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piauí jogos

    O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em São Bernardo do Campo neste domingo (30) Foto: Carl de Souza / AFP

anais da democracia

Lula de novo lá

Com vitória apertada em Minas Gerais e abstenção menor que no primeiro turno, petista conquista seu terceiro mandato de presidente da República

Luigi Mazza | 30 out 2022_21h24
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Na manhã da última quinta-feira (27), o instituto Quaest divulgou uma pesquisa mostrando que Lula estava seis pontos à frente de Bolsonaro em Minas Gerais. Para o petista, era ótima notícia: no primeiro turno, ele venceu em Minas por apenas cinco pontos de diferença. Por isso, na tarde daquela quinta-feira, o presidente do diretório do PT em Belo Horizonte, Guilherme Jardim, de 39 anos, estava animado. Guima, como é conhecido, confeccionava uma tela transparente que seria usada para pintar estrelinhas do PT em bandeiras de campanha. O foco do partido era estimular os eleitores de Minas a comparecer às urnas. “Nós vamos virar BH!”, prometeu Guima.

Não foi o caso. Lula ficou oito pontos atrás de Bolsonaro em Belo Horizonte na eleição deste domingo. Mas venceu em Minas Gerais, e com uma abstenção menor do que no primeiro turno: 21% dos mineiros não votaram hoje, contra 22,3% no dia 2 de outubro. No Brasil como um todo, a abstenção caiu ligeiramente, de 20,9% para 20,6% – quando, historicamente, costuma ser maior no segundo turno. É a primeira vez, no período democrático, que a abstenção cai entre os turnos de uma mesma eleição. E caiu mesmo com as operações de fiscalização montadas pela Polícia Rodoviária Federal em diferentes estados, a maioria deles no Nordeste

Com a vitória, Lula confirmou uma tradição que se mantém desde a década de 1950: o candidato a presidente que obtém a maioria entre os mineiros vence a eleição nacional. Neste caso, a eleição presidencial mais apertada desde a redemocratização: com 99% das urnas apuradas, às nove da noite de hoje, Lula tinha 50,9% dos votos, e Bolsonaro, 49,1%. 

A campanha petista contra a abstenção pode ter sido fundamental para o resultado. Minas, segundo maior colégio eleitoral do país, com 16 milhões de eleitores, concentrou as cidades que tiveram maior abstenção no primeiro turno: dos 30 municípios com menor proporção de eleitores que foram votar no dia 2 de outubro, 23 ficam em Minas. A grande maioria deles fica nas porções Leste e nordeste do estado, região que historicamente vota em candidatos do PT nas eleições presidenciais. A piauí percorreu a região na última semana.

“Bolsonaro aqui é pouco. O pessoal é Lula mesmo”, diz Jhonny Gabriel, um jovem de 20 anos que vive em Santo Antônio do Itambé (MG). O município, que fica a cinco horas de carro de Belo Horizonte, tem pouco menos de 4 mil habitantes. Ali, assim como na vizinha Rio Vermelho, houve a maior abstenção do país: 40% dos eleitores de Itambé não foram às urnas no primeiro turno, segundo os dados do TSE. Quase o dobro da média nacional.

Itambé pode ser percorrido de carro em dois minutos. Tem duas ruas principais, quase nenhum comércio e cada vez menos moradores. “Aqui ninguém acha serviço. O pessoal foi tudo trabalhar em fazenda ou em cidade grande”, diz Gabriel, que é servente de pedreiro. Ele diz ter perdido a conta de quantos amigos foram embora desde 2020. “Os mais jovens não ficam porque não tem emprego. Vão pra Belo Horizonte, São Paulo, Estados Unidos…”, afirma Luciene Santos, dona de uma lanchonete à beira da estrada que atravessa o município.

A emigração, historicamente alta em cidades rurais de Minas, mas que se acelerou com a crise econômica, é a principal explicação para o sumiço de eleitores nessa região. Esse fenômeno se estende por todo o Vale do Jequitinhonha, uma área pobre do estado. É possível que problemas no cadastro do TSE também engordem os números de abstenção nesses municípios.

A seis dias da eleição, quando a piauí visitou Itambé, não havia sinal de campanha nas ruas. A única exceção era uma bandeira com o rosto de Lula, presa na fiação em cima de uma barbearia. “Torço pra ele!”, comentou Manuel Ribeiro, um agricultor de 62 anos que trabalha na roça e faz bicos de pedreiro no Centro da cidade. “Não sou contra quem vota no Bolsonaro, mas tudo nesse cara é maldade. Ele mexer com a aposentadoria do povo foi demais”, explicou. Ribeiro não votou no primeiro turno por preguiça de enfrentar fila. “Sabia que ia ter segundo turno. Pra que pegar fila duas vezes?” Ele votou em Lula neste domingo. O petista venceu em Itambé com 79% dos votos no segundo turno.

