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Gonçalves Dias censurado

Gonçalves Dias tornou-se célebre entre nós desde o século XIX como o primeiro grande poeta a insistir em sua obra numa temática brasileira, e depois indígena. Paradoxalmente, quando ele quis abordar, aos vinte anos, uma carreira de autor teatral, escreveu em poucos anos quatro peças das quais nenhuma tinha tema brasileiro.

As páginas reproduzidas aqui são o título e o parecer do censor que fazem parte do manuscrito original de Beatriz Cenci, escrita em 1843 e copiada novamente pelo autor em 1845, quando Gonçalves Dias resolve submeter o texto ao Conservatório Dramático do Rio de Janeiro, condição necessária para que a peça pudesse ser representada no Brasil.

| 27 jun 2012_11h38
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Gonçalves Dias tornou-se célebre entre nós desde o século XIX como o primeiro grande poeta a insistir em sua obra numa temática brasileira, e depois indígena. Quem não conhece “Minha terra tem palmeiras ?  Onde canta o sabiá”, primeiro verso da famosa “Canção do exílio”, na qual o escritor exalta a terra natal?

Paradoxalmente, quando Gonçalves Dias quis abordar, aos vinte anos, uma carreira de autor teatral, escreveu em poucos anos quatro peças das quais nenhuma tinha tema brasileiro: , passada na Itália no século XVI, Leonor de Mendonça, com um tema histórico português, Boabdil, sobre o último rei árabe de Granada e Patkull, que ocorre na Alemanha e na Polônia no começo do século XVIII.

As páginas reproduzidas aqui são o título e o parecer do censor que fazem parte do manuscrito original de , escrita em 1843 e copiada novamente pelo autor em 1845, quando Gonçalves Dias resolve submeter o texto ao Conservatório Dramático do Rio de Janeiro, condição necessária para que a peça pudesse ser representada no Brasil.

Dramática, no caso, foi a recepção do censor à peça, que acabou proibida, conforme os termos do parecer do presidente do conservatório, Diogo Soares da Silva de Bivar: “Á vista da censura e do que dispõe o Imperial Decreto de 19 de julho de 1845, no artigo IV, não pode representar-se o drama intitulado Beatriz Cenci, Rio de Janeiro 21 de setembro de 1846”.

Por que motivos uma história italiana do século XVI – e transposta para o teatro por um jovem autor brasileiro ? seria censurada pelo Conservatório Dramático?

passa-se na Itália em 1598 e evoca o famoso episódio da atração pecaminosa de Francisco Cenci por sua filha Beatriz. Cenci é envenenado, mas tem tempo de matar a madrasta e confidente de Beatriz, Lucrécia. A história de Cenci foi popularizada pelo grande poeta inglês Shelley em 1819, em seguida recuperada por Stendhal e pelo italiano Guerrazzi. Tornou-se assim – ainda que algo escabroso ? um dos temas recorrentes para os autores românticos no século XIX.

Não surpreende que fosse portanto retomada por Gonçalves Dias por já ter sido abordada por grandes autores europeus.

Consta da biografia do poeta que a peça teria sido recusada pelo “texto imoral”, mas Afrânio Coutinho, destacado estudioso da nossa literatura, menciona que o motivo da recusa teria sido o fato de “conter erros crassos de linguagem”. Coutinho duvida dessa informação, pois também afirma que o parecer do conservatório “reconhecia invenção, disposição e estilo, impugnando apenas por imoral”.

A peça nunca foi portanto representada, mas Gonçalves Dias conservou o manuscrito submetido ao Conservatório Dramático entre seus papéis. Em algum momento este manuscrito, ? juntamente com o de outra peça de teatro e de vários poemas ? foi oferecido ao Imperador D. Pedro II, que os mandou encadernar juntos num rico volume verde que incorporou à sua biblioteca.

Ironicamente, foi o mesmo Imperador sob as ordens do qual a peça de Gonçalves Dias acabou proibida, quem tanto valorizou mais tarde seu manuscrito, e o quis conservar como preciosidade de um autor que admirava profundamente.

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