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    ILUSTRAÇÃO: PAULA CARDOSO

questões eleitorais

Marina Silva, sem voto e sem dinheiro

Doações de pessoas físicas e crowdfunding para candidatura da Rede fracassam e campanha corta custos na reta final da disputa

Consuelo Dieguez | 25 set 2018_22h43
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A queda de Marina Silva nas pesquisas eleitorais – o Ibope desta segunda-feira colocou-a em quinto lugar com 5% das intenções de voto, depois de já ter ocupado o segundo lugar no mês passado – arrastou também para baixo as doações para a sua campanha. E a Rede teve de rever suas contas para a disputa. A previsão inicial do partido era gastar cerca de 15 milhões de reais na candidatura de Marina. Para chegar a esse valor, a Rede reservou 6,2 milhões de reais de sua cota nos fundos de financiamento públicos, e esperava completar os gastos com outros 9 milhões de reais, que seriam doados por pessoas físicas e crowdfunding. Só arrecadou, porém, 1 milhão de reais com esse tipo de doação. E agora, com as chances de chegar ao segundo turno cada vez mais remotas, a campanha passou a cortar custos na reta final da disputa.

À medida que as intenções de voto da candidata da Rede caíram, empresários e executivos se tornaram mais arredios à possibilidade de abrir o bolso para sustentar uma candidatura que não saía do chão, relatam integrantes da campanha. “Ela não tem amigo rico disposto a colocar milhões para bancar a campanha dela”, disse um de seus assessores. Ao cair para 5% das intenções na pesquisa Ibope, Marina corre o risco de submergir ainda mais – logo que saiu o Ibope, a campanha de João Amoêdo lançou uma hashtag nas redes sociais (#joãocom6%) com o objetivo de superá-la em intenções de voto e tomar o lugar dela no último debate presidencial, na Rede Globo, na antevéspera da votação.

A baixa arrecadação em doações e a expectativa de dificuldades financeiras levaram a candidatura a apertar o cinto, com economia em todas as frentes. Marina viaja em voos de carreira, geralmente de madrugada, por serem mais baratos, e se hospeda em casas de amigos e apoiadores. A falta de verba também afeta sua equipe. De uns tempos para cá, os apoiadores passaram a dividir quartos e comer em restaurantes cada vez mais baratos.

Os cortes vieram antes de a candidatura aumentar suas dívidas com fornecedores. Por enquanto, a menos de duas semanas do primeiro turno, o dinheiro que ainda não foi gasto é suficiente para pagar o que foi contratado e sobrariam 3,7 milhões de reais. Os três principais credores da campanha marineira são a empresa de assessoria contábil Galactica, que tem 150 mil a receber; a produtora de vídeo Do Rio Filmes, que ainda não recebeu 144 mil; e a indústria têxtil Alpet, que espera mais 46 mil reais. A campanha de Marina também deve 30 mil reais à consultora de imagem Clarice Dewes. Os dois contratos mais altos da Rede na disputa já foram quitados. A produtora de vídeos La Casa de la Madre recebeu 1,6 milhão de reais da campanha para fazer vídeos para o horário eleitoral na tevê. E a gráfica Movimento embolsou 484 mil reais.

Com a disputa entrando em sua fase final, os cortes e o flerte com o déficit são comuns também a outras candidaturas. Entre os presidenciáveis, Jair Bolsonaro pagou apenas 41% dos serviços contratados até agora, por exemplo. Henrique Meirelles, com pagamento de 71% do que contratou até aqui, e Geraldo Alckmin, com 75% dos serviços de campanha pagos, são outros candidatos que chegam na reta final da disputa com dívidas. Dentre os presidenciáveis, os nanicos – Cabo Daciolo, Guilherme Boulos, João Amoêdo, João Goulart Filho e Vera Lúcia – já pagaram mais de 90% dos gastos contratados.

