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    Tarcísio Freitas: na disputa pelo governo de São Paulo, ex-ministro de Bolsonaro se transformou no candidato das elites - Foto: Danilo Verpa/Folhapress

questões eleitorais

De aliado petista a bolsonarista raiz

Os bastidores da campanha que levou Tarcísio Freitas a vencer o primeiro turno da disputa pelo governo de São Paulo

Ana Clara Costa | 30 set 2022_17h38
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Reportagem atualizada em 3 de outubro de 2022, às 16h35*

 

Depois dede mais de 20 anos de fidelidade ao PSDB, a elite empresarial paulistana celebrou com entusiasmo o desempenho do carioca Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), o candidato de Jair Bolsonaro ao governo de São Paulo. Em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto coletadas antes do pleito, Tarcísio surpreendeu e liderou a disputa em São Paulo com 42,3% dos votos, à frente de Fernando Haddad (PT), que ficou com 35,7%, e sepultando as chances do tucano Rodrigo Garcia, que buscava a reeleição, mas terminou com apenas 15% dos votos. Jantares na Sociedade Hípica Paulista, no Clube Monte Líbano e nos casarões do advogado Nelson Wilians e da socialite Dora Fakhoury, mãe do empresário bolsonarista Otávio Fakhoury, foram alguns dos eventos que selaram o apoio da elite empresarial ao candidato, que viveu no estado de São Paulo apenas durante os dois anos em que frequentou a Escola Preparatória de Cadetes do Exército, na década de 1990.

A boa aceitação na alta sociedade se reflete em seu inventário de doadores. Famílias tradicionais paulistanas, antes próximas do tucanato, como Civita, Jafet, Malzoni, Teles de Menezes, Monteiro de Barros, Nahas e Zogbi depositaram recursos na campanha de Tarcísio e não na de Garcia. Entre os grandes empresários que doaram apenas para Tarcísio está Rubens Ometto, da Rumo (grupo Cosan), concessionária de ferrovias. O candidato do Republicanos recebeu até doações de famílias de outros estados, como os Gontijo, de Minas Gerais, e do ex-piloto Nelson Piquet, de Brasília. Nenhum dos empresários citados doou para Fernando Haddad.

Embora no discurso o ex-ministro tenha semelhanças com o malufismo (a fixação pelo asfalto) e o populismo janista (conservadorismo cristão), ambos sustentados no passado pela classe média paulista, o eleitorado de Tarcísio se concentra entre os que possuem maior poder aquisitivo. Segundo os resultados apurados no primeiro turno, o petista levou em mais de 90 cidades, incluindo a capital e o ABC paulista, mas o bolsonarista ganhou em 500 municípios – entre eles algumas das cidades mais ricas do estado, como Campinas, Jundiaí, Sorocaba, São José dos Campos e Ribeirão Preto. Na capital, em que Haddad teve 44,38% dos votos, Tarcísio saiu vitorioso nos bairros de elite, como Jardim Paulista, Indianápolis e Santo Amaro. Quando tentou se reeleger prefeito, Haddad perdeu na maior parte da periferia da cidade, que votou maciçamente em João Doria (PSDB). Neste pleito, o petista recuperou o terreno, vencendo em todas as zonas eleitorais periféricas, como Parelheiros, Itaim Paulista, Guaianases e Cidade Tiradentes.  

As pesquisas, embora tenham errado o resultado sobre a liderança do bolsonarista, já apontavam a preferência por ele entre as maiores faixas de renda. Segundo o último Datafolha, entre quem ganha mais de dez salários mínimos, Tarcísio tinha 31% das intenções de voto; entre quem ganha até dois salários, só 13%. No caso de Haddad, essa proporção era de 30% e 35%. 

Filho de um carregador de caixas que depois fez carreira no Banco do Brasil e de uma empregada doméstica, o candidato que sempre teve vida modesta, morando num apartamento de dois quartos em Águas Claras, cidade-satélite de Brasília, hoje circula nos convescotes do PIB. Em dois encontros da Esfera, grupo que promove eventos entre grandes empresários e figurões da política – e que recebeu Lula na última terça-feira –, Tarcísio foi acolhido como governador eleito, com direito a aplausos e lista de convidados abarrotada. No último deles, ocorrido em 9 de agosto na casa de Nelson Wilians, recebeu elogios públicos de Gilberto Kassab (PSD), que pilota sua candidatura no estado depois de romper com Rodrigo Garcia, seu ex-amigo e ex-sócio em diversos empreendimentos em São Paulo. “Ele é o candidato mais leve de carregar. Eu nunca, nesses anos todos, tive a oportunidade de apresentar um candidato que não tivesse nenhuma contestação. É algo impressionante.” Kassab prossegue: “Todos reconhecem nele uma pessoa de caráter, honesto, preparado, conhecedor da vida pública e bom político. É um bom político que sai bem avaliado de três governos sequenciais: o da presidente Dilma, de Temer e de Bolsonaro.” O dote camaleônico é uma das características patentes do ex-ministro, que transitou com desembaraço na gestão de projetos políticos antagônicos. 

