Em uma inspeção pela fábrica de carros elétricos da Tesla, Elon Musk se aproxima de um engenheiro na linha de produção e começa a pressioná-lo.
– Ei, isso aqui não está alinhado. Você que fez isso?
O funcionário hesita. Musk prossegue:
– Você que fez essa porra?
Confuso e assustado, o rapaz se atrapalha na resposta.
– Você é um idiota – diz Musk. – Caia fora daqui e não volte mais.
A cena acima é relatada no livro Elon Musk, biografia escrita por Walter Isaacson. Ela resume o estilo do bilionário que emergiu do setor de tecnologia para se tornar uma figura celebrada, ou odiada, em escala mundial.
Musk aparenta ter aversão ao convívio social, uma característica relacionada, segundo Isaacson, à Síndrome de Asperger – associada ao espectro do autismo e conhecida por afetar a capacidade de socialização. Ex-diretor da CNN e ex-editor da revista Time, Isaacson é um biógrafo consagrado, que já contou as histórias de vida de Leonardo da Vinci e Steve Jobs. Para escrever o novo livro, ele conviveu com Musk por dois anos, proximidade que pesou no resultado final – a favor do entrevistado. O comportamento tóxico de Musk é constatado em muitos episódios descritos no livro, mas a narrativa tende a minimizar as reações negativas do personagem. A Síndrome de Asperger, por exemplo, é citada com recorrência para justificar os múltiplos surtos de raiva do empresário. Ao relatar discussões agressivas com Musk, a ex-mulher Justine contemporiza: “A determinação e a distância emocional que faziam dele um marido difícil podem ser a razão do sucesso que ele obteve nos negócios.”
Com uma fortuna estimada em mais de 230 bilhões de dólares, Musk é hoje o homem mais rico do mundo e, pelo perfil de seus negócios, passou a ser um personagem de destaque no cenário geopolítico. Em fevereiro de 2022, nas horas seguintes ao primeiro ataque da Rússia contra a Ucrânia, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky entrou numa chamada por Zoom com Musk. A ofensiva russa interrompeu a distribuição de internet no país. Para restabelecer a comunicação na Ucrânia, a salvação foi a Starlink, rede de satélites criada por Musk para fornecer sinal de internet em todos os pontos do planeta. Musk discutiu a logística da operação diretamente com Zelensky, além de se reportar também ao alto comando das Forças Armadas dos Estados Unidos.
Com a Starlink, Musk deu uma contribuição decisiva para o funcionamento de serviços públicos ucranianos, como os hospitais, e para a comunicação das tropas de defesa em um país sob bombardeio. Com a Tesla, primeira fabricante de carros elétricos em larga escala nos Estados Unidos, ele ajudou a consolidar um setor que pode contribuir significativamente para o futuro do meio ambiente. A montadora criada por Musk vale hoje 1 trilhão de dólares.
O livro destaca o pioneirismo de suas empresas. Relata a evolução da SpaceX, a empresa de exploração espacial fundada em 2002, com o modesto objetivo de promover a colonização de Marte. O que inicialmente parecia uma excentricidade se converteu em uma companhia avaliada em 100 bilhões de dólares, que passou a liderar as missões espaciais e firmou contratos bilionários com a Nasa.
Em suas incursões empresariais, Musk aposta em uma equipe compacta, submetida a uma rotina extenuante de trabalho, prazos exíguos e muita pressão por resultados. Ao comprar o Twitter no ano passado, que passou a se chamar X, ele encontrou uma empresa que se orgulhava de seu ambiente de trabalho acolhedor, marcado pela preocupação com inclusão e diversidade. Uma premissa do Twitter era a valorização da chamada “segurança psicológica” de seus funcionários. Isaacson conta que, ao escutar esse termo, Musk “deu uma risada mordaz”.
Ele demitiu 75% dos funcionários do Twitter nos dois primeiros meses de operação. Assumiu a plataforma com o plano de abrir espaço para o que chama de “liberdade de expressão”. Na prática, houve uma escalada do discurso de ódio dentro da plataforma, que afugentou a publicidade. Quando usuários passaram a pedir um boicote de anunciantes ao Twitter, o defensor da “liberdade de expressão” reagiu furiosamente, e orientou sua equipe a remover as contas que faziam campanha contra a plataforma.
Isaacson pondera sobre a agressividade de Musk dizendo que ele não tem os “receptores emocionais responsáveis pela gentileza”. Em que pese o tom excessivamente diplomático do autor, o livro consegue expor as contradições marcantes na trajetória de Musk – um homem que expressa sua preocupação com o futuro da humanidade, ao mesmo tempo em que reage com desprezo ou indiferença aos humanos que estão ao seu redor.
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