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    Lula, entre Daniela Mercury e Margareth Menezes, cercado por artistas que participaram em São Paulo do último ato da campanha antes do primeiro turno - Foto: Nelson Almeida / AFP

questões políticas

“Lula Esperança” tem fila para tapete vermelho e saia justa com globais

Os bastidores do último ato de campanha antes do primeiro turno

Ana Clara Costa | 27 set 2022_18h26
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“Eu estou com o Márcio Tavares e tem um monte de artista barrado lá fora, e eles estão chateados e dizendo que vão embora”, avisou aos seguranças um funcionário da organização do último ato de campanha de Lula antes do primeiro turno, em São Paulo. Tavares é o secretário de Cultura do PT e ajudou a organizar o evento apelidado de “Brasil da Esperança”, numa clara alusão ao “Criança Esperança”, da rede Globo, em que artistas se reúnem num programa televisivo para pedir doações para a Unesco. Quem teve a ideia do “Lula Esperança”, como o evento informalmente foi chamado, e trabalhou para que ele acontecesse, porém, não foi a cúpula do partido. Foi o publicitário do ramo do entretenimento AD Júnior, auxiliado em grande parte por Rosangela Lula da Silva, a Janja, esposa de Lula.

O caminho que ligava o portão 34 do Anhembi ao tapete vermelho montado para receber artistas e influenciadores estava congestionado. Lula e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), haviam parado no tapete para conversar com a imprensa. Por questão de segurança, quando Lula está num ambiente, ninguém entra nem sai. Os artistas estavam, portanto, em fila do lado de fora, numa segunda-feira paulistana típica: chuvosa e fria. À cantora Pabllo Vittar e aos outros integrantes da fila foi oferecida a opção de entrar por um caminho desobstruído, mas que não passaria pelo tapete vermelho. Preferiram esperar e cumprir a rota dos famosos. Um cacique petista responsável pela logística dos eventos da campanha, ao ver a confusão que se armava, esquivou-se: “Não temos nada a ver com isso.”

A piauí acompanhou no Anhembi o evento, que foi transmitido ao vivo nas redes sociais do candidato e chegou a cerca de 1 milhão de visualizações no YouTube. Reuniu dezenas de artistas, intelectuais, ativistas e influenciadores digitais, de Daniela Mercury a Txai Suruí, passando por Margareth Menezes, Duda Beat e Silva. O ato marcou o encerramento da campanha antes do primeiro turno e teve como premissa estimular a militância e a classe artística a angariar votos para encerrar a disputa presidencial neste domingo. A maior parte dos artistas presentes já havia declarado voto em Lula previamente. A ideia do núcleo duro que assessora o petista era conseguir novos nomes, em especial de artistas populares, como o cantor João Gomes – chamado “rei do piseiro”, um ritmo que tomou a campanha. Gomes, que se apresentou no Rock in Rio e já fez críticas públicas a Bolsonaro, teria o potencial de furar a bolha, mas acabou não participando. As cantoras Anitta e Ludmilla, apoiadoras de Lula, foram convidadas. Em razão da agenda apertada de ambas, não era esperado que comparecessem. Mas que ao menos mandassem um vídeo para ser exibido no telão, o que não aconteceu. Ludmilla chegou a postar sobre o evento na terça-feira, enquanto Anitta não se manifestou. Apesar das ausências, a avaliação da campanha foi de que o evento foi bem-sucedido em mobilizar a onda petista e que, caso haja segundo turno nas eleições majoritárias, o modelo da superlive com artistas deverá ser replicado. 

Quem chegou ao Anhembi às 15 horas de segunda-feira, horário sugerido pela organização, passou seis horas e meia esperando por Lula – incluindo os artistas convidados a declarar apoio ao candidato. Quem estava nos bastidores conseguiu presenciar um fato político importante. Pela primeira vez, desde o debate presidencial de 2014, Marina Silva e Dilma Rousseff se encontraram – e, por iniciativa de Marina, se cumprimentaram. Os festejos começaram de fato às 17h30. Mas houve atropelos para além do atraso. 

 

A médica e ex-BBB Thelma Assis seria uma das apresentadoras do ato em prol do petista. Mas, segundo uma fonte da campanha sem autorização para falar publicamente, na última hora, quando já estava pronta para entrar no palco, Thelma recebeu uma ligação avisando que a rede Globo não havia dado aval para que apresentasse o evento, alegando que isso feria um dos artigos da política interna da empresa para eleições. Ela não subiu ao palco e, ao final do evento, se desculpou com a produção dizendo não saber que sua participação feria as regras da empresa. Pediu que sua justificativa fosse transmitida a Janja. Contudo, todo o material de divulgação do evento, que permanecia nas redes até o final da noite de segunda, ainda exibia seu rosto.

No capítulo 4.2 do documento que rege a conduta geral da Globo nas eleições, está escrito que integrantes da área de entretenimento estão “impedidos de participar de campanhas políticas por qualquer meio, inclusive através de mídias sociais”. Em outro documento elaborado especificamente para a área de entretenimento, o artigo três prevê que qualquer artista que esteja no ar em alguma produção da empresa não pode “se engajar em campanhas políticas de candidatos ou partidos”. A atriz Dira Paes, no ar em Pantanal, havia confirmado presença, mas desistiu. À piauí, afirmou que foi por “questões pessoais”. A atriz também reiterou que os atores podem “manifestar apoio aos candidatos, declarar intenção de voto, mas não atuar diretamente em eventos públicos, como comícios”.

