A guerra das telas
Alckmin x Bolsonaro é teste final sobre quem comanda a eleição: tevê ou celular
Diga-me qual tela preferes e te direi em quem votas: a da tevê ou a do celular? Ainda não se chegou lá, mas a se comprovar tal correlação, estaremos a meio caminho de prever em quem alguém vai votar com base em seus hábitos de consumo de informação. A popularização repentina dos telefones celulares inteligentes no Brasil, a universalização das mídias sociais, e a mudança no jeito de uns e outros se informarem estão apartando os eleitores não apenas por preferência ideológica, mas também tecnológica. Se o meio é a mensagem, a tela preferida pode entregar o voto.
Em menos de dois anos, os meios digitais cresceram mais de 50% na preferência do eleitor brasileiro quando ele quer se informar sobre política. Segundo o Ibope, metade do eleitorado busca informações para ajudar a escolher seu candidato em portais de notícias na internet, em redes sociais ou em blogs. Era apenas um terço em 2016. Nenhum outro fator de influência no voto cresceu tanto nem tão rápido. É quase uma revolução – com impacto direto no resultado que vai sair das urnas.
Eleitores de candidatos presidenciais diferentes têm hábitos distintos na hora de se informar sobre política. Se prefere o celular, cresce a chance de preferir também Jair Bolsonaro, do PSL. Os perfis dos dois grupos são semelhantes: masculino, jovem, escolaridade mais alta que a média e morador do Sudeste. Não se trata necessariamente de uma relação de causa e efeito. Causalidade é difícil de provar. Mas é mais do que coincidência.
Obviamente, nem todo homem jovem que cursou faculdade e mora em São Paulo, Rio ou Minas é eleitor de Bolsonaro, mas a probabilidade de ele votar no candidato do PSL é muitas vezes maior do que a de uma eleitora de meia-idade que passou pouco tempo estudando e mora no interior de Pernambuco ou Bahia eleger o militar reformado. Do mesmo jeito que é enorme a chance de o bolsonarista crer mais no seu Android do que no Jornal Nacional.
Na pesquisa, o Ibope pede ao eleitor para citar duas fontes de informação. A tevê manteve-se estável: 70% ainda usam a tela grande para se informar. Mas a tela do celular cresceu mais de 50%, transformando a internet no segundo canal de informação política mais relevante durante a eleição. Superou o rádio (decadente, foi citado em 18% das respostas), bateu revistas e jornais impressos (19%) e ultrapassou as conversas com familiares, amigos e colegas (13%). Você, caro leitor digital, não é mais minoria. A causa? A massificação dos smartphones.
Em 2013 – quando as ruas ferviam com os protestos que solaparam a popularidade de Dilma Rousseff –, apenas 15% dos adultos do país tinham um iPhone, um Samsung no bolso ou na bolsa. No ano seguinte, a presidente conseguiu a duras penas se reeleger, e os celulares inteligentes já atingiam 24% dos eleitores. Quando novas manifestações ajudaram a derrubar Dilma, 41%. Em 2017, viraram a maioria do eleitorado, pela primeira vez, como revelou reportagem de Yasmin Santos na piauí. São quase 90 milhões de eleitores com os olhos na tela de um smartphone.
Melhor dizer grudados na tela. Pesquisas sobre frequência de uso desses aparelhos calculam que o brasileiro olhe seu smartphone 78 vezes por dia. Outras estimam o dobro. Nenhum outro equipamento tecnológico é mais próximo, influente, íntimo até. Exagero? Pesquisadores afirmam que o usuário toca seu celular duas mil vezes por dia. Qual cônjuge recebe tanta atenção?
Não é à toa que a explosão de notícias falsas e o aumento de sua influência eleitoral ao redor do mundo coincidiu com o domínio dos celulares inteligentes sobre o cotidiano dos usuários. A frequência frenética de consulta à sua tela expõe o eleitor a muito mais oportunidades de ser influenciado por uma notícia – verdadeira ou não – do que a tevê costumava expor. É o WhatsApp, é o Facebook, é o Twitter, o YouTube, são as mensagens de texto.
