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questões cinematográficas

Exceção cultural & cultura excepcional

Analogias podem ser tão fáceis quanto enganosas. Mas com as devidas cautelas para evitar encobrir diferenças, podem também ajudar a clarear as ideias. Por mais distante que seja da experiência brasileira, a da França ressurge periodicamente como referência obrigatória a ser considerada.

| 25 jun 2013_15h45
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Analogias podem ser tão fáceis quanto enganosas. Mas com as devidas cautelas para evitar encobrir diferenças, podem também ajudar a clarear as ideias.

Por mais distante que seja da experiência brasileira, a da França ressurge periodicamente como referência obrigatória a ser considerada.

Artigo recente publicado no (Celestine Bohlen, “Protecting European Cinema”, 21 de junho de 2013) retoma a questão da exceção cultural, lembrando que no encerramento do último Festival de Cannes um cineasta famoso declarou que “a exceção cultural é a melhor maneira de preservar a diversidade na realização de filmes”. O autor da declaração foi o presidente do júri, Steven Spielberg, que a autora do artigo, Celestine Bohlen, chama de “mestre do blockbuster de Hollywood”.

Se a exceção cultural é tipicamente francesa, nem por isso deixa de servir de referência para a produção cinematográfica brasileira, na qual é possível observar (a) predomínio da tendência à padronização e rotina, (b) cópia de modelos considerados bem sucedidos comercialmente, (c) mimetismo da dramaturgia televisiva, e (d) tentativa de concorrer com o cinema americano nos termos dele e em desigualdade de condições.

Em muitos países, os ministros da Cultura estão atentos à questão e, segundo Celestine Bohlen, manifestaram, em maio, apoio à iniciativa da França de “excluir o conteúdo audiovisual dos entendimentos em curso sobre o tratado de livre comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia”.

E no Brasil? O que pensa a ministra da Cultura sobre a desigualdade de condições da competição, no mercado interno, entre a produção nacional e a americana? A inexistência de uma política cultural de Estado a esse respeito fragiliza ainda mais o cinema brasileiro que sempre foi o parceiro frágil dessa relação. Entre nós continua a ser inadmissível qualquer medida que afete os interesses dos distribuidores de filmes estrangeiros e dos exibidores, seus tradicionais parceiros.

A invasão de “filmes e shows, disponíveis a qualquer hora, em casa, por pouco dinheiro, ou ao menos uma pequena fração dos dez euros, ou treze dólares e vinte e cinco centavos que custo um ingresso para um cinema em Paris”, preocupa diretores europeus, informa Celestine Bohlen. E deveria estar também no topo da agenda dos cineastas brasileiros, já que a invasão ocorre em escala global.

“Para nós é muito difícil competir em um mercado que não seja regulado”, declarou Michel Hazanavicius, diretor de O artista, e presidente da sociedade civil francesa de escritores, diretores, e produtores, numa entrevista dada no final de junho, citada no artigo do . “Os americanos fazem filmes com orçamentos de cem milhões de dólares porque exibem seus filmes no mundo todo. Nosso mercado é a França. Se eliminarmos a ‘exceção cultural’, não morreremos, mas teremos um cinema esclerosado, como na Itália.”

Um cinema esclerosado. Será esse o caso do cinema brasileiro? Se a lógica de Michel Hazanavicius tiver consistência, seríamos obrigados a concluir que sim. Afinal, não podemos dizer sequer que nosso marcado é o Brasil. É lamentável a simples possibilidade de um cinema “amalucado ou com as faculdades mentais em declínio, que perdeu o juízo” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

A questão, no Brasil, é especialmente grave. Afinal, “a França produziu 279 filmes em 2012, graças a subsídios públicos anuais estimados em um bilhão de euros, o que torna o País o quinto maior produtor de filmes do mundo, e o primeiro da Europa, sendo também o quinto do mundo em receita de bilheteria e ingressos vendidos”. Números diante dos quais nossas estatísticas empalidecem.

Mas apesar de a produção na França ser quantitativamente expressiva, “há quem defenda diminuir o número de filmes feitos por ano e produzir mais filmes de qualidade”.  Célebre raciocínio falacioso que pressupõe a possibilidade de saber de antemão quais filmes serão de qualidade.

Hazanavicius considera que uma solução seria tornar “todos envolvidos em filmes – produtores, diretores e atores – mais interessados no seu sucesso financeiro e menos inclinados a inflacionar seus orçamentos”. Na França, “sucesso de público deixou de ser condição para ganhar dinheiro”. O resultado, segundo ele, é “uma bolha que não para de aumentar, e explodirá cedo ou tarde.” Analogia perfeita com a situação brasileira, na qual a probabilidade de a nossa bolha explodir não deveria ser negligenciada.

Segundo Celestine Bohlen, “é difícil imaginar que os subsídios sejam abandonados”. Para ela, o melhor a fazer seria “reformar a maneira que os filmes são financiados, na França, na esperança de inverter o sentido” da exceção cultural e “obter uma ‘cultura excepcional’, ao menos na tela prateada.”

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