Antes visto como técnico moderado, Tarcísio hoje está integrado às franjas mais radicais do bolsonarismo, valendo-se da estratégia de antagonizar com o PT para conseguir chegar ao segundo turno contra Haddad. Participou de manifestações de Jair Bolsonaro contra o STF durante a pandemia, disse que se for eleito retirará a obrigatoriedade da vacina, adotou a camisa verde e amarela como uniforme de campanha, faz motociatas nas cidades do interior paulista, inseriu palavras religiosas em seus discursos, viaja o estado em jatinhos de pecuaristas e diz não acreditar em pesquisas eleitorais. “Esquece pesquisa, esquece tudo, Bolsonaro tá reeleito”, disse recentemente numa entrevista a um podcast, embora sempre divulgue aquelas que mostram sua melhora em intenções de voto. “Se a gente dispara em três pesquisas seguidas, já pode pedir música no Fantástico?”, postou em suas redes sociais, no início do mês, quando seu nome passou a figurar à frente do adversário tucano. No dia 28 de setembro, quando a AtlasIntel apontou que ele empataria com Haddad no segundo turno, Tarcísio também publicou os números, em tom de comemoração. 

Seguindo o roteiro bolsonarista, Tarcísio, um católico não praticante, compareceu em julho à Marcha para Jesus, em São Paulo, maior encontro evangélico do país, e levou consigo nomes pouco afeitos a manifestações religiosas, como João Carlos Camargo, fundador da Esfera, e Flávio Rocha, um dos sócios da Riachuelo. Foram recepcionados com entusiasmo no carro principal do evento, onde estavam os anfitriões: o apóstolo Estevam Hernandes e sua mulher, Bispa Sonia, ambos da Igreja Renascer em Cristo. Entrevistado no canal Agora Notícias Brasil, Tarcísio falou como se estivesse palestrando num culto neopentecostal.

“Olha, é um dia de benção, um dia de ‘avivamento’”, afirmou, usando o termo teológico muito difundido nas agremiações evangélicas e que significa “despertar religioso”. “A gente vem ao longo desse tempo fazendo profecias, falando palavras proféticas de que ela [a Marcha para Jesus] ia ser um sucesso, ela ia ser uma bênção e ia juntar muita gente louvando em nome do Senhor Jesus, e foi exatamente o que aconteceu”, disse o candidato, que comparou os evangélicos ao “povo de Israel, que lá no passado enfrentou dificuldades, mas venceu porque muita gente lá atrás clamou ao Senhor”. Tarcísio concluiu dizendo que o “Brasil tem salvação, tem esperança, que a família vai ser preservada, e que nossos valores estão sob a proteção de Deus”. 

 

Tarcísio ascendeu no Executivo graças à sua proximidade com o PT. Quando, em 2011, era apenas um auditor recém-ingressado na Controladoria-Geral da União, procurou o engenheiro Bernardo Figueiredo, diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), para apresentar um diagnóstico que havia traçado sobre o setor, com especial atenção ao Dnit, órgão federal que cuida das estradas. Naquele mesmo ano, contrariada com denúncias de corrupção, Dilma Rousseff promoveu mudanças no Ministério dos Transportes, então comandado pelo PL (o partido de Bolsonaro), e pediu a Figueiredo sugestões técnicas para as diretorias. Embora a chefia da pasta se mantivesse com o PL, o desgaste dos escândalos de corrupção permitiria que o PT indicasse nomes para os cargos de carreira. Impressionado pelo diagnóstico que ouvira meses antes, Figueiredo indicou Tarcísio para ser o diretor-geral do Dnit. Mas como o novo ministro Paulo Sérgio Passos queria nomear para o cargo um nome do Exército, Tarcísio acabou ficando com a diretoria executiva do órgão. Naquela ocasião, Tarcísio não se colocou como um ex-membro das Forças Armadas. 

Funcionários da pasta contaram à piauí que Tarcísio chegou ao órgão com a intenção de moralizá-lo em razão das denúncias de corrupção, e via com ressalvas o relacionamento de gestores públicos com o setor privado. Com o tempo, no entanto, habituou-se à nova realidade e passou a desenvolver parceria estreita com empreiteiros e produtores rurais que faziam lobby para que o Dnit fizesse manutenção nas rodovias que escoam suas produções. Um de seus principais aliados nesse período, e que veio a ser fundamental para sua entrada no governo Bolsonaro, foi o empresário Eraí Maggi, primo do ex-senador Blairo Maggi. Num acidente em que seu carro capotou oito vezes na BR, Tarcísio foi socorrido por Maggi. Ficaram amigos. Ele também manteve relação próxima com petistas, entre eles o deputado Paulo Pimenta (PT-RS) e a então ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que serviam como anteparo para as pressões vindas do PL de Valdemar Costa Neto, que chefiava a pasta.

Num sinal da confiança mútua entre o engenheiro e o partido, Tarcísio pedia apoio quando se via acuado pelo PL – e era atendido. Em 2013, na licitação de um trecho da BR-381, que liga Belo Horizonte a Governador Valadares, o então ministro Cesar Borges, que assumira a pasta depois de Paulo Sérgio Passos, pressionou Tarcísio para que o consórcio vencedor fosse o segundo colocado, não o primeiro, que apresentara o preço mais competitivo. O segundo era encabeçado pela empreiteira OAS. O primeiro estava com o grupo espanhol Isolux. O argumento de Borges era que a empresa europeia não teria condições financeiras de arcar com uma obra tão grande e deveria ser inabilitada. Tarcísio viu indícios de irregularidades na atitude do ministro, com quem tinha divergências, e buscou apoio de dirigentes do PT para manter o Isolux como vencedor. Conseguiu. (Em 2015, conforme previsto por Borges, os espanhóis desistiram da obra já em andamento por falta de solvência financeira.) 

“Quando chegou ao Dnit, ele não tinha apoio político nem do PT nem de nenhum partido. Era um técnico. Mas rapidamente constatou que o PT fazia uma gestão mais correta, sem pedidos não republicanos, como era o caso do PR (nome anterior do PL). Ele tinha ódio do PR e do Valdemar Costa Neto”, relata um servidor que se reportava a Tarcísio no órgão, e que pediu para não ter seu nome revelado para não se envolver em atritos públicos. Foram as más lembranças desse período em que teve de lidar com Costa Neto que levaram Tarcísio a se filiar ao Republicanos, e não ao PL de Bolsonaro, para concorrer ao governo de São Paulo, embora o PL integre sua coligação.

Com o enfraquecimento político do governo Dilma, a partir de 2014, o PL começou a recuperar o espaço perdido no Dnit. Cargos técnicos foram substituídos por indicações políticas, e Tarcísio perdeu toda a equipe que havia montado. Antevia que poderia ser o próximo e, por isso, resolveu se antecipar. Tirou férias pela primeira vez desde que ingressara no órgão e estudou para o concurso de consultor da Câmara dos Deputados. A área é conhecida na burocracia de Brasília como “purgatório”, por ser a antessala do “paraíso”, alcunha dada em razão da alta remuneração e do baixo volume de trabalho. Tarcísio passou em primeiro lugar e assumiu o cargo em 2015. 

Em 2016, antes de completar dois anos no cargo, Tarcísio começou a vislumbrar sua volta ao Executivo, com a entrada do governo de Michel Temer. Naquele momento, estar próximo do PT era tóxico. Assim, passou a enviar recados públicos de que não compactuava com o partido. Numa audiência da CPI da Funai e do Incra na Câmara, em fevereiro daquele ano, Tarcísio foi questionado por deputados sobre as razões de ter viajado em um jatinho de um empresário que tinha negócios com o Dnit no Mato Grosso. Ele argumentou que não via problemas no episódio e traçou uma comparação com o ex-presidente Lula, ao dizer que ele andara “várias vezes” em jatinhos de empreiteiros. Criou-se uma celeuma com parlamentares petistas, mas Tarcísio manteve o tom belicoso em relação à gestão anterior.

Na mesma sessão, Tarcísio foi acusado pelos petistas de privilegiar empresários do agronegócio e não pensar em comunidades indígenas enquanto esteve no Dnit. Ele não negou a relação estreita com proprietários rurais e acrescentou que também mantinha contato direto com caminhoneiros, via WhatsApp, “porque são meus clientes, são eles que usam a rodovia”. Tal contato com esses dois grupos foi fundamental para sua entrada no governo Bolsonaro e seu bom desempenho apaziguando os ânimos dos motoristas insatisfeitos com o preço do combustível.

