Sobra eficácia, faltam vacinas
Vacinas da Moderna e da Pfizer contra Sars-CoV-2 protegem 95 em cada 100 imunizados, mas primeiras doses já estão encomendadas para poucos e ricos países
No 57º episódio do podcast Luz no Fim da Quarentena, José Roberto de Toledo e Fernando Reinach explicam que países que apostaram em diferentes tecnologias e muitos laboratórios vão receber antes dos que jogaram todas as fichas em um ou dois fabricantes, como o Brasil. Ouça o episódio completo aqui.
José Roberto de Toledo: Eu sou José Roberto de Toledo, e este é o Luz no Fim da Quarentena. Uma produção da revista piauí. Infectamos o canal do Foro de Teresina para discutir pesquisas científicas que ajudam a atravessar o túnel em que a pandemia nos meteu.
Os laboratórios Pfizer e Moderna saltaram na frente na corrida pela vacina contra os seus corredores. Ambos anunciaram que seus imunizante chegaram a cerca de 95% de eficácia na fase 3 de testes, que é a última. São taxas de sucesso muito altas, que colocam o sobre as concorrentes.
Os concorrentes que interessam ao Brasil são a vacina inglesa de Oxford, a aposta do governo federal, e a chinesa Coronavac, bancada pelo governo do estado de São Paulo. Os pesquisadores chineses publicaram um artigo na revista Lancet mostrando que nas fases 1 e 2, 97% das pessoas testadas com a Coronavac desenvolveram anticorpos. Mas isso é diferente de você testar na vida real se essas pessoas de fato não desenvolvem depois de vacinadas.
Isso a gente só descobre na fase 3, quando em vez de algumas centenas de pessoas, a vacina é aplicada em dezenas de milhares. Fernando Reinach está de volta e explica como essas notícias impactam a sua, a dele e a nossa vida. Entre outros motivos por que os primeiros lotes da vacina Pfizer e da Moderna já estão encomendados por outros países: Estados Unidos, União Europeia e Japão.
Dr. Fernando Reinach, estamos aqui de volta depois de um longo e tenebroso inverno escuro em que o Luz no Fim da Quarentena não saiu por conta do acúmulo de coisas em função da eleição. Estamos aqui de volta, finalmente! Vamos falar de vacina que é o grande assunto que todo mundo quer saber. Afinal de contas, foram anunciadas duas vacinas de RNA com uma taxa de eficiência altíssima. Ainda não foram revisados pelos pares esses conjunto de dados, essas pesquisas, mas é o que temos por enquanto. E taxas acima de 90% de eficácia.
Fernando Reinach: Essas duas vacinas são as primeiras feitas de RNA. Você tem um gene, ele produz um RNA que produz a proteína. Basicamente, eles fizeram um RNA que codifica a proteína da lança do coronavírus. Daí você injeta esse RNA no músculo da pessoa com uma agulha, isso vai dar uma vacina.
As células musculares pegam esse RNA, produzem lanças, e jogam as lanças para fora e ficam produzindo a lança por um tempo. Aí o sistema imune reconhece essa lança e faz a resposta imune. É uma tecnologia nova que é muito segura, porque você não possa crescer o vírus não precisa fazer nada. Não tem outro vírus envolvido.
José Roberto de Toledo: É só um pedaço parecido com o vírus; a verdade é que o sistema imune fica treinado para reagir a ele?
Fernando Reinach: Exatamente, e esse esse material injetado, ele é sintetizado em laboratório, não vem do vírus. Não é um pedaço do vírus, não é um vírus inativado. Então tem um aspecto interessante que, quando a primeira vacina foi aprovada há uma semana, uma semana um pouco atrás.
José Roberto de Toledo: Que foi a da Pfizer…
Fernando Reinach: Puxa! Vacina de RNA funciona, deu mais de 90%. Aí agora veio a da Moderna, que também é de RNA e também deu mais de 90. Foi para 94,5%.
José Roberto de Toledo: Explica pra gente: como é que eles acham esse número? Por que 94,5% de eficácia?
Fernando Reinach: Você vacina um número de pessoas, no caso da Moderna, são 30 mil pessoas. Metade com grupo controle, você põe um placebo, e na outra metade, com a vacina. Você não sabe e nem ninguém sabe quem foi vacinado com o quê. Quando você abre esse código, quando acumula um número de pessoas doentes entre os 30 mil que pegaram infecção coronavírus, aí que já dá para distinguir E esse número é pré-determinado, entendeu? Faz parte do protocolo.
