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Evangélicos sem bancada

É preciso sofisticar a análise dos grupos religiosos na política

Ana Carolina Evangelista | 03 ago 2018_06h55
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Aforças conservadoras na política praticamente já ganharam um nome: bancada evangélica. No entanto, os evangélicos na política institucional, e principalmente fora dela, são mais diversos e heterogêneos do que costumam ser representados no debate público.

A entrada mais numerosa e sistemática de evangélicos na política institucional se deu a partir da Constituinte de 1987. A chamada bancada evangélica surge nesse período, composta por 36 deputados federais. Atualmente, 75 deputados federais se declaram evangélicos e 198 compõem a Frente Parlamentar Evangélica, nome oficial. De cara os números não batem.

A imprensa costuma usar essa composição da Frente para reforçar que estamos vivendo uma “invasão evangélica”. O número também é usado por políticos para sobrevalorizar o seu próprio poder. Mas aqui temos a primeira confusão: é preciso diferenciar os parlamentares que se dizem evangélicos de todos aqueles que compõem ou são signatários da Frente Parlamentar, incluindo deputados não religiosos ou de outras religiões.

Na prática, o núcleo ativo desta bancada é menor e liderado por políticos evangélicos estridentes e ultraconservadores, o que acaba atraindo outras forças do Congresso Nacional que buscam defender pautas morais e de restrição de direitos.

Esta bancada vem impulsionando retrocessos aos direitos fundamentais – o Estatuto da Família, a redução da maioridade penal, o não reconhecimento de direitos da população LGBT, entre outros. Agora, se olharmos no detalhe a progressão de algumas dessas propostas no âmbito do Legislativo, percebemos que ela se deve a alianças com outros conservadores, religiosos ou não. Na votação da PEC 181, que retrocede na lei que delimita os casos legais de aborto, por exemplo, dos dezoito deputados – todos homens – que apoiaram a mudança, metade eram evangélicos e metade católicos. O alinhamento na atuação parlamentar se dá mais pelas pautas e pelo viés conservador do que por sua vinculação a grupos evangélicos.

De qualquer forma, é absolutamente imprescindível reafirmarmos a laicidade do Estado brasileiro, defendê-la e preservá-la, qualquer que seja o grupo que esteja ameaçando essa premissa.  

 

Políticos que reivindicam para si o título de lideranças da bancada evangélica tampouco representam a diversidade e a complexidade dos evangélicos na sociedade, como também costuma acontecer com outros grupos sociais supostamente representados no Parlamento. Sem contar que chamamos comumente de “evangélicos”, como um bloco homogêneo, uma população diversa em vários sentidos e ligada a denominações e igrejas evangélicas muito diferentes.

Pesquisas já indicam que principalmente a população evangélica mais jovem não se sente representada pela atuação desses parlamentares. Mesmo em segmentos evangélicos mais tradicionais.

Existem também diferentes grupos organizados de viés político progressista, como a Frente Evangélica pelo Estado de Direito ou a Frente Evangélica pela Legalização do Aborto. São minoritários e menos reconhecidos publicamente, é verdade. Mas com presença e atuação estratégica. Assim como existem políticos com mandato ou candidatos evangélicos progressistas nos mais diferentes partidos – PSDB, PSOL, PSB, Rede, PT.

Na hora que generalizamos e publicamente criticamos os malafaias e felicianos da política por eles serem evangélicos, e não por suas atuações misóginas, homofóbicas e xenófobas, estamos inviabilizando o trabalho de muitos grupos evangélicos na sociedade, e de outros políticos, que há tempos vêm resistindo e combatendo figuras com este perfil. Corremos o risco de enfraquecer essas resistências e perder a conexão com uma parcela crescente da sociedade.

Nessas eleições, a presença de lideranças desse segmento na política seguirá crescendo. O que nos exige um olhar criterioso, sem generalizações simplistas.

Queremos falar sobre o fortalecimento de ideias ultraconservadoras a partir do número de evangélicos eleitos? Então sejamos mais específicos sobre quais setores das Igrejas Evangélicas estão flertando com o autoritarismo no Brasil. Queremos falar em projeto de poder “dos evangélicos” ou da “Igreja Evangélica”? Não falemos no geral, tratemos do projeto de poder da Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo.

Analisar a população evangélica e suas lideranças na política a partir de simplificações só vai nublar a nossa capacidade de compreensão e reduzirá os canais de diálogo com essas pessoas. Maltas, cunhas, felicianos e suas turmas agradecem.

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