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General Mourão anuncia frente de candidatos militares nas eleições

Ao passar para a reserva, comandante que defendeu golpe militar diz à piauí que vai articular candidaturas fardadas ao Congresso, assembleias e Executivo

Fabio Victor | 28 fev 2018_17h50
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Ogeneral Hamilton Mourão, que ganhou fama ao defender um golpe militar no país caso o Judiciário não punisse políticos corruptos, agora planeja coordenar uma frente de candidatos das Forças Armadas para as eleições de 2018. “Teremos muitos candidatos oriundos do meio militar – senão em todos, em grande número de estados. Embora concorrendo por diferentes lugares, eles terão uma linha-mestra de ação e um discurso mais ou menos aproximado, com os interesses da nação e dos militares. Eu serei um articulador disso aí”, declarou Mourão à piauí.

Nesta quarta, 28 de fevereiro, em cerimônia no Quartel-General do Exército, em Brasília, o general passou oficialmente para a reserva, depois de 46 anos na ativa. O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, elogiou o colega no Twitter. “Soldado na essência d’alma! Sentimos emoção genuína e reconhecimento ao @exercitooficial. Todos te agradecemos amigo Mourão os exemplos de camaradagem, disciplina intelectual e liderança pelo exemplo. #ObrigadoSoldado”, tuitou Villas Bôas.

Agora, Mourão será candidato à presidência do Clube Militar do Rio. Disse que usará a entidade como “polo aglutinador” das candidaturas dos colegas de farda e fórum de debates. Contou que três partidos – se recusa a dizer quais, “pois não seria ético” – o procuraram para negociar uma candidatura dele próprio nas eleições, mas que não se interessou. “Fui sondado para [concorrer a] presidente, governador [do Rio e do DF], senador e deputado federal. Mas minha visão é que, face a essa fragmentação político-partidária, existe uma certa fragilidade para se entrar no jogo partidário sem estar devidamente organizado para isso.”

Por ora eleitor declarado de Jair Bolsonaro (PSL), o general não descarta a possibilidade de concorrer em outubro. Afirma que pode mudar de ideia caso haja uma “hecatombe nuclear”. E o que seria essa hecatombe? “Se por acaso o processo político não transcorrer de forma organizada, se não tivermos mais candidatos que possam representar interesses de uma parcela da população e que eu me veja compelido a participar do jogo político como candidato.”

Sob o argumento de que a maioria ainda está em fase de negociação com partidos, Mourão evitou nomear os candidatos militares em 2018. Vários deles, entretanto, já estão em ritmo de campanha, alguns inclusive com endosso público do general. É o caso do tenente-coronel da ativa Luciano Zucco, que deve ser candidato a deputado estadual no Rio Grande do Sul, possivelmente pelo mesmo PSL de Bolsonaro. Num vídeo publicado em redes sociais, Mourão diz, ao lado de Zucco: “Nós precisamos de gente que tenha conhecimento, capacidade e determinação de enfrentar isso [a crise de segurança pública] e impor as medidas que forem necessárias para que a nossa população recupere o direito de ir e vir e viva em tranquilidade no nosso país. Esse aqui é o Zucco, podem contar com ele.”

Outro que está com o bloco na rua é o general da reserva Paulo Chagas, pré-candidato ao governo do Distrito Federal pelo PRP. Chagas é presidente do Ternuma (Terrorismo Nunca Mais), grupo que, segundo conta, foi criado para fazer o contraponto da história contada pelos “comunistas e subversivos” participantes da luta armada. O general fez circular um vídeo ao lado do Bolsonaro, em que o presidenciável o elogia.

Pelo menos mais dois generais da reserva devem concorrer em outubro. Um deles é Sebastião Peternelli, que buscará uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PSC de São Paulo. Peternelli ganhou notoriedade ao ser indicado pelo seu partido para presidir a Funai no início do governo Temer, em 2016. Após a imprensa publicar que o general fazia apologia ao golpe de 64, o Palácio do Planalto desistiu de nomeá-lo para o cargo. Na eleição de 2010, o general já concorrera a deputado, sem sucesso – teve 10 953 votos.

Ex-secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Norte, o general Eliéser Monteiro Filho pretende disputar o governo do Estado, provavelmente pelo PSL.

Deputado federal há 27 anos, Bolsonaro é o único parlamentar oriundo das Forças Armadas no Congresso – há outros com origem na Polícia Militar. A candidatura do capitão da reserva à Presidência e o provável surgimento de vários representantes militares na campanha constitui uma novidade eleitoral. Está em sintonia com o prestígio que as Forças Armadas ganharam nos últimos tempos entre a população brasileira, detectado em pesquisas de opinião, e no governo Temer – vide a intervenção na segurança no Rio. “É uma novidade se olharmos em tempos atuais. Se nós lembrarmos do período do Império e do início da República, até movimento de 64, sempre tivemos militares dentro do Congresso”, contextualiza Mourão.

