam tido um impacto social muito maior se tivessem sido empregados em educação e saúde”, disse.

A operação que levou o TCU a pedir ajuda da Polícia Federal foi a compra da americana Swift, pela JBS, em 2007. O negócio foi viabilizado pela entrada da participação do BNDES na companhia, por meio da aquisição de ações no valor de 1,14 bilhão de reais. Ou seja, o banco se tornou sócio da JBS numa empresa nos Estados Unidos, cujo impacto na geração de empregos ou de aumento de exportações no Brasil foi nenhum. De acordo com o TCU, a operação é cercada de suspeitas.

Uma delas é o fato de o banco ter colocado dinheiro para cobrir as dívidas da Swift. Outra: o prazo recorde de aprovação do desembolso. A média de prazo da área técnica do banco para esse tipo de operação é de 116 dias. No caso da JBS, o negócio foi concluído em 22 dias. Um prazo, de acordo com o TCU, incompatível com as regras da instituição. O TCU já visualiza a devolução de quase 70 milhões da JBS ao erário, que teria sido o prejuízo do banco com essa operação.

Para o mercado, a justificativa do banco de que a JBS tornou-se uma empresa lucrativa e que, portanto, o BNDES se beneficiou por ter uma participação acionária no negócio, não se sustenta. Ainda que o grupo tenha um faturamento alto, o seu lucro nunca foi espetacular. Mesmo assim, a JBS foi a maior doadora de campanha para todos os partidos em 2014. Embora seu lucro naquele ano tenha sido de 2 bilhões de reais, ela liberou mais de 391 milhões para as campanhas de políticos. PT e PMDB foram os que mais se beneficiaram com as doações.

O investimento do BNDES encontrou ainda outra barreira: o momento não está nada bom para o mercado de carne doméstico. As denúncias de que frigoríficos estariam vendendo carne podre e comprando fiscais do ministério da Agricultura levaram à deflagração da operação Carne Fraca, pela PF, há cerca de dois meses, na qual a JBS também esteve envolvida. Para piorar, com a queda do poder aquisitivo do brasileiro, a venda de carne despencou. Nos últimos dois anos, o consumo anual caiu de 40 quilos per capita para 28 quilos. Com isso, os frigoríficos correram para o mercado exportador. Mas ali a passagem é estreita. Atualmente, somente 20% da produção de carne brasileira é exportada. E, nessa área, a JBS também é imbatível, sufocando os demais competidores. Cortesia da mão generosa do BNDES.

Resposta do ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho à reportagem. Texto enviado em 16 de maio de 2017.

Fiquei surpreso com o tom adotado na reportagem publicada pelo site de Piauí ao tratar do relacionamento da JBS com o BNDES durante minha gestão. A começar pelo título (“É tudo deles”), o texto faz eco às acusações de favorecimento à empresa e não dá espaço ao contraponto. Acredito, então, ser necessário fornecer elementos que foram ignorados na análise e que são essenciais para uma visão justa da questão.

A verdade é que as condições oferecidas à JBS na concessão de crédito e nos investimentos feitos pela BNDESPAR na empresa obedeceram a todas as normas do Banco, sem nenhuma excepcionalidade. Posso dizer mais: ao ter tido a honra de conduzir por tantos anos o BNDES, o que pratiquei e testemunhei nesse período foi a oferta de condições iguais e justas a todos que procuraram o apoio da instituição. O Banco não atuou em nome do interesse de poucos, mas do conjunto da sociedade brasileira.

O texto chama de “suspeito” o banco ter “colocado dinheiro para cobrir dívidas da Swift”. O fato objetivo é que é usual que operações de apoio a aquisições realizadas em qualquer parte do mundo destinem recursos para o reforço da estrutura de capital de uma companhia, como ocorreu neste caso.

Outro ponto “suspeito”, o prazo de análise da operação de aquisição da Swift, está em linha com o de outras operações de renda variável realizadas pelo BNDES. Isso foi feito sem nenhum tipo de comprometimento ao rigor do processo e, diferentemente do que aponta a reportagem, está absolutamente dentro da regra. Finalmente, não houve prejuízo ao erário. Pelo contrário: os investimentos feitos pela BNDESPAR na empresa têm apresentado retorno positivo. Apenas com a venda de ações e recebimento de dividendos e prêmios, foram obtidos R$ 5 bilhões, e o BNDES ainda possui 20% do capital da empresa.

Não custa repetir: o relacionamento do BNDES com a empresa obedeceu aos mesmos critérios técnicos e impessoais aplicados a todos os clientes da instituição. As decisões relacionadas à JBS foram tomadas de forma colegiada, com a participação de dezenas de funcionários de carreira do BNDES, de maneira análoga ao que ocorre com todas as companhias que o procuram.
A percepção de que o setor de proteína animal representava uma oportunidade de expansão internacional para as empresas brasileiras foi explicitada publicamente na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), discutida com o setor empresarial e lançada pelo governo federal. O apoio do BNDES à esta cadeia produtiva seguiu essa orientação e estava disponível ao conjunto das empresas, independentemente de porte. O tratamento dado a todas foi isonômico. Eu recebi, repetidas vezes, representantes de associações de pequenos e médios produtores, e seus pleitos foram atendidos de acordo com a adequação às políticas do BNDES.

Também não há dúvida de que, como consequência do crescimento e da internacionalização das empresas brasileiras de proteína animal, houve benefícios econômicos e socioambientais relevantes. O abate informal, que ao final da década de 90 atingia 40%, hoje é pouco superior a 8%. A arrecadação de tributos cresceu significativamente. Os métodos de gestão e controle do rebanho por parte dos principais frigoríficos, que eram muito criticados, são hoje reconhecidos por entidades internacionais, especialmente no controle do rebanho na região da Amazônia.

Outro problema da reportagem é que ela afirma, sem base em evidências, que a ação do BNDES gerou uma concentração “enorme e danosa” para o mercado de carne. A conclusão baseia-se em “fontes do mercado” nem sequer identificadas. A concentração no mercado brasileiro é enorme sob que ponto de vista? O fato é que essa suposta concentração foi analisada pelo Cade. Em julgamento ocorrido em 17 de abril de 2013, o órgão analisou 13 atos de concentração envolvendo a JBS e concluiu pela não existência de danos à concorrência que pudessem prejudicar o consumidor final.

A reportagem também chega a expressar dúvida em relação à veracidade de minha “alegação” de que estava fora do país, e por isso não pude prestar depoimento. Estou em viagem ao exterior, em compromisso profissional previamente agendado, e voltarei ao Brasil ainda nesta semana. Estou, como sempre estive, totalmente à disposição das autoridades para dar quaisquer esclarecimentos que sejam pedidos. Da mesma forma, os mais de 30 empregados do Banco que foram retirados de suas casas pela polícia na última sexta para depor também nunca haviam se negado a colaborar com qualquer investigação. Desconfio que excessos desta natureza são alimentados quando questões como esta são apresentadas de modo parcial. Mas tenho, ao mesmo tempo, confiança de que, com a exposição detalhada e justa de todos os elementos envolvidos, sua análise poderá ser feita de uma maneira isenta, criteriosa e equilibrada, e a verdade vai prevalecer.

Por fim, expresso minha solidariedade aos colegas com quem por mais de nove anos trabalhei no BNDES, em particular os que foram vítimas da violência da última sexta. Sou testemunha de sua retidão, bem como dos valores que fundam a atuação do BNDES: ética, espírito público, excelência e compromisso com o desenvolvimento.

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