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    Luciany Aparecida e Fernanda Dias, respectivamente autora e editora de Mata Doce, conversaram com a editora assistente de redes sociais da piauí Emily Almeida na Flip - Foto: Fernanda Catunda

flip 2024

Literatura em movimento na Casa de Histórias

Escritoras contam seu processo criativo no espaço da Flip promovido pela piauí em parceria com a Netflix, a Janela Livraria e a editora Mapa Lab

| 10 out 2024_20h35
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Mata Doce é uma história de amor por mulheres, amor pelo Brasil, dialogando com o luto.” No palco da Casa de Histórias, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), nesta quinta-feira (10), a escritora baiana Luciany Aparecida falou sobre a obra em conversa com a editora assistente de redes sociais da piauí Emily Almeida e com Fernanda Dias, editora do livro junto com Marcelo Ferroni. 

Em sua primeira edição, a casa é promovida pela piauí em parceria com a Netflix, a Janela Livraria e a editora Mapa Lab, que dedica a maior parte das mesas à literatura ficcional. 

Luciany Aparecida vem colecionando elogios da crítica por Mata Doce, publicado pela Alfaguara, e recentemente se tornou finalista do Prêmio São Paulo de Literatura na categoria Melhor Romance de 2023 e semifinalista do Prêmio Oceanos. É o primeiro romance da autora e narra os acontecimentos de um pequeno vilarejo rural no interior da Bahia. 

Na história, Maria Teresa, matadora de bois e datilógrafa, vive em um casarão antigo com suas duas mães. Todos os personagens são negros, com exceção do coronel Gerônimo Amâncio, o primeiro a duvidar que Maria Teresa pudesse dar conta de abater aos animais. Apesar da presença de personagens masculinos, é uma história essencialmente matriarcal. “Como leitora e pesquisadora, vivi a angustia de ler personagens negros em um lugar exotificado nos livros clássicos brasileiros. Mas tem diversas escritoras contemporâneas tirando essas personagens desse local. Eu tinha esse referencial e queria escrever histórias de mulheres sendo amadas e saber quais são os sonhos de duas mães e mulheres negras em uma comunidade rural”, disse Aparecida. 

Ela contou que começou escrevendo o livro em terceira pessoa. Quando estava finalizando o primeiro capítulo, escreveu a seguinte frase: “Naquele instante, a assombração, formada de areia e vento, em parecença de boi, não estava mais entre nós”. Imediatamente, se perguntou “quem nós?” “Parei, fechei o computador e fui chorar”, revelou ao público da Casa de Histórias, que caiu na risada. Ela acreditava ter perdido tudo o que já tinha escrito, mas quando voltou para continuar o segundo capítulo a autora entendeu que a personagem queria aparecer e se manifestar como primeira pessoa. “Eu, como escritora, fui vencida pela personagem e ainda bem. Eu tinha todo o material para escrever em primeira pessoa, mas não estava dando autoridade a ela até então.”

A autora já publicou outros livros sob o nome de Ruth Ducaso – que ela não considera um pseudônimo, mas um projeto estético-político. É uma prática também usada por escritoras negras como bell hooks, que reescreveram seus nomes após o sequestro do escravismo, como movimento de liberdade. Ruth é o nome da avó materna de Luciany, e Ducaso remete às histórias que falam de casos de violências patriarcais e raciais. 

Mata Doce tem uma história triste, mas tem um carisma grande que fez as pessoas da edição se envolverem muito. Cada pessoa nova que lia a obra no processo de edição vinha com diversos elogios”, disse a editora Fernanda Dias.

Jana Viscardi, Amara Moira e Cris Fibe

 

Na mesa A língua viva, que aconteceu logo depois, Amara Moira e Jana Viscardi conversaram com a jornalista Cris Fibe. Escritora, professora e ativista, Moira é doutora em teoria literária pela Unicamp. Ela foi a primeira mulher trans a assinar a tese de doutorado usando o nome social. Nesta semana, lançou seu novo romance Neca pela pela Companhia das Letras, escrito em bajubá, a linguagem de resistência usada pela comunidade LGBTQIAP+. “Por muito tempo, foi tratada como uma língua de marginais”, disse Moira. “Hoje ela cai no Enem, tem música e até livro.”

Neca narra o reencontro de uma travesti com um antigo amor que está começando a trabalhar nas ruas – e revisita memórias e aventuras da protagonista como prostituta. “O livro é um ode à oralidade”, disse Amara Moira. Sobre as mudanças constantes do bajubá, ela afirmou que “quem precisa de uma língua de segurança, muda ela constantemente.” Na rua, o bajubá hoje em dia já é diferente do que foi retratado no livro.

“É preciso sempre pensar que língua é viva. É heterogênea, se mexe, assim como o bajubá”, ressaltou a linguista Jana Viscardi, autora de Escrever sem medo: um guia para todo tipo de texto.

Para algumas pessoas, há passagens no livro Neca que não são compreendidas pelo vocabulário usado. “Precisa entender tudo?”, se perguntaram as convidadas da mesa. “O “mal dito”, o “não dito”, o “desdito” fazem parte da comunicação. Pensar em dessacralizar a escrita é pensar que ela é para muita gente. Dessacralizar a escrita é trazer diversos corpos que são dissonantes de uma norma que vai muito além da escrita”, afirmou Viscardi.

A Casa de Histórias promove até domingo encontros diários organizados com base em uma curadoria conjunta. Confira aqui a programação completa. O endereço é Rua Dona Geralda, número 140, em Paraty.

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