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Jornada, catracas e vandalismo – um ano depois (III)

Em 21 de junho de 2013, dia seguinte à segunda manifestação ocorrida em Fortaleza, Com vandalismo acompanha a terceira, a caminho da Prefeitura Municipal ao som do Hino Nacional. Vândalos e pacificistas começam a fazer o papel uns dos outros até serem dispersados pela cavalaria.

| 04 ago 2014_14h27
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Em 21 de junho de 2013, dia seguinte à segunda manifestação ocorrida em Fortaleza, acompanha a terceira, a caminho da Prefeitura Municipal ao som do Hino Nacional. Vândalos e pacificistas começam a fazer o papel uns dos outros até serem dispersados pela cavalaria.

Depois de uma trégua de 5 dias, as manifestações são retomadas. A divisão interna persiste. Surgem bandeiras dos movimentos sociais e palavras de ordem pela reforma agrária, moradia e defesa do investivemnto de 10% do PIB na educação. Apesar da divisão entre os manifestantes, segundo a narração, “o discurso em defesa da resistência à polícia estava mais forte”.

Com vandalismo é um caso raro de documentário militante no qual a câmera não grava por cima do ombro da polícia, nem observa à distância. A equipe está junto dos manifestantes. A câmera é um deles. As entrevistas tem o tom informal de conversa entre pessoas próximas. Não há hierarquia entre quem observa e quem é observado. Perguntas diretas e incômodas são bem recebidas e respondidas.

Segundo um militante mascarado que se identifica como militante há 15 anos, “a mídia tá querendo surfar no movimento e não consegue achar algo por que o movimento tem uma consciência de tá depredando, de tá fazendo ação direta ou desapropriando algo que é nosso. Então, é as empresas, é os símbolos. A burguesia, ela tem seus símbolos, as suas empresas, os seus bancos, as suas estruturas. Símbolos, os governos, os patrimônios públicos, como se diz. Então assim: quando a galera vai pra essa ação é uma ação que o estado já vandalizou nós há 25 anos. Então assim: é uma reação da própria galera. E isso, dizem que é a periferia, outros os partidos, outros diz que é a juventude. E você vê, quando vai para a ação direta, é todo mundo. Não tem um controle, ninguém controla isso. É um anseio que já tá há muito tempo nessa fita aí. [sic]”

Segundo o narrador, os gritos de “sem vandalismo” passam a ser respondidos com gritos de “sem moralismo”, embora não se ouça isso no filme.

Diante da barreira policial, impedindo a manifestação de avançar, pedras começam a ser arremessadas. Bombas de gás são disparadas e a correria começa. Quando a cavalaria avança, os manifestantes acabam de se dispersar. Um ônibus é parado e apedrejado. O mesmo visto na sequência de abertura do documentário, na qual também foram vistos alguns dos planos seguintes. Placas de propaganda são derrubadas para fazer barricadas. O carro de uma emissora de televisão é apedrejado, incendiado e usado como escudo contra a polícia. A polícia cerca os manifestantes, nas palavras do narrador “encurralando os vândaldos, os pacíficos, moradores e nós, que registrávamos o protesto.” Parte da equipe, junto com outros manifestantes, é detida pela polícia e levada de ônibus para a delegacia. Mais de 80 pessoas são presas nesse dia.

“Em quatro dias de gravações e entrevistas, vimos as manifestações mudarem seu perfil”, diz o narrador. E continua: “Palavras de ordem sendo abandonadas e outras surgindo. A massa de mais de 80 mil pessoas do primeiro protesto se transformou em 5 mil no último. Mesmo com um menor número de manifestantes, o último protesto foi o mais violento e o mais reprimido pela polícia.”

“Vimos a violência aumentar. Como se a repressão policial fosse o combustível que alimentasse a revolta popular. Vimos pessoas pacíficas virando vândalos. E vândalos virando pacíficos. Vimos a grande imprensa e governantes influenciar a opinião pública a repudiar os vândalos. Vimos os vândalos como um ainda enigmático fenômeno social.”

“Apesar de estarmos presentes em todas as manifestações e conflitos, não temos uma visão completa dos reais significados de tudo que está acontecendo e o que isso pode influenciar no futuro do Brasil.”

A três minutos do final, ouve-se em off uma pergunta feita por uma voz masculina: “Ei amigo, você é de alguma emissora?”

“Não, é jornalismo independente”, outra responde.

E o diálogo prossegue:

“Por que, como os meninos falou. A mídia gosta de passar as coisas alienadas. Se você é um jornalista, o seu dever [?] tirar essa imagem. Passar os dois lados. Porque se você tá gravando…”

“A gente está desse lado.”

“Não, tem que mostrar isso, com certeza.”

“Também, é.”

“Vândalos não têm nada a ver com manifestação.”

“O que é vandalismo?”

“Vândalo é destruir patrimônio público. Isso não tem sentido nenhum. [pausa] Ontem, por exemplo, eu tava na outra manifestação. O que aconteceu? Eu tava na frente de um Choque com uma flor. Aí pega, têm vândalos que não fazem parte de um manifesto. Joga pedra e sai correndo. E deixa quem tá de paz lá na frente apanhando.”

“Por que eles jogam pedras e saem correndo?”

“Cara, porque eles não tem amor…Eu não sei nem o que dizer. Tipo…eles só sentem prazer em quebrar alguma coisa, em vandalizar. Acho que eles se sentem superior, alguma coisa. Ou pelo fato também de terem sido reprimidos por muito tempo. Pode ser isso. Eles são reprimidos, reprimidos e quando extravasam, extravasam tudo de uma vez.”

“A galera da pedrada tá na esquina. São 15! Tão lá ainda, com pedra na mão. É só tu correr pra lá que tu pega eles. Pode prender tudinho. Eles não estão com a gente.”

“É só indicar que a gente leva preso. Acaba o movimento de vocês aí.”

“Leva gás e vai todo mundo embora.”

“Como é que seria um movimento que poderia ser justo?”

“Eles tão lá ainda. Eles tão na esquina.”

“Beleza, tá filmando aqui.”

“É dez deles.”

“Dez pessoas, no mínimo.”

“ Como é que seria uma movimentação justa?”

“Posso falar não.”

“Não? Quem é que pode?”

“Uma pessoa tá sendo presa. O papo de soltar o cara, não adianta nada.”

“Aquele rapaz ali foi o quê? O que eu segurei aqui, quando ele chegou aqui?”

“Tava lá na, na, na…”

“Ele bateu em alguém, foi?”

“Tava na depredação.”

“Ah, tá. Por que quando ele chegou aqui eu pensei que tava roubando, aí segurei ele.”

“Patrimônio público, isso é crime, não é?”

“Tem muita gente que só vem pra isso.”

A gravação desse diálogo continua ainda por cerca de um minuto e acaba com a afirmação de que “o Brasil é uma carniça em termos de segurança, em termos de saúde.”

*

“Produção inteiramente independente e feita de maneira colaborativa”, apresentada pelo coletivo Nigéria Audiovisual, a equipe de realização de é integrada por Bruno Xavier, Roger Pires, Valentino Kmentt, pedro Rocha e Yargo Gurjão, Leandro Alvares, Júlia Lopes, Silvio Gurjão, Davi Aragão, Franzé de Sousa.

Até ontem (3/8/2014) tivera 190,296 acessos.

A legenda final é um agradecimento “aos manifestantes pacifistas. E aos vândalos, baderneiros, arruaceiros e ‘minorias infiltradas’ que contribuiram de alguma forma com o filme e com uma nova época no Brasil.” (cont.)

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