Em sintonia com a avaliação da cúpula do Exército, o general que passou para a reserva criticou as medidas do governo federal no Rio. “É uma intervenção meia-sola. Acho que foi uma péssima linha de ação. No século XIX, quando o Caxias era nomeado interventor para conter revoltas, recebia tanto poder político como militar. Agora o interventor recebe só poder militar, mas não tem o poder político, num estado em que o crime organizado ataca nos dois níveis – no do colarinho-branco e no da bandidagem. Então, nós ficamos numa guerra e de mãos atadas.”

Aos 64 anos, Antonio Hamilton Martins Mourão vocaliza o sentimento de jovens defensores do retorno dos militares ao poder e de veteranos militares saudosos daqueles tempos. Adeptos do primeiro grupo levavam, nas manifestações pela queda de Dilma em 2015, um boneco gigante inflável de Mourão para a Esplanada dos Ministérios e inundavam as redes sociais com grupos de apologia ao general.

Em sua fala na cerimônia de passagem para a reserva nesta quarta-feira, Mourão voltou a elogiar o coronel Carlos Brilhante Ustra – acusado de torturas e assassinatos durante a ditadura e único militar reconhecido pela Justiça como torturador –, a quem chamou de “herói”.

Numa entrevista coletiva após a solenidade, o general afirmou ainda que o Judiciário precisa “expurgar da vida pública” o presidente Michel Temer e todos os que “não têm condições de participar dela”. Ele, porém, mudou o discurso de que seria necessário uma intervenção militar no país inteiro e passou a falar que a solução tem de ser pelo voto. “A população tem que saber escolher seus representantes”, disse à imprensa.

Ogeneral Hamilton Mourão começou a ganhar manchetes em setembro de 2015. Era então comandante militar do Sul, quando, numa palestra em Porto Alegre, afirmou, sobre uma eventual substituição de Dilma, que “a vantagem da mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção”. As declarações, aliadas à conivência com subordinados que haviam feito homenagens ao coronel Ustra, custaram o cargo a Mourão. O general perdeu o Comando Militar do Sul, ou seja, o poder de comandar tropas, e foi transferido para a Secretaria de Economia e Finanças do Exército, um cargo importante, mas burocrático, em Brasília.

Ele reapareceria em 2017. Durante palestra numa loja maçônica de Brasília, Mourão recebeu uma pergunta da plateia. Temer acabara de se safar no Congresso de ser investigado da primeira denúncia por corrupção feita pela Procuradoria-Geral da República. “Quando o presidente da República está sendo denunciado pela segunda vez e só escapou da primeira denúncia por ter comprado membros da Câmara Federal”, questionava o espectador, “não seria o momento de uma [sic] ‘intervenção constitucional’ com o emprego das Forças Armadas?” A medida não está prevista na Constituição. Mourão definiu a pergunta como “excelente” e afirmou: “É óbvio que quando olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando a gente diz: porque que nós não vamos derrubar esse troço todo? Na minha visão, e a minha visão coincide com a dos meus companheiros do Alto Comando do Exército, nós estamos numa situação daquilo que poderíamos lembrar lá da tábua de logaritmo, né? Aproximações sucessivas, até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso.”

Apesar da pressão para que fosse exonerado do cargo de secretário de Economia e Finanças do Exército, o comandante Villas Bôas contemporizou e o manteve na função. Embora tenha recuado na entrevista coletiva, Mourão afirmou à piauí que não se arrepende do que falou. “Em absoluto. Respondi uma pergunta hipotética de um debatedor e expressei aquilo que penso de forma clara e concisa. Todo mundo do Exército conhece claramente meu pensamento. Quando o país se vê lançado às portas do caos, quando ninguém obedece mais ninguém e a Justiça e o direito não operam, é necessário que haja algum tipo de intervenção – como está sendo feito agora no Rio.”

Menos de três meses depois da fala na loja maçônica, Mourão deu outra palestra, no início de dezembro, desta vez no Clube do Exército de Brasília. Ao traçar perspectivas para 2018, afirmou: “Nosso atual presidente vai aos trancos e barrancos, buscando se equilibrar, e, mediante um balcão de negócios, chegar ao final de seu mandato.” O general se referia a um dos cenários, o da “Sarneyzação”, traçados pela consultoria Macroplan para o desfecho do governo Temer, destacados numa coluna do jornalista Merval Pereira em O Globo.

Desta vez o Palácio do Planalto não gostou, e Mourão foi exonerado. Mas só para a torcida. Até entrar para a reserva na semana passada, o general continuou cumprindo suas funções como titular da Secretaria de Economia e Finanças, e nessa condição participou da última reunião do Alto Comando do Exército, entre 19 e 23 de fevereiro. A alegação do Exército foi que o trâmite interno para a troca de cargo é mesmo demorado, podendo levar mais de dois meses.

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