Limite
Limite na Cinemateca Brasileira
Terminou ontem (22/9/2013) a Mostra 300 anos de cinema, iniciada em 7 de setembro na Cinemateca Brasileira, mais uma demonstração de resistência heróica aos atos de sabotagem feitos pelo ministério da Cultura.
Sobre a exibição de Limite (1931), de Mário Peixoto, ocorrida sexta-feira passada, transcrevemos abaixo o relato do jovem devoto Palmireno Neto. Palmireno é aluno de pós-graduação no curso de Cinema Documentário da FGV/RJ e de Ciência da Literatura da UFRJ, além de trabalhar no Arquivo Mário Peixoto.
Terminou ontem (22/9/2013) a Mostra 300 anos de cinema, iniciada em 7 de setembro na Cinemateca Brasileira, mais uma demonstração de resistência heróica aos atos de sabotagem feitos pelo ministério da Cultura.
Sobre a exibição de (1931), de Mário Peixoto, ocorrida sexta-feira passada, transcrevemos abaixo o relato do jovem devoto Palmireno Neto. Palmireno é aluno de pós-graduação no curso de Cinema Documentário da FGV/RJ e de Ciência da Literatura da UFRJ, além de trabalhar no Arquivo Mário Peixoto.
A Mostra teve como objetivo, segundo o site do evento, “apresentar um novo modelo de difusão […] composto de pedagogia e estímulo artístico. 300 anos de cinema é um acontecimento que reúne momentos da história da sétima arte para compor novas constelações cinematográficas: cinema antigo/ moderno /clássico /de vanguarda /sonoro /falado /calado/ mudo /gritado/ vociferado/ pulsante/ vivo e em transformação constante na sua relação com as artes, com o teatro, o circo, a música e as artes plásticas. Da lanterna mágica ao cinema digital, do teatro à performance, do circo à vanguarda. Obras fundamentais da história do cinema, restauradas e preservadas pela Cinemateca Brasileira”.
Uma das inspirações dessa proposta vem do pesquisador Saulo Pereira de Mello, segundo o qual “existe na história do cinema uma tradição que pode ser chamada de filme-poema – que não se confunde com o cinema de poesia – da qual faz parte . Essa tradição é representada por um conjunto de filmes que se destaca por novas propostas para a experiência da poesia cinematográfica. Isolados em momentos diversos no fim da década de 1920, em contextos ainda mais diversos, esses filmes, vistos, em conjunto, se iluminam de forma surpreendente. Como marca, essa tradição propõe o abandono da narrativa linear, em prol do rigor formal e da expressão da individualidade do cineasta-poeta, que reconstrói o mundo por meio de signos rigorosamente compostos, que compõem versos com imagens, abrindo mão da lógica tradicional estabelecida pela narrativa. Para homenagear Saulo Pereira e seu trabalho de guardião de , a mostra traz grandes clássicos do cinema mundial, como Terra (1930), de Dovjenko, e A paixão de Joana D’Arc (1928), de Theodor Dreyer. Ao recuperar o filme de Mário Peixoto, Saulo penetrou como ninguém nos mistérios de Limite e seus ensaios constituem o que há de mais significativo sobre o filme emblema brasileiro. A homenagem se completa com o lançamento da edição em DVD de , incluído no segundo número da Revista da Cinemateca Brasileira”. (EE)
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A mais recente exibição de um filme inexistente, por Palmireno Neto
A caminho da Cinemateca Brasileira lembro da pergunta de um amigo: "Vale a pena sair do Rio de Janeiro, passar seis horas dentro de um ônibus, assistir a um filme e viajar mais seis horas de volta para casa?". Decido que é melhor não pensar nisso. E apresso o passo. A sessão começa em uma hora, e ainda tenho que comprar o ingresso. Se estiver lotada, e a reação do público for interessante, talvez escreva um relato sobre essa exibição de . Esse é um pensamento muito melhor.