No caso da vacina da Moderna, era 95 pessoas. Quando deu 95 infectados, eles abriram o código dessas 95. O que eles descobriram é que 90 dessas pessoas que tinham pegado tinham tomado placebo e dos que tinham tomado a vacina, só cinco tinham pegado. É mais ou menos esse tipo de conta. Se você tivesse meio a meio, era zero, se você tivesse igual nos dois grupos. Quanto melhor a vacina, menos gente que tomou vacina pega e mais gente que tomou placebo pega.
José Roberto de Toledo: É muito raro você ter uma vacina com uma eficácia dessa ordem de 94,5, né?
Fernando Reinach: Muito raro. Então é uma ótima notícia. A outra boa notícia no caso da Moderna, mas esse dado não foi divulgado pela Pfizer, é que entre os 90 que pegaram, eu acho que 11 eram casos muito sérios de pessoas que acabaram sendo hospitalizadas. Entre os 5 que pegaram que tinham tomado a vacina, nenhum era um caso sério.
Então tem uma probabilidade também que eles provavelmente vão calcular e apresentar mais para frente, demonstrando que não só uma parte grande não pega, mas provavelmente os que pegam têm um caso mais leve. Se isso se confirmar, tendo mais gente só com um caso leve, você vai ter muito menos gente intubada e praticamente não vai ter mortes.
José Roberto de Toledo: Bom, tanto a Pfizer/Biontech, que foi o primeiro a divulgar, quanto a Moderna usam essa mesma tecnologia que você acabou de explicar do RNA, que precisa ser conservada numa temperatura muito baixa.
Fernando Reinach: Você tem que guardar em gelo seco. Então isso é um problema enorme para você fazer a logística. Como é que você vai vacinar a pessoa, transportar…
José Roberto de Toledo: Aí você manda para Macapá, dá um incêndio na central elétrica, acabou a vacina.
Fernando Reinach: Exatamente! Então, no caso da Moderna, eles conseguiram uma coisa melhor. Ela dura seis meses no freezer e um mês na geladeira. Tem uma outra questão que não está bem clara que é o custo da dose. Não por quanto eles vão vender, mas o custo para fabricar. Aparentemente essas vacinas de RNA tem um custo muito baixo para fabricar. Comparadas com a vacina Coronavac, que o Butantan está testando, que provavelmente é mais cara de produzir e provavelmente mais difícil de escalar.
Então a batalha entre as vacinas vai ser travada em três frontes: eficácia, custo de produção e quão rápido você consegue produzir em grandes quantidades e distribuir. O interessante agora é voltar num podcast que a gente fez muito tempo atrás sobre as apostas que os diferentes países fizeram. Cada país apostou numa tecnologia ou em várias, várias tecnologias diferentes. Entre essas tecnologias, eles apostaram nas mais modernas, que nunca tinham funcionado. Por exemplo, as de RNA.
José Roberto de Toledo: Que à época podia parecer uma aposta arriscada. Porém eles fizeram a famosa história do “não coloque todos os ovos na mesma cesta”. Eles botaram em cinco cestas diferentes.
Fernando Reinach: Não só isso, mas a qualidade científica da nação. No fundo, você tem política, tem preço, tem tudo isso. Mas você vai ter algumas pessoas qualificadas que vão dar palpite. “Olha, aposta nessa aqui.” O cara fala: “Mas aqui nunca funcionou.” O cara fala: “Não, a gente acompanha essa ciência aqui, tem muita cara de que vai funcionar, pode apostar.”
No Brasil, o governo do estado de São Paulo, recomendado pelo Butantan, apostou na coisa mais tradicional, que é uma vacina de vírus inativado, que é a Coronavac chinesa. Pagou os testes todos para fazer no Brasil e ainda vai construir uma fábrica para produzir essa Corona [vacina]. Agora, ficou um problema complicado, entendeu? Porque eles ainda não acabaram a fase 3 – em 20 de outubro era para ter acabado. O número de casos aqui em São Paulo baixou muito e eles têm que acumular 44 casos para abrir os testes.
José Roberto de Toledo: Ou seja, de todo mundo que eles estão vacinando, 44 precisam desenvolver Covid para eles abrirem e saber quem é placebo e quem tomou a vacina.
Fernando Reinach: Eles vacinaram muito menos gente. Aparentemente, estão testando 9 mil. A moderna fez um clinical trial de 30 mil pessoas e teve sorte de fazer esse clinical trial nos Estados Unidos, onde agora estão explodindo os casos. A Coronavac começou aqui no Brasil quando a gente tinha muitos casos, mas pegou a queda da curva. Tem menos gente se infectando em São Paulo agora, o que é uma ótima notícia, mas é pior para quem faz o teste vacina.
José Roberto de Toledo: E a outra em que o Brasil apostou foi a de Oxford.
