Hipótese Jean-Claude Bernardet
No e-mail publicado ontem, Jean-Claude Bernardet escreve que “nossa [dele e minha] forma de pensar é velha, não nos ajuda a pensar a situação nem a agir.” Será mesmo? Não consigo identificar sinais de velhice na forma de pensar do Jean-Claude, muito pelo contrário. Ele sempre foi, e continua sendo, preocupado em raciocinar a contrapelo, buscando estar em “sintonia com a realidade”. E o faz de maneira brilhante sem se considerar contraditório, anarquista, confuso e desconexo.
No e-mail publicado ontem (17/6/2013), Jean-Claude Bernardet escreve que “nossa [dele e minha] forma de pensar é velha, não nos ajuda a pensar a situação nem a agir.” Será mesmo?
Não consigo identificar sinais de velhice na forma de pensar do Jean-Claude, muito pelo contrário. Ele sempre foi, e continua sendo, preocupado em raciocinar a contrapelo, buscando estar em “sintonia com a realidade”. E o faz de maneira brilhante sem se considerar contraditório, anarquista, confuso e desconexo.
Vencendo minha resistência inicial ao método do Jean-Claude, surgida na década de 1960, aprendi com o tempo a admirar a sabedoria dele, mesmo sem estar sempre de acordo com o que escreve.
A crítica de Jean-Claude ao pensamento dualista, no qual reconhece, ao mesmo tempo, “uma forma essencial da nossa cultura atual”, é curiosa. Ele sabe muito bem que nada impede fenômenos complexos de serem descritos recorrendo a um modelo binário que não resulta, necessariamente, em reducionismo. A teoria antropológica nos ensina que o valor heurístico do dualismo permanece intacto, embora indissociável do triadismo.
Ao contrário do que Jean-Claude sugere, não neguei o caráter cultural e artístico dos poucos filmes nacionais que dialogam com o espectador. Assim como não afirmei que a redoma na qual o cinema brasileiro viceja é ocupada apenas pelo filme autoral. Ao contrário, escrevi que “o chamado cinema ‘comercial’, na falta de designação melhor, e o ‘culto’, na verdade, essa mesma redoma.”
O modo de produção é um só para todos e até o momento não propiciou a capitalização sequer dos produtores dos sucessos de público que poderia torná-los independentes do Estado – indicador irrefutável de que os incentivos fiscais não cumpriram uma de suas funções.
Ao contrário do Jean-Claude, não faço a defesa dos De pernas para o ar e de outros filmes assemelhados contra “as gentes bem pensantes, os intelectuais, os artistas, os autores, os poetas e outros de gosto requintado”, como ele escreve. E a comparação feita por ele com a resistência à chanchada me parece anacrônica.
Minhas questões são outras – a falta de um conjunto expressivo de filmes que, nas palavras do próprio Jean-Claude, fale “diretamente, sem circunvoluções (o que seria o pós-Hoje), agarrado ao presente quente”; a permanência do déficit histórico de originalidade do cinema brasileiro, que remonta às suas origens; o predomínio atual de filmes rotineiros, destituídos de substância.
O aumento e diversidade da produção são essenciais. Mas tão ou mais importante é romper o paradigma economicista e não ter como projeto apenas mimetizar modelos comercialmente consagrados para atender uma demanda criada pelos blockbusters americanos voltada para adolescentes e adultos infantilizados.
Ninguém pode, em sã consciência, ser contra a existência da Riofilme e da Ancine, opinião que me foi atribuída indevidamente (não pelo Jean-Claude). Muito menos a favor de liquidar instituições à semelhança do que ocorreu em 1990. Isso não deve nos impedir de avaliar de maneira crítica a atuação de ambas, a qual, além de emperrada, tem sido voltada para o que definem, ilusoriamente, como sendo “comercial” e, além disso, no caso da Riofilme, para incentivos ao turismo. É essa política em vigor que nos impõem dicotomias simplificadoras.
Em vez de considerar nossa forma de pensar velha, talvez seja mais importante considerar a possibilidade de estarmos tratando de uma questão ultrapassada – sina do pensamento de sociedades que já foram chamadas de subdesenvolvidas e passaram a ser conhecidas como emergentes. Formações sociais que se industrializaram e modernizaram, mas preservam alto índice de desigualdade social. E que costumam perseguir, sem alcançar, modelos que já estão se tornando obsoletos. Chegam atrasadas, quando chegam, e costumam encontrar novos paradigmas servindo de referência.
“Filmes têm um futuro?” Dado o grau de integração mundial atingido pelo mercado exibidor, tanto de salas quanto das demais mídias, seria preciso repensar o projeto dos centros de produção periféricos quando uma pergunta como essa é feita. (Do the Movies have a Future?, David Denby. New York: Simon&Schuster, 2012). Mas não temos levado na devida conta a destruição do cinema pelos conglomerados que controlam os estúdios americanos e que vem sendo denunciada desde a década de 1980.
A chamada “experiência fílmica” vem se alterando há pelo menos duas décadas, período no qual temos nos deixado levar pelo predomínio globalizado do cinema dominante, acolhendo a produção internacional sem obter reciprocidade para o filme brasileiro no mercado externo – dois terços da receita dos blockbusters americanos provém do mercado internacional. Sem presença nesse mercado, e com acesso limitado ao mercado interno, a equação financeira do cinema brasileiro jamais fechará.
Se não formos capazes de forjar um projeto alternativo original, estaremos condenados à mediocridade que sempre nos acompanhou. Citando Paulo Emílio, Jean-Claude lembrou há tempos que “temos sempre que nos perguntar se a força do opressor é a força do opressor ou a fraqueza do oprimido.” (Historiografia clássica do cinema brasileiro. São Paulo: Annablume, 1995. p.108). Opressor e oprimido – Jean-Claude negará o mérito perene desse típico pensamento dualista?
O audiovisual aparece junto com a cultura em 15º lugar na lista de setores favorecidos por isenção fiscal (“Isenção tributária soma R$ 170 bi por ano”, Folha de S.Paulo, Mercado, B1, 16 de junho de 2013). Em seu conjunto, o cinema brasileiro tem estado à altura desse benefício?
Leia Mais
Assine nossa newsletter
Email inválido!
Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí