Retorno de Casanova
Jean-Luc Godard – um homem cordial (II)
Sete anos depois do encontro em Pau, Godard e Ophuls retomaram a conversa, agora em Genebra.
Ophuls evoca o tempo em que era protegido de François Truffaut e encontrava Godard, ocasiões em que bebiam juntos e ele pensava em Vittorio De Sica ou Marcello Mastroianni para o papel de Casanova, na adaptação que planejava filmar de Retorno de Casanova, de Arthur Schnitzler. Godard sugeriu, na época, Alberto Sordi para o papel e Ophuls achou a ideia formidável. Mas acabou não fazendo o filme. O romance só veio a ser adaptado por Jean-Claude Carrière e dirigido por Edouard Niermans, em 1992, com Alain Delon no papel de Casanova.
Sete anos depois do encontro em Pau, Godard e Ophuls retomaram a conversa, agora em Genebra.
Ophuls evoca o tempo em que era protegido de François Truffaut e encontrava Godard, ocasiões em que bebiam juntos e ele pensava em Vittorio De Sica ou Marcello Mastroianni para o papel de Casanova, na adaptação que planejava filmar de , de Arthur Schnitzler [foto ao lado]. Godard sugeriu, na época, Alberto Sordi para o papel e Ophuls achou a ideia formidável. Mas acabou não fazendo o filme. O romance só veio a ser adaptado por Jean-Claude Carrière e dirigido por Edouard Niermans, em 1992, com Alain Delon no papel de Casanova.
Depois do fracasso do seu segundo longa-metragem, Feu a volonté (1965), com Eddie Constantine, que estreou no mesmo dia de Alphaville, Ophuls precisava, nas suas próprias palavras, por a “marmita para ferver”. Era casado, tinha filhos, “era preciso fazer alguma coisa, continuar” e então se tornou documentarista.
Trabalhando para a ORTF [rádio e televisão francesa], fez seu primeiro documentário histórico, em 1967, sobre o Acordo de Munich [tratado assinado pelo Reino Unido, França, Alemanha e Itália, em setembro de 1938, permitindo à Alemanha anexar territórios da Tchecoslováquia próximos à fronteira alemã. Conhecido também como a traição de Munich, pelo fato de Tchecoslováquia sequer ter sido convidada a participar, é considerado uma tentativa fracassada de apaziguar a Alemanha], nas palavras de Ophuls, “cabeças falantes com arquivos”, tendo duração de três horas e meia –Munich, ou La Paix pour cent ans (Munich, ou a paz por cem anos). A ideia de fazer uma continuação levou à feitura de Le chagrin e la pitié (A tristeza e a piedade, 1969).
Ophuls confessa que teria gostado de voltar ao “verdadeiro cinema”, o que Godard acha um comentário interessante e Ophuls completa dizendo que tinha o sentimento de estar “embarcado num cinema menor”.
Para Godard, porém, não se deve opor documentário e ficção. Hotel Terminus, de Ophuls, “é os dois” e o que “o interessava é quando você cruzou, se ouso dizer, a linha de demarcação” entre os gêneros.
Acontece, diz Ophuls, “que sou filho do meu pai e eu gosto de filmes com atores, me parece não serem tão insatisfatórios, de certa maneira, mais divertidos… e talvez, não tendo vindo ao documentário de modo inteiramente livre – nesse gênero que nem sempre é menor mas pode ser menor com facilidade – tentei cada vez mais que os personagens sejam como personagens de ficção.”
Godard não viu A tristeza e a piedade na época do lançamento, segundo ele, por que “não era capaz, por causa também de todo o inconsciente político” que há no filme. Na época, diz Ophuls, “não tínhamos precisamente as mesmas ideias políticas, hein!”. “Não creio, eu não me lembro,” observa Godard, provocando risos da plateia. “Não me lembro sobre o que discordávamos.”
MO: “Havia uma controvérsia, de qualquer modo, quando você veio me ver na minha horta. Fizemos o tour dos feijões e dos tomates, você tinha vindo de longe para ver se podíamos fazer um filme juntos sobre o Oriente Médio.”
JLG: “O que me interessava na época era fazer um filme que se chamaria apenas ‘ser judeu’. Eu tinha vontade de perguntar, já é alguma coisa: o que quer dizer para mim ser protestante? Eu protesto contra o Centro de cinema, ou protesto contra a proibição de fumar em Genebra. (risos) Mas ser protestante, isso não tem sentido. Ora, eu sinto que há um certo número de pessoas, até mesmo todo um povo, para o qual ser judeu não é a mesma coisa que ser francês, alemão ou suiço. Parece-me que ser judeu é bem diferente do que ser alemão, ou ser escritor, e é por isso que, nestes tempos, tenho muita relutância em usar o verbo ser [être], se quiserem. Essa é a história do nosso encontro quando eu fui vê-lo [em 2002], o que ninguém fazia, aliás, na época. Quando fui vê-lo na sua pequena casa, perto da estrada de ferro que você havia percorrido com seu pai.”
MO: “Ser judeu. Penso que no século vinte, era sobretudo uma questão de destino. Eram os outros que decidiam o que se era e o que não se era. Você me disse com clareza que era essa a questão fundamental enquanto fazíamos o tour da horta? Não?”
JLG: “Não, com certeza, não. Eu não era capaz. Mas era exatamente…”.
MO: “Não é difícil, simplesmente, você talvez não quisesse ser claro demais…[…] Nossa memória é sempre um pouco seletiva, mas a de Jean-Luc às vezes é seletiva e conscientemente seletiva. (risos) Quando você veio me ver, foi para me propor…Não em parece que era sobre a condição de ser judeu ou não ser judeu. Era eu creio, precisamente, sobre a Palestina e Israel.”
A conversa continua, tratando do que François Truffaut chamou de “política dos autores” – a “noção de autor não existe. Era um erro”, diz Godard, e ainda: filmes de encomenda – “se você tem um dólar, você pode fazer um filme de um dólar”; o melhor livro já escrito sobre cinema é Seis lições sobre o som e o sentido, de Roman Jakobson. Para Ophuls, é a autobiografia de Frank Capra, e ainda: marginalização – “é preciso não se marginalizar deliberadamente”. Querer ou não ser produtor – “essa é a grande diferença entre nós”, diz Godard. Para ele, o produtor pode ter controle, o metteur en scène, não. Como metteur en scène “eu ficava reduzido, ou a mendigar ou a aumentar o orçamento, o que muita gente faz”.
MO: “Foi Bertrand Tavernier quem também me dizia: ‘A época do seu pai, dos grandes senhores, terminou, se não se quer mendigar, se o que se quer é preservar sua independência…’ (silêncio). Procuramos discordâncias, mas, de fato, estou totalmente de acordo com Jean-Luc Godard. Como digo sempre, eu errei e fiz uma armadilha para mim mesmo.[…]
Para Godard, o cinema continua sendo a medida, o valor supremo: “Para mim, a honestidade passa antes pelo filme. Pelo cinema. Judeu, política, ou o que você quiser, meu termômetro ou meu instrumento de medida é o cinema. Que filme ele fez? Quando? Em que época?…E coisas assim. Eu gosto dele, eu não gosto dele? Se não gosto dele, eu desconfio dele. Se eu gosto…[…] Eu posso assegurar cem mil ou duzentos mil francos suiços, posso fazer um empréstimo…Isso é suficiente para garantir a viagem, o vídeo não custa nada […]
MO:”Podemos talvez voltar a falar disso, então…(risos) nos próximos dias…
JLG: “Mas está feito…” (aplausos)
O filme a quatro mãos cogitado não foi feito. E essa transcrição resumida termina com um comentário nada eufórico:
MO: “A tristeza e a piedade, somente em salas de cinema na França, tinha feito seiscentos mil ingressos. Veillés d’armes [Documentário de Marcel Ophuls, feito em 1994, sobre o jornalismo em tempo de guerra, tendo como pretexto inicial os repórteres que cobrem a guerra da Bosnia] fez dezenove mil (suspiro). Então é verdade que eu gostaria de poder voltar a trabalhar mas o mínimo que se pode dizer é que esse não é um resultado que possa ser considerado bem sucedido.”
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