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Questões da Ciência

Homenagem de mau gosto

Cientistas brasileiros forma vítimas de mais um caso de plágio divulgado recentemente. Um estudo publicado em 2006 por pesquisadores das universidades federais de São Paulo (Unifesp) e do Rio de Janeiro (UFRJ) foi retomado quatro anos depois praticamente na íntegra por cientistas espanhóis. Identificado pelo grupo brasileiro, o artigo foi invalidado pelo grupo responsável pelo plágio.

Bernardo Esteves | 16 set 2011_12h02
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Cientistas brasileiros foram vítimas de mais um caso de plágio divulgado recentemente. Um estudo publicado em 2006 por pesquisadores das universidades federais de São Paulo (Unifesp) e do Rio de Janeiro (UFRJ) foi retomado quatro anos depois praticamente na íntegra por cientistas espanhóis. Identificado pelo grupo brasileiro, o artigo foi invalidado pelo grupo responsável pelo plágio.

O trabalho original do grupo brasileiro foi publicado no Journal of Clinical Microbiology. Tratava-se de um estudo epidemiológico sobre a incidência da candidemia em onze hospitais públicos de nove cidades brasileiras. Causada pela infecção do sangue por fungos do gênero Candida, essa é uma doença comum em hospitais, especialmente em pacientes internados por muito tempo. O artigo espanhol, por sua vez, investigou a ocorrência dessa infecção na Espanha. Foi publicado em 2010 na mesma revista.

Não houve plágio de resultados: o grupo espanhol, liderado por Ramón Cisterna, do Hospital Basurto, de Bilbao, de fato colheu dados sobre candidemia em 40 hospitais daquele país. Na hora de redigir o artigo, contudo, eles preferiram se inspirar no trabalho brasileiro. A estrutura dos dois artigos é idêntica. Na introdução, na descrição dos métodos, na apresentação e na discussão dos resultados e nas referências bibliográficas, há extensas passagens retomadas praticamente na íntegra. Até os agradecimentos têm similaridades na forma como são apresentados.

A semelhança começa já na primeira frase do resumo de ambos os artigos, retomada ipsis litteris pelos espanhóis. A identidade segue ao longo de todo o texto. Em algumas passagens, há modificações pontuais e quase imperceptíveis. Na seção de resultados, por exemplo, onde se lia no artigo brasileiro “Incidência e demografia”, os espanhóis acharam por bem inverter para “Demografia e incidência”.

“Trata-se de um plágio grosseiro”, disse numa entrevista telefônica o infectologista Marcio Nucci, professor da UFRJ e coautor do trabalho. “Parece até uma coisa primária, de gente que não tem nem ideia de como essas questões são regidas do ponto de vista ético.”

A fraude foi descoberta por uma aluna de pós-graduação do também infectologista Arnaldo Colombo, professor da Unifesp e primeiro autor do artigo. “O plágio foi tão escandaloso que ela não teve dificuldade para perceber que os dois artigos eram muito iguais”, contou Nucci. Colombo levou o caso aos responsáveis pela publicação da revista. Os editores levaram alguns meses para apurar o caso e desqualificar o artigo.

Em março, a editora publicou uma nota do grupo espanhol, na qual eles pedem a retratação do artigo. O texto soa no mínimo irônico e dá a entender que o plágio foi uma questão de mera desatenção dos autores. “Depois de publicado o artigo, demo-nos conta de que a maior parte do texto havia sido plagiada quase verbatim do [artigo da equipe de Colombo]”, diz a nota. “Os autores expressam sinceras e profundas desculpas ao professor Colombo e a sua equipe, à comunidade de microbiologia clínica e aos leitores do por essa situação constrangedora.”

A nota conclui afirmando que quatro dos coautores do estudo espanhol não deveriam ter constado da lista de autores, por ter dado contribuições isoladas e por não terem se envolvido com a redação do artigo. Dificilmente o crédito a esses pesquisadores teria sido retirado se o caso não tivesse vindo à tona.

O caso foi trazido a público no fim de agosto pelo Retraction Watch, blog que acompanha de perto os casos de estudos invalidados pelos periódicos. Esse observatório do mercado da publicação científica foi também o responsável por divulgar a maior acusação de fraude já feita a cientistas brasileiros – no fim de abril, pesquisadores da UFMT e da Unicamp foram acusados de forjar os resultados de 11 estudos. O caso foi relatado numa reportagem da piauí de setembro, que ouviu os pesquisadores acusados e discutiu com especialistas em ética na ciência o aumento do número de casos de fraude que têm vindo à tona. A reportagem está disponível on-line para assinantes da revista.

Arte: Narciso contempla seu reflexo na água em tela pintada no final do século 16 pelo italiano Caravaggio (1571-1610). 

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