A cotovelada em Lula no auge das discussões sobre o impeachment e da Lava Jato foi sucedida por um convite para integrar o governo de Michel Temer, na secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), chefiada por Moreira Franco (MDB). Tarcísio fora indicado para o cargo pelo então diretor da ANTT, o emedebista Jorge Bastos. Moreira Franco afirma que foi uma contratação técnica, que “nem sabia” que ele tinha proximidade com o PT e tampouco foi informado de que Tarcísio era militar – característica que ele sempre reforça. “Naquele período ele tinha uma conversa muito mais tucana do que bolsonarista”, relembra o ex-ministro, afirmando que Tarcísio trabalhava muito e não demonstrava inclinações políticas, menos ainda simpatia pela extrema direita. 

Quando Bolsonaro ganhou, Moreira Franco não designou Tarcísio para a equipe de transição, e sim seu superior na pasta, Adalberto Vasconcelos. O engenheiro acabou se misturando ao time por outros caminhos: por indicação de empresários da soja, entre eles Eraí Maggi, foi nomeado auxiliar da então deputada federal Tereza Cristina, que viria a ser ministra da Agricultura. Enquanto participava da transição, foi sondado para chefiar uma das secretarias do governador eleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Mas Tarcísio queria um cargo de mais destaque, e avisou ao amigo Maggi: “Se você quiser me fazer ministro, ok. Senão, eu vou lá para Minas e tá tudo bem.”

Numa entrevista ao podcast Inteligência, ele relatou parte da história, sem mencionar o apoio dos empresários. “O Bolsonaro já tinha um ministro de Infraestrutura, que era o general Ferreira. Ele liderou o grupo de infraestrutura na campanha. Mas, na transição, o general Ferreira disse que não ia. Aí, alguns amigos em comum começaram a falar meu nome para o presidente. A Tereza Cristina, que já tinha trabalhado comigo, o Major Vitor Hugo [hoje deputado bolsonarista], que era meu companheiro. O Jorge Oliveira [ex-militar e hoje ministro do TCU], meu amigo de infância e que acompanha o presidente Bolsonaro há muito tempo. Eu fui a terceira opção. O general Ferreira não quis, o general Brandão [outro militar que trabalhou na equipe de transição de Bolsonaro] não quis. Aí acabou caindo para mim”, disse. Pouco antes de assumir, Tarcísio disse a alguns amigos que iria a uma igreja católica para agradecer. Era uma novidade, já que ele nunca mencionara qualquer inclinação religiosa.

Bolsonaro verbalizou a intenção de indicar Tarcísio para concorrer ao governo paulista ainda em 2020. O plano ia de encontro ao do ministro, que desejava sair como candidato ao Senado por Goiás e depois batalhar por uma vaga de ministro do Tribunal de Contas da União – embora pessoas mais próximas digam que seu desejo mais profundo era um dia ser presidente. De qualquer forma, Tarcísio não se opôs à orientação do chefe. Colocou placas de porcelana nos dentes e passou a se vestir melhor, enquanto intensificava sua agenda junto ao empresariado de São Paulo. Filiou-se ao Republicanos. Nas primeiras qualitativas feitas no estado, e diante da rejeição do eleitorado a Bolsonaro, Tarcísio foi aconselhado a moderar o discurso e migrar para o centro. Nesse período, chegou a dizer em entrevista ao site AgênciaINFRA que a petista Dilma Rousseff “era uma pessoa honesta” e que “pode ter errado em deixar que a corrupção acontecesse no governo dela”, mas que ela “não tinha nada” de corrupta. 

A estratégia mudou quando Bolsonaro passou a recuperar eleitores no estado, chegando perto de um empate técnico com Lula em São Paulo, em agosto. Nesse momento, Tarcísio resgatou o mandatário em sua campanha, vestiu a camiseta verde e amarela e não mais a tirou. “Eu era um técnico, não tinha partido político e esse cara apostou num cara desconhecido para ser ministro. Esse cara me valorizou, me deu condições de trabalhar. Vou ser leal a ele até o fim”, declarou, no jantar da Esfera, em agosto, quando questionado se estava escondendo Bolsonaro em sua campanha.