Quer dizer, então, que nesta eleição presidencial a tela do celular vai ser mais determinante do que a tela da tevê?
Influente já é. A tela do smartphone é a principal interface para mobilizar militantes e organizar protestos e greves – como se viu durante a paralisação dos caminhoneiros, em maio deste ano. Se será decisiva, é cedo para dizer. Enquanto a campanha eleitoral não empolga a maioria dos eleitores, o que se tem visto é o oposto: a tela da tevê pautando a tela do celular.
Com exceção de Bolsonaro e Lula, todos os outros presidenciáveis que contam tiveram o pico de pesquisas por seu nome – bem como de citações no Twitter – após aparecerem em um programa de entrevistas que está no ar desde antes de o celular existir. Mesmo com pouco Ibope, o Roda Viva, da TV Cultura, provocou picos de curiosidade no Google sobre Ciro Gomes, Marina Silva, Manuela D’Ávila, Geraldo Alckmin, Guilherme Boulos, João Amoêdo e Álvaro Dias, segundo reportagem de Marcella Ramos na piauí.
Então é o contrário? O celular só reproduz o que manda a tevê?
Nem uma coisa nem outra. As duas telas convivem em simbiose. Uma alimenta a outra. Muitas vezes, como no caso das entrevistas ao Roda Viva e nos debates eleitorais, o smartphone potencializa o que aparece na tevê e vice-versa. Uma tela aumenta a influência da outra. Mas essa regra não é universal nem permanente.
Por vezes, a narrativa (argh!) de uma tela contradiz a da outra. O celular diz que a tevê mente, ou acontece o contrário. Quanto mais hardcore é o usuário da tela pequena, maior a chance de ele duvidar do que assiste na tela grande. Basta acompanhar o que dizem os eleitores mais fanáticos de Bolsonaro nas redes: é “globolixo” para cá, “imprensa esquerdopata” para lá.
“Bolsonaro tem militância espontânea nas redes sociais. Talvez por isso os poucos segundos de propaganda a que tem direito não venham a prejudicá-lo quando o horário eleitoral começar na tevê”, diz Márcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligência.
Essa é a questão de 147 milhões de votos. Políticos do Centrão e os donos do capital se perguntam: agora que o tucano conseguiu montar a “maior aliança do Ocidente” e monopolizar quase 40% do tempo de propaganda, a tevê vai conseguir ressuscitar a campanha presidencial de Alckmin e desidratar a de Bolsonaro?
José Serra, em 2002, e o próprio Alckmin, em 2006, também conseguiram 40% do tempo de propaganda eleitoral. Foi o suficiente para chegarem ao segundo turno das eleições presidenciais daqueles anos, mas não para se elegerem. A escrita vai se repetir em 2018? Era outro mundo, outra cena. Smartphone e mídias sociais não eram atores naquele palco. Não só isso.
Dezesseis ou doze anos atrás, a polarização era entre PT e PSDB. Em 2006, Alckmin era candidato de oposição contra um governo razoavelmente popular – a despeito do mensalão. Agora, é candidato apoiado pelos partidos que dão sustentação ao governo mais impopular que se tem registro no Brasil. Mais do que a militância virtual de Bolsonaro ou mortadelas petistas, o candidato do PSDB terá que se desembaraçar do legado de Temer.
Ao mesmo tempo, sua presença na tela do celular é notória pela ausência. Praticamente não existe nas mídias sociais. Só lhe resta a tela da tevê. Se chegar ao segundo turno, será por causa dela e só dela. Bolsonaro é o oposto: se garantir lugar no turno final será por causa do celular. O embate Alckmin x Bolsonaro é o teste definitivo a determinar qual tela comanda a eleição.
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