O mais novo livro do pesquisador e jornalista Bruno Paes Manso retrata um ponto cego de uma sociedade em transformação. A fé e o fuzil narra o crescimento das igrejas neopentecostais e o desenvolvimento do crime organizado no país como dois fenômenos distintos que, no entanto, compõem um mesmo quadro: o da busca por afirmação, ou mesmo sobrevivência, de grupos que ficaram excluídos no processo de urbanização do país no século XX. “Diante dos desvalidos abandonados no meio do caminho por governos frágeis e ineficientes, a própria sociedade precisou descobrir maneiras de atenuar a miséria e sobreviver. Com o passar do tempo, duas soluções foram adotadas para organizar a vida caótica das cidades: a fé e o fuzil”, escreve o autor.
Situando-se entre o livro-reportagem e o ensaio, o texto de Paes Manso conduz o leitor para dentro desses dois mundos à medida que apresenta e conta a história de personagens como o pastor Edson, Marcelinho, Alexandre, entre outros tantos. Pessoas com quem o próprio autor conviveu ao longo de mais de vinte anos de repórter, focado na temática da segurança pública.
De acordo com Paes Manso, o novo pensamento pentecostal, difundido de boca em boca, admirador de um Deus guerreiro do Velho Testamento, colocou no diabo a culpa da miséria e da falta de oportunidade, apontando caminhos para os pobres se aceitarem, se transformarem e, com autocontrole, ganharem dinheiro, tornando-se consumidores e cidadãos respeitados. De outro lado, ao menos em São Paulo, o PCC também criou uma nova ordem: atuaria como uma “agência reguladora do mercado do crime, para criar ordem e previsibilidade em um mundo violento e sem governo”.
Com equilíbrio e amparado por pesquisas nas duas áreas, o autor fala de religião e crime tomando o cuidado de não misturar religião e crime. Em geral, os dois campos de fato não se misturam — com algumas exceções, entre elas o Complexo de Israel, facção criminosa que cresce no Rio de Janeiro apoiando-se num discurso religioso, e casos como o de Valdeci “Colorido”, que Paes Manso também menciona. Aí, sim, a fé e o fuzil se fundem. “Apesar do abismo que separa as visões do crime e da religião, também existiam afinidades relevantes entre as duas esferas, como a defesa da prosperidade e o espírito guerreiro, típico dos que emergiram da miséria. Dependendo das circunstâncias e dos resultados da parceria, desde que certos limites fossem respeitados, ambos os lados podiam se tolerar ou até mesmo se misturar.”
O livro é mais uma contribuição do autor, depois da publicação de A República das Milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro, de 2020, no qual ele descreveu as origens dos grupos milicianos, com um domínio crescente nos bairros cariocas iniciado nos anos 2000. Naquela obra, ele sustenta que a tolerância da sociedade para com os assassinatos cometidos pela polícia empurrou muitos policiais para a carreira no crime. Paes Manso também é autor de A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, de 2018, em coautoria com Camila Nunes Dias.
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