Num aceno aos defensores do uso da força policial, Tarcísio anunciou que uma de suas primeiras medidas, se eleito, seria revogar o uso de câmera nos uniformes dos policiais, medida implantada em São Paulo no ano passado e que reduziu em 50% a letalidade policial do estado. “O tempo de tratar policial como suspeito e o bandido como parceiro tem de acabar”, disse em entrevista à Jovem Pan. Num evento na gestora Traders Club, em setembro, em que foi entrevistado por gestores de investimento da Faria Lima, disse ser contra as câmeras porque serviu como militar no Haiti e sabia que “determinadas decisões são tomadas em uma fração de segundos. Em fração de segundos você decide se vai ficar vivo ou vai morrer. Você coloca o policial em situação de desvantagem”. Em seguida, pediu aplausos para o policial federal Danilo Campetti, que estava na plateia. “Ele prendeu o Lula”, disse, apontando para o agente, hoje candidato a deputado estadual em São Paulo. 

Ex-secretário da gestão de João Doria na prefeitura de São Paulo e no governo do estado, o empresário Filipe Sabará se convenceu. Deixou o antigo ninho e se aconchegou na equipe de Tarcísio. “Há um ranço muito grande com o Rodrigo (Garcia) por causa do fechamento do comércio na pandemia. Ele era o secretário executivo. Ele que determinava tudo”, conta. Depois de culpar o tucano, Sabará se explica: “Qual era a opção para quem era de direita e defendia uma economia liberal? Os tucanos. Fui duas vezes secretário do Doria e em uma das vezes o Rodrigo foi meu chefe.” A mudança de chave, segundo ele, se deve ao “histórico de entregas de Tarcísio”, que é “unanimidade no setor privado”. “Quando você compara a retórica do Rodrigo com a prática do Tarcísio, o empresário faz conta. É uma gente esclarecida, que sabe a diferença entre retórica e prática.” 

 

Fazendo contas, naquele mesmo evento do Traders Club, Tarcísio apresentou promessas ao estilo Paulo Guedes: a de que existe 1 trilhão de reais “contratado” para a realização de obras de infraestrutura no país e outro trilhão poderá ser obtido no mercado para obras de saneamento. Foi aplaudido. Ocorre que o Ministério de Infraestrutura tem contas diferentes – e bem mais modestas. Desde o início do governo Bolsonaro, foram realizadas 290 obras de transporte e o orçamento anual para Infraestrutura não passa de 18 bilhões de reais por ano, sendo apenas 800 milhões para investimentos. O setor privado poderia contribuir para a pujança prometida, mas o portfólio de privatizações do governo Bolsonaro conta com apenas 20 ativos a serem leiloados neste ano, somando 83 bilhões de reais. De 2019 a 2021, foram arrecadados 116 bilhões de reais com concessões. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil investiu apenas 1,57% do PIB em infraestrutura no ano passado, o menor percentual dos 11 anos da série histórica. 

Em sua gestão, houve aumento de 400% nos gastos com obras do Dnit sem licitação, uma mudança drástica para o técnico que outrora passava pente fino nos leilões, metendo-se em entreveros para defender o erário. O jornal Folha de S.Paulo publicou uma reportagem em setembro revelando o fato. Tarcísio respondeu ao jornal que as contratações sem licitação eram em razão das chuvas, que requeriam obras emergenciais, e da pandemia.

Quem conviveu com Tarcísio desde o período do Dnit relata que o técnico, ao entrar no governo, tinha uma postura reativa à classe política e insinuava que tudo estava contaminado pela corrupção. Com o tempo, se adaptou à nova rotina e passou a dialogar com parlamentares e empresários. “Ele tem um perfil de grande sede de ascensão, de poder, de projeção, e tenta se moldar mirando esses interesses”, diz uma das fontes ouvidas pela piauí. Para essa fonte, Tarcísio é “inteligente” e aproveita as oportunidades que lhe são franqueadas.

O próprio candidato já revelou, durante a entrevista ao podcast Inteligência, que seu fascínio pelo poder vem de longe. “Eu estava na escola no final do período militar e sempre quis ir para o Exército. Eu gostava muito de história e via que os presidentes eram todos generais. Aí falava, pô, o Exército é poderoso. Esse negócio de Exército é bacana.” Lembrou que, na sua infância, Ernesto Geisel era o presidente, mas disse recordar-se apenas de João Figueiredo, o último general da ditadura. Tarcísio não conseguiu ascender ao posto de general nos 20 anos em que vestiu farda. Foi para a reserva como capitão. O candidato foi procurado pela reportagem, mas, até o fechamento, não havia se manifestado.

* Publicada originalmente em 30 de setembro, esta reportagem foi atualizada para incluir os resultados do primeiro turno.