Vou direto à bilheteria, onde uma voz gentil me explica que a sessão é gratuita e os ingressos começarão a ser distribuídos em dez minutos. Olho ao redor e, além dos funcionários, vejo ao longe apenas uma pessoa esperando. "Ainda falta uma hora", penso. "O público chegará." Me aproximo do solitário expectador com um sentimento de solidariedade e reconheço um pesquisador do Arquivo Mário Peixoto. Mais um que veio do Rio…
Começamos a conversar. Logo, um outro admirador de senta ao nosso lado. Descubro que fará o papel de "comentador" inicial do filme. Não queria estar na posição dele. Em seguida, um funcionário da Cinemateca coloca sobre a mesa um bloco com catálogos da Mostra 300 anos de cinema. "São para o Arquivo Mário Peixoto", explica. Pouco a pouco, a expectativa de um grande público se desfaz. É melhor esquecer o relato que iria escrever e pensar somente no filme.
Afinal, quando chega a hora da sessão, apenas 20 pessoas na sala. Talvez trinta, o que não é tão ruim para uma sexta-feira à noite em São Paulo. Após uma breve exposição, alguém pergunta sobre a repercussão internacional de . Chegou a hora de enfrentar Eisenstein, a quem Mário atribuiu um texto sobre o filme escrito por ele mesmo. Mas a questão inevitável é contornada pelo pesquisador com uma menção a Georges Sadoul e à sua vinda frustrada ao Brasil para assistir "uma obra-prima desconhecida". O esforço do comentador, que terminou com a leitura de um poema de Mário, é reconhecido com aplausos.
Agora, finalmente, o filme começa. Um filme que só pode ser assistido hoje porque Saulo Pereira de Mello dedicou cerca de quinze anos a restaurá-lo. "Você vai deixar se perder?", perguntou-lhe uma vez Plínio Sussekind Rocha. Uma pergunta que era uma convocatória. Convocatória que foi seguida e cujo resultado foi apresentado em São Paulo pela primeira vez no início da década de 70, na USP. Na sala, Saulo Pereira de Mello e Paulo Emilio Salles Gomes. Depois de rumores sobre a inexistência do filme, Saulo se volta a Paulo Emilio e diz: "Agora você finalmente vai ver ". Deve ter sido uma exibição interessante.
Sobre o filme, direi apenas que deve ser assistido. E deve ser assistido em uma sala de cinema. Só aí a sensibilidade e a inventividade visual de Mário, aliadas à capacidade rara de produção de imagens de Edgar Brazil, podem ser compreendidas. Ao longo da sessão, algumas desistências tornaram o público ainda menor. " é um filme chato, não é, Saulo?", perguntou-lhe ironicamente o maior admirador do filme, Plínio Sussekind Rocha. Não é, não. Provavelmente ele queria dizer que se tratava de um filme "difícil", que pede uma outra postura do espectador. Mas é um filme "fabuloso", como descreveu Orson Welles. Um Orson Welles que já não acreditava mais que assistiria ao filme: "There’s something about this film…", disse a Vinicius de Moraes. E é "poesia pura", como afirmou Otto Maria Carpeaux ao mesmo Vinicius. Aqueles que permaneceram até o final da sessão parecem ter percebido isso.
Foi a primeira vez que assisti em uma tela grande. De certa forma, foi a primeira vez que assisti . E a projeção na Cinemateca não deixou a desejar. A nova restauração do filme parece ter sido capaz de estabelecer uma relação mais marcante entre o som e a imagem. Ou talvez essa tenha sido uma impressão provocada pela qualidade da sala.
Assim, entre poemas, um certo desinteresse e alguns olhares atentos, mais uma vez foi exibido em São Paulo. Depois da sessão, saio para jantar com alguns dos "resistentes". Antes, o comentador deixa em uma estação de metrô uma aluna asiática. "Chamei toda a turma, mas ela foi a única que veio", explica. Tento iniciar uma conversa, perguntar o que havia achado do filme, mas descubro que ela não fala português muito bem. "Não importa, o mito vai se perpetuar pelo mundo", penso. O jantar dura até o momento em que o cansaço nos impede de continuarmos conversando, entusiasmados, sobre o filme. Agora só me resta ir ao hotel, descansar e me preparar para mais seis horas de viagem amanhã. "Valeu a pena?", me pergunto. E penso na viagem de Georges Sadoul, e no assombro de Orson Welles. Valeu.
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