A confusão sobre a escolha dos nomes que estariam no ato começou desde que a organização do evento se iniciou, há cerca de três semanas. Primeiro, a apresentadora Titi Müller e o escritor e humorista Gregório Duvivier, contratados do Multishow e da HBO, respectivamente, foram convidados para apresentar o evento. Müller, de cara, disse que não poderia, em razão de cláusulas contratuais. O Multishow tem a Globo como sócia. Duvivier aceitou, mas depois se deu conta de que seu contrato também vetava campanha política. Disse que poderia fazer uma ponta como repórter do evento na plateia. Mas, ao final, nem mesmo essa participação estaria no escopo do contrato. Tanto Duvivier quanto Müller compareceram ao ato, mas ficaram nos bastidores. A atriz Ana Hikari, também contratada da Globo, foi sondada para apresentar, mas expôs o mesmo argumento. O ator Marcos Oli, que fez as vezes de repórter da noite, no lugar de Duvivier, disse em suas redes sociais: “Eu não sabia que eu ia participar da apresentação. Eu tive que fazer, de última hora, uma substituição de uma pessoa de quem eu sou muito fã”, declarou o ator, sem mencionar Duvivier.

O apresentador e humorista Paulo Vieira, que está no ar na Globo e na GNT, compareceu ao evento sem sinalizar qualquer restrição e subiu ao palco em duas ocasiões: para saudar a plateia e para cantar um trecho do jingle de campanha, juntamente com outros artistas – nenhum global. Mas não discursou. A atriz Mônica Martelli, da GNT, também apareceu e fez um discurso pedindo voto em Lula. Na campanha de 1989, em que a classe artística se engajou e apareceu na propaganda eleitoral do petista, a Globo também tentou barrar a participação – mas não foi atendida. Nenhum contrato, naquela época, foi rescindido por motivos políticos.

Os artistas foram procurados pela reportagem, mas não quiseram dar entrevista. Uma empresária do meio artístico, que falou com a piauí sob a condição de não ter seu nome revelado, reclamou que o posicionamento político reverbera negativamente para trabalhos tanto nas telas quanto na publicidade. “Estamos num país em que querem que as pessoas sejam politizadas, mas tiram isso delas. É um absurdo. Marcas preferem que o artista não se posicione”, diz. Já outro empresário afirma que o tema já foi mais espinhoso dentro da Globo, e que, com o fim dos contratos por tempo indeterminado, a maior parte dos artistas tem trabalhado por obra, e por isso “se sente mais à vontade para se posicionar”. Na campanha de Lula, a orientação aos artistas foi vista como um mecanismo de proteção da emissora num período que antecede a renovação da concessão de TV, prevista para outubro, ainda no governo Bolsonaro.

Procurada, a emissora disse desconhecer qualquer veto. Segue a íntegra da nota: “A Globo cumpre rigorosamente a legislação eleitoral e tem uma política interna sobre eleições alinhada à sua posição de neutralidade e isenção. A Globo reitera que não apoia qualquer candidato e que, em questões eleitorais, se limita a realizar a cobertura jornalística das eleições, seguindo seus Princípios Editoriais. Por isso, nos períodos eleitorais, conversamos com os profissionais do nosso casting para relembrá-los sobre as regras que, entre outras restrições, impedem que contratados da empresa que desejem se candidatar estejam no ar em qualquer programa. Não existe proibição de manifestações políticas pessoais dos talentos artísticos, desde que não vinculadas à Globo, inclusive em eventos presenciais e nas redes sociais. Elas não podem envolver ativos da Globo, como instalações da empresa, cenários e figurinos de personagens etc. Não são permitidas manifestações de apoio a partido ou candidato em propagandas eleitorais no rádio e na televisão. Essas regras são essenciais para que não seja comprometida a percepção do público sobre a isenção da empresa. Aos jornalistas, no entanto, pela natureza da função, são vedadas manifestações de apoio eleitoral em quaisquer instâncias.”

 

Quando subiu ao palco para falar, perto das 21h30, Lula fez um aceno ao esforço de Janja para realizar o evento. “Eu não esperava que vocês tivessem a disposição de vir a um evento, sinceramente, extraordinário. O PT tem 42 anos. Nós nunca conseguimos fazer um evento dessa magnitude. Eu quero, Janja, já que não me deram a nominata, não me deram quem organizou, não me deram quem convidou vocês, eu quero, Janja, em teu nome, agradecer a cada mulher e a cada homem, a cada um de vocês que compareceu hoje. Porque foi uma coisa, para mim, muito emocionante.” 

Duas pessoas da equipe de produção ouvidas pela reportagem relatam que a realização do evento causou conflitos na comunicação da campanha. O briefing inicial, na avaliação de integrantes do PT, estava em tom de comemoração antecipada, e havia sido idealizado por Janja. Depois, a ideia foi reformulada para um ato de engajamento da militância e da classe artística pelo voto em Lula no primeiro turno. O conflito se deu, em parte, porque a comunicação da campanha está fragmentada. Há o núcleo do marqueteiro baiano Sidônio Palmeira, responsável pelas peças publicitárias. Há o núcleo de redes, gerenciado pela estrategista digital Brunna Rosa, que criou as contas “Lulaverso” em mídias sociais, no intuito de humanizar a figura do candidato petista. E há o núcleo “Janja”, responsável pela interlocução com a classe artística. Cada área tem sua liderança, e elas nem sempre estão em harmonia.

Ao final, a mensagem passada para as equipes foi a de que Lula ficou satisfeito. Janja também enviou aos grupos de WhatsApp responsáveis pela organização mensagens agradecendo o apoio. “Queria dar um abraço apertado em cada um de vocês.”