O presidente Jair Bolsonaro participou da cerimônia de anúncio do pacote verde ao lado dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e do Meio Ambiente, Joaquim Alvaro Pereira Leite, entre outros membros de seu governo. “A solução para o desafio do acordo do clima é inovação, uma nova economia verde, uma transição”, afirmou Leite durante o lançamento do programa. O objetivo declarado do plano é conservar as florestas, reduzir a emissão de gases do efeito estufa e estimular os chamados empregos verdes, mas o governo não especificou as ações com que pretende alcançá-lo.
O ministro anunciou que o plano envolve financiamento de 400 bilhões de reais, embora só cerca de 12 bilhões representem de fato dinheiro novo (Leite não fez durante o anúncio qualquer menção aos recursos paralisados do Fundo Amazônia). A condução do programa ficará a cargo de um comitê interministerial que já existia e teve o nome mudado por decreto – agora versa “sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde”.
Com o plano anunciado às vésperas da COP, o Brasil parece se inspirar no caso de outros países que chegam à conferência do clima com moral em alta após anunciar planos de retomada ancorados na economia verde. “Fica patente que é um pacote sem estratégia e que não para em pé quando a gente olha o conteúdo e vê que eles não sabem em que setores querem investir”, disse à piauí Natalie Unterstell, especialista em políticas públicas ambientais e presidente do Instituto Talanoa.
Além disso, continuou Unterstell, só haverá crescimento verde se o Brasil requalificar os subsídios que dá aos setores mais poluentes da economia – “e isso passou longe do discurso e do decreto”. Por fim, faltou ao governo detalhar como fará o combate ao desmatamento e como vai precificar o carbono para estimular a eficiência energética. “Esse é um plano para fazer mais do mesmo, só que agora com a intenção de dizer que vamos pintar de verde.”
Bolsonaro não deixou claro como pretende alcançar o crescimento verde. Mais ainda, carrega como credencial uma gestão que enxugou o orçamento para a fiscalização ambiental, paralisou o processo de multas do Ibama e ICMBio e aparelhou as autarquias com militares sem experiência em gestão ambiental; condenou os fiscais com um discurso conivente com o crime ambiental e estimulou com isso o desmatamento e a grilagem de terras públicas; buscou se aproveitar da atenção voltada para a pandemia para afrouxar regulamentações ambientais e passar outras boiadas. Além disso, seu governo declarou guerra às ONGs conservacionistas e congelou o Fundo Amazônia, com recursos de 3 bilhões de reais para o financiamento de ações contra o desmatamento.
Os resultados falam por si: a taxa de desmatamento anual na Amazônia, que era de 7,5 mil km2 em 2018, no final do governo Michel Temer, dois anos depois tinha saltado para 10,9 mil km2, um aumento de quase 50% que fez a taxa voltar ao patamar dos cinco dígitos após mais de uma década.
A taxa oficial de 2021 deve ser divulgada até o fim do ano. Especialistas apostam que o número não será muito diferente daquele do ano passado, e talvez seja um pouco menor. Um eventual bom resultado será atribuído à ação do Conselho Nacional da Amazônia Legal, a missão militar liderada pelo vice-presidente Hamilton Mourão que se encarregou do combate ao desmatamento, ao custo de 550 milhões de reais desde 2019, conforme números da Folha de S.Paulo. Mas dificilmente se verá uma comparação com o número de 2018, quando Bolsonaro assumiu a presidência.
O Brasil deve enviar a segunda maior comitiva para Glasgow, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo o jornal O Globo (os norte-americanos buscam retomar o protagonismo das negociações climáticas após a eleição de Joe Biden). O presidente Jair Bolsonaro não confirmou presença. A delegação brasileira será liderada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Alvaro Pereira Leite, e deve ter ainda outros dois ministros, doze governadores e o presidente do Banco Central. O país vai voltar a ter um pavilhão oficial numa conferência do clima, no qual deve reforçar a imagem de país sustentável que pretende projetar no exterior.
“O Brasil vai vender em Glasgow uma imagem que não existe”, disse à piauí o ambientalista Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma coalizão de ONGs da área ambiental. Para ele, as ações que o Brasil está anunciando antes da conferência devem ter como prazo de validade a duração da COP. “Se espremer bem, esse plano não salva uma árvore na Amazônia.”
O país deixou má impressão em sua última participação numa conferência do clima, há dois anos, em Madri. Capitaneada pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a delegação brasileira obstruiu negociações e estava focada somente em levantar recursos junto aos países ricos. “Este ano, se o Brasil ficar só na propaganda, já está bom”, disse Astrini. “O máximo que podemos fazer é não atrapalhar muito.”
O Brasil chega a Glasgow com uma distinção inglória: é o país do G20 que mais piorou a sua meta de corte de emissões dos gases que causam o aquecimento global, conforme revelou um relatório divulgado esta semana pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Assinado em 2015, o Acordo de Paris é construído com base em contribuições voluntárias: cada país determina quanto e de que maneira pretende reduzir as suas emissões de gases-estufa. Os signatários combinaram ainda que fariam uma revisão da sua meta a cada cinco anos, com o compromisso de que só podiam aumentar – e nunca diminuir – a contribuição que estavam propondo.
No caso do Brasil, o principal compromisso assumido em 2015 era reduzir suas emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030, em relação ao volume emitido em 2005. Só que, ao fazer a revisão da sua meta, o país mudou também a forma como calculava as suas emissões. Com isso, passou a considerar que, em 2005, emitiu 2,8 bilhões de toneladas, e não mais 2,1 bilhões de toneladas de CO2eq. Com isso o Brasil poderia chegar a 2030 com o nível de emissões de 2019, com a taxa anual de desmatamento na Amazônia na casa dos 10 mil km2.
“Quando você muda a base de cálculo, tem que atualizar os percentuais de redução”, argumentou Stela Herschmann, advogada especialista em direito ambiental e consultora do Observatório do Clima. “Sem atualizar os percentuais, o Brasil continua prometendo entregar em 2030 menos do que tinha prometido antes, e isso é uma violação do Acordo de Paris.” No México, a justiça anulou em primeira instância a revisão da meta que permitia ao país emitir mais 14 milhões de toneladas de CO2 em relação ao compromisso assumido em 2015.
A “pedalada ambiental” não foi o único recuo na revisão da meta brasileira apresentada pelo governo Bolsonaro. O compromisso de zerar o desmatamento ilegal da Amazônia até 2030, que constava num anexo à meta apresentada em 2015, sumiu da nova proposta, embora tenha sido mencionado por Jair Bolsonaro em seu discurso durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, realizada em abril. O plano de alcançar a “neutralidade climática” até 2050, citado no mesmo discurso, tampouco foi registrado por escrito.
Ambientalistas esperam que, durante a COP26, o governo brasileiro apresente detalhes sobre o que pretende com o Programa Nacional de Crescimento Verde e sobre como pretende implementar sua meta de redução de emissões no Acordo de Paris. “Sem isso são apenas palavras ao vento”, afirmou Herschmann. “Será literalmente uma promessa para inglês ver.”