Fernando Reinach: Foi a de Oxford, que é uma tecnologia nova também, mas não tão radical quanto Moderna e Pfizer, mas também uma tecnologia nova que é a aposta do governo federal. E daí a briga entre o governo estadual e o governo federal. Agora, temos que esperar a paulista, chamada chinesa, e a inglesa. Elas podem ser iguais, 93%, e a gente pode se considerar muito sortudo, mas elas podem ser menos. Se ela for menos, você tem um problema sério. Vamos supor que ela seja 50 a 60%, o que você faz? Você constrói a fábrica, qual o preço dessa vacina, dessa coisa pior. No caso de São Paulo e do Brasil, a roleta está girando, a bola está lá, e a gente vai esperar parar para ver qual número que dá.
José Roberto de Toledo: Tem um outro agravante, né? Como a gente não distribui os ovos em várias cestas, a gente também não está na fila de opção nem da Moderna nem da Pfizer. Para comprar essas vacinas, mesmo que a gente quisesse, não ia ser fácil.
Fernando Reinach: É um problema também de ordem psicológica, esse complexo brasileiro horrível. Provavelmente os políticos falaram assim: “Se eu puser em várias, quer dizer que eu não sei, que eu tô postando sem saber direito quem vai ganhar. Eu vou apostar em vários cavalos porque eu não sei.” Mas não, no Brasil todo mundo é muito sabido. Todo mundo sabe tudo. Aí alguém lá falou: “Não, é essa aí, pode por só nessa…”
José Roberto de Toledo: Basicamente nos resta torcer para a Coronavac ou a Oxford darem mais de 90% de eficácia também. Porque, além disso, não tem muito mais o que fazer.
Fernando Reinach: Então agora mudou o jogo aqui no Brasil. Tanto assim que os governos pararam de falar. Agora a expectativa é a seguinte: tá bom, agora sucesso na Coronavac é mais de 90%.
José Roberto de Toledo: Se vier com 70% já vão dizer que é uma vacina de segunda mão, de segunda categoria.
Fernando Reinach: Ou mesmo 80%.
José Roberto de Toledo: Me explica o efeito disso, porque não é só a probabilidade de eu e você tomarmos a vacina, sair na rua e não sermos contaminado. É a tal da imunidade de rebanho, que aumenta muito rapidamente a chance de você atingi-la, não é isso?
Fernando Reinach: Você vacinar 100 pessoas com uma vacina de RNA, mais de 90 estão imunes. No caso da Moderna, se você pegar, vai ser um caso leve. Vamos supor que os resultados se confirmem. Então você vacinou a população com isso, em teoria, se tudo acontecer como previsto, você vai ter hospitalizações lá para baixo, número de casos lá para baixo. E você vai controlar isso. Isso aqui vai virar uma doença normal. A gente já tem em São Paulo, vamos supor, 26% de pessoas que já pegaram a doença. Você vacina e chega a 60, 70, 80% da população.
Agora, se você usar uma vacina de 50/60%, precisa ver se precisa vacinar mais gente, as pessoas não vão ter certeza se estão protegidas. Então tem toda a dúvida perante a população e a questão do custo-benefício. Você tem o risco de daqui a duas, três semanas: “Tá bom, saiu, é tanto por cento a vacina que o Brasil apostou, o que a gente faz?” Vamos botar o rabinho entre as pernas, vamos lá e vamos tentar negociar as de RNA ou vamos já vacinar essas pessoas aqui o com que a gente tem mesmo?
José Roberto de Toledo: E obviamente vai ter gente aqui no Brasil que vai tentar importar a vacina de RNA de qualquer jeito. Os hospitais classe A, as clínicas de vacinação particulares. Ou seja, a desigualdade que sempre existe nesses casos vai aumentar.
Fernando Reinach: Eu acho que no início vai ser difícil, porque essas fábricas, as últimas pessoas que elas vão atender são esses distribuidores privados etc. Mas se o Brasil adotar uma vacina pior, daqui uns dois anos você vai num lugar privado e toma uma melhor e vai pagar mais por isso. Toda a tecnologia médica funciona assim.
José Roberto de Toledo: Bom, só nos resta então torcer e torcer para que os testes da Coronavac e da Oxford cheguem nesse patamar de eficácia que as vacinas já chegaram, aparentemente.
Fernando Reinach: E garantir que as pessoas que estão fazendo os testes, divulgando os testes, não mexam nos dados.
José Roberto de Toledo: Bem lembrado! Dr. Fernando Reinach, muito obrigado. Muito bem-vindo de volta aqui ao Luz no Fim da Quarentena, e obrigado mais uma vez pela sua iluminação.
Fernando Reinach: Obrigado, Toledo!
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