O servente de pedreiro Jhonny Gabriel, em Santo Antônio do Itambé (MG) — Foto: Luigi Mazza

 

“Metade do povo daqui foi embora, principalmente os jovens”, diz Tainara Franciele, de 20 anos, moradora de Rio Vermelho. Ela trabalha como vendedora num atacadão de roupas no Centro da cidade. “Até mão de obra tá faltando na cidade. Aumentou demais [a emigração]”, afirma Tássia Camila Pires, médica de 33 anos e apoiadora entusiasmada de Bolsonaro. Ela e o marido, o farmacêutico Luís Felipe Barroso, pediam votos para o presidente em frente a uma lanchonete. Quase não havia bandeiras ou adesivos dos candidatos pela cidade.

Dos 10.856 eleitores de Rio Vermelho registrados no TSE, 4,4 mil não votaram no primeiro turno. Os que votaram deram a Lula uma maioria de 67,9% dos votos contra 25,2% de Bolsonaro. “Esse êxodo está acontecendo como nunca aconteceu”, diz o deputado federal Paulo Guedes (PT-MG), que fez sua carreira política nas regiões Norte e nordeste de Minas. “Hoje, essas cidadezinhas que têm 10 mil habitantes devem ter mil pessoas fora, trabalhando. Não tá tendo emprego na região. Muita gente vai trabalhar com corte de cana e colheita de café, e passa seis meses direto no Sul de Minas ou no Norte de São Paulo.”

O deputado participou de conversas com prefeitos da região para garantir que, ao menos entre aqueles que efetivamente moram nas cidades, a abstenção fosse reduzida o máximo possível. Historicamente, a abstenção tende a ser maior no segundo turno, quando não há um mar de candidatos a deputado e senador estimulando os eleitores a votar. A eleição deste ano fugiu à regra. A decisão do TSE que garantiu transporte gratuito em cidades do país inteiro certamente teve impacto nesse resultado. “Se o povo for votar, o Lula vai vencer com maioria grande”, previu Guedes, numa conversa na última quinta-feira (27).

Os moradores de Rio Vermelho dizem que, na pandemia, disparou o número de pessoas que migram ilegalmente para os Estados Unidos. “Cresceu muito, muito. No ano passado, entre 800 e 1 mil pessoas daqui da cidade se mudaram pra lá”, estima o presidente da Câmara Municipal de Rio Vermelho, vereador Jairo Claudino (PSDB-MG). Até mesmo um dos vereadores largou o cargo para tentar a vida nos Estados Unidos com mulher e filhos.

Claudino, além de vereador, é professor de história nas redes municipal e estadual. “Eu vejo, na sala de aula, como os meninos se preparam desde cedo para ir para Belo Horizonte, para São Paulo… Aqui em Rio Vermelho, ou você é funcionário público ou agricultor. Não tem geração de emprego. Nossa cidade vem decrescendo”, ele explica.

 

Não é difícil encontrar, no Centro de Belo Horizonte, migrantes do interior. “Pensei em votar, mas não compensa o preço nem o tempo”, explicou Érica Martins Rocha, de 21 anos, que trabalha como vendedora num empório no Mercado Central de Belo Horizonte. Ela é de Setubinha, cidade do nordeste de Minas, próxima a Teófilo Otoni. Fica a nove horas de carro da capital. Ir e voltar de ônibus não custa menos do que 400 reais. Muitos moradores de Setubinha migram para cidades maiores à procura de trabalho. A cidade está entre as trinta com maior abstenção do país: cerca de 35% dos setubinhenses não votaram no primeiro turno.

“Minha família toda vota no Lula. Norte de Minas só dá ele”, disse Rocha, na última quinta-feira. Ela não sabia dizer em quem votaria, caso comparecesse à urna em Setubinha. “É difícil… Um já foi bom, o outro é bom. Mas será que vão fazer tudo isso que tão falando?” Sua colega de trabalho no empório, Thaís dos Santos, de 23 anos, também não considerava votar no segundo turno. Embora ela more em Belo Horizonte, seu título de eleitor é de Betim, que fica a uma hora de ônibus da capital. “A gente trabalha no domingo. Não ia dar tempo de chegar lá. E ainda tem o preço da passagem”, ela explicou. Segundo Santos, “os donos das lojas aqui são tudo Bolsonaro, e o povão é mais Lula”. Ela contraria a regra: embora não seja lojista, diz que seu voto seria “para o Bolsonaro, claro!”.

Lucelayne de Souza, atendente de uma mercearia no Mercado Central, tirou o título de eleitor na Serra do Cipó, distrito de Santana do Riacho. É outra que não pôde votar neste domingo. Seus familiares, por sua vez, eram de Betim e não transferiram seus títulos para Santana do Riacho. Ninguém da família foi às urnas. Ela disse que, mesmo podendo, não o faria. “Eu não concordo com nenhum dos dois lados. Não tenho vontade de votar neles.”