A grande beleza
Feiura e beleza
Será preciso lembrar que um filme sobre o excesso não precisa ser excessivo? Ou que um filme sobre a decadência pode ser belo? Ou ainda que é postiço pode ser tratado de forma natural? A julgar por certas reações a A grande beleza, parece que sim. Segundo opiniões respeitáveis, o filme de Paulo Sorrentino seria um retrato da Roma contemporânea, pós Berlusconi. Pode até ser, mas isso justifica sua aberrante falta de senso de medida, conforme já comentado no post da semana passada.
Será preciso lembrar que um filme sobre o excesso não precisa ser excessivo? Ou que um filme sobre a decadência pode ser belo? Ou ainda que o que é postiço pode ser tratado de forma natural? A julgar por certas reações a , parece que sim. Segundo opiniões respeitáveis, o filme de Paulo Sorrentino seria um retrato da Roma contemporânea, pós Berlusconi. Pode até ser, mas isso justifica sua aberrante falta de senso de medida, conforme já comentado no post da semana passada.
Filmes não se confundem com seus temas e assuntos. Estão em outro plano – o da linguagem. São apenas um truque, como é repetido à exaustão no próprio filme A grande beleza.
Luis Fernando Veríssimo comentou o filme de Sorrentino em O Globo, na semana passada (23.1.2014). Para ele, “a beleza da Itália conspira contra seus cineastas”. Será mesmo? Deixando de lado sua referência à incompatibilidade, nos filmes de Fellini e Antonioni, entre a dramaticidade e a fotogenia do país, com relação a Veríssimo considera “covardia” usar a beleza de Roma para retratar os “prazeres da decadência”. Ora, seria quase o caso de mencionar ao Veríssimo o que ele está cansado de saber: um filme sobre os “prazeres da decadência” pode ser bonito.
Nos filmes de Antonioni, e especialmente em A aventura, a cenografia – dos conjuntos residenciais em construção, no início, ao terraço do hotel com o Etna ao fundo, no final, passando pela ilha rochosa, a igreja barroca etc. –, a cenografia reflete a cada momento o estado psicológico das personalidades em jôgo e os conflitos dos personagens. O contraponto entre a narrativa e as locações é justamente um dos traços que faz a grandeza de A aventura.
Em , o que prejudica o filme não é a beleza de Roma. Mas, antes, o langor complacente com que a câmera de Sorrentino percorre o lago do Gianicolo, no início, o Tevere, no final, e todos os locais turísticos onde a ação é encenada, inclusive o terraço do apartamento do personagem principal dando para o Coliseu. Falta a Sorrentino o que Antonioni, em Aventura, teve de sobra – a capacidade de criar um elo entre personagens e a paisagem.
Ao dizer que “o maior defeito do filme é sua duração”, Veríssimo vem ao encontro do que foi comentado no post da semana passada. Mas, mesmo aí, diríamos que o problema não é propriamente de duração e sim da agoniante redundância. É verdade que tem muitas cenas finais, como escreve Veríssimo. Ainda mais grave do que isso, porém, é repetir indefinidamente as mesmas situações do início ao fim
A grande beleza começa mal – com uma epígrafe – e depois piora, insistindo no inusitado. O espectador de bom senso deveria levantar e ir embora ao seu confrontado com a citação de Viagem ao fim da noite, de Louis-Ferdinand Céline. Epígrafes não passam de uma camada finíssima de verniz que procura dar lustro ao filme. Servem para dar uma pista para decifrar o enigma que, supostamente, permitirá ter acesso ao sentido do filme. E para impressionar os incautos, levando-os a acreditarem estar diante de uma obra culta.
No caso de , mal há tempo suficiente para ler a epígrafe, na qual Céline, e o vicário Sorrentino, fazem o elogio da viagem como meio para fazer “a imaginação trabalhar”. “Tudo é imaginado”, Céline escreve e, citando Littré, completa: “É um romance, nada mais que uma história fictícia”. Sorrentino parece querer refutar dessa maneira a possibilidade de ser tomado como um retrato de Roma, pois afinal “tudo é um truque”, como é repetido no filme.
Como se não bastassem as inúmeras vezes em que o tema será apresentado a partir da epígrafe, um turista japonês morre quando está fotografando a bela vista de Roma, do mirante do Gianicolo, cena interrompida por um grito animalesco e uma interminável festa mundana. O espectador que não tiver desistido depois de ler a epígrafe, poderia ir embora no fim da segunda sequência, pois Sorrentino nada mais terá a acrescentar, além do que já disse no início do filme
Para cúmulo da reiteração, Sorrentino inclui em A grande beleza dois breves planos do navio Costa Concordia semi-submerso. A ironia cruel é que ao recorrer a essa metáfora encontrou a representação perfeita do seu próprio filme – um naufrágio patético.
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