Os resultados das pesquisas levam Marina a oscilar entre momentos de melancolia e, surpreendentemente para os apoiadores, de euforia. “Quando ela está animada, a equipe se anima”, contou-me um outro assessor. Na noite de quarta-feira da semana passada, por exemplo, na véspera do debate com os candidatos a presidente na TV Aparecida, ela animou-se mesmo diante do dígito solitário de intenções de voto registrado pelo Ibope. Outras vezes, ela se desencanta e faz previsões sombrias. Já chegou a dizer que a Globo estaria contra ela. Para outro assessor, esse sentimento persecutório é resultado da decepção com a eleição de 2014 quando foi atacada sem trégua pela campanha de Dilma Rousseff. Em um dos vídeos petistas naquela disputa, Marina foi acusada até de ser candidata dos banqueiros. Em uma semana, sua candidatura derreteu.

Parte da explicação para o seu mau desempenho nesta disputa foi revelada pelas pesquisas internas feitas pela Rede. Assim que Fernando Haddad, o candidato do ex-presidente Lula, foi confirmado, os votos de Marina começaram a minguar. “Na verdade, todos aqui na campanha sabiam que aqueles votos nunca foram dela. Estavam só esperando Lula definir seu candidato para migrarem para o seu poste”, disse um assessor. “Por essas pesquisas, Marina não conseguiu reter os votos dos mais pobres do Nordeste, fiéis ao ex-presidente.”



O que deixa os eleitores desconfiados em relação a Marina Silva, para analistas políticos, não é a falta de um programa de governo consistente e de técnicos competentes que a ajudem governar, mas sim, justamente, a falta de um partido estruturado que lhe dê suporte. “Ela não tem nada que se pareça com um partido. A Rede é um simulacro de partido. Ela não tem coalizões políticas, nem recursos, nem tempo de campanha, nem capilaridade regional. É a campanha do eu sozinho”, avaliou o sociólogo Demétrio Magnoli. O cientista político Jairo Nicolau segue a mesma linha. “Como ela irá fazer a articulação política com os 513 deputados tendo apenas dois no seu partido?”, questionou. “É claro que sociedade percebe isso.”

O ex-deputado e jornalista Fernando Gabeira, que foi companheiro de Marina no Partido Verde, a vê como uma pessoa “honesta e bem intencionada”. Exatamente por isso, entretanto, ele tem a impressão de que ela teria dificuldades para lidar com o Congresso. E isso não passa batido ao eleitor. “Ela tem uma capacidade muito grande de discutir ideias e de negociar dentro dos limites do possível”, disse. “O problema é que o Congresso pede mais do que isso. Pede certa malandragem que lhe falta.”

Encontrei-me com Marina Silva em agosto, em um restaurante no bairro de Higienópolis, em São Paulo, ainda antes do início da campanha oficial e das primeiras pesquisas de intenção de votos. Ela estava instalada em um apartamento no mesmo bairro, cedido por um simpatizante da campanha. Por se tratar de um prédio de classe média alta, preferiu omitir o local. O trauma com as acusações de 2014 fez com que muitos dos apoiadores de Marina da alta sociedade, entre os quais algumas socialites, preferissem permanecer anônimos para que Marina não fosse chamada de candidata da elite.

Marina não se alterou quando lhe apresentei os pontos de vista sobre a fragilidade de seu partido e, serenamente, respondeu: “Não me pergunte como governar com dois deputados e um senador. Me pergunte como não governar como Dilma não governou, como Temer não governa com mais de trezentos deputados.” E condenou a articulação do PSDB com os partidos do Centrão para ampliar o tempo de tevê da candidatura de Geraldo Alckmin e sua capilaridade nos estados, afirmando que “essa fórmula levou o país ao fracasso e está totalmente desgastada”. O economista André Lara Resende, um dos coordenadores econômicos da campanha de Marina, foi ainda mais incisivo. “Se não for possível fazer política de forma diferente do que foi feito até agora, será muito triste”, disse, em um encontro ainda no início da campanha. “Será uma declaração da inviabilidade da democracia representativa no Brasil.”

O economista Eduardo Giannetti da Fonseca, outro pilar do programa econômico de Marina, também acredita que o atual modelo de coalizão do país está falido. “Dilma loteou 34 ministérios entre dez partidos e não conseguiu eleger o presidente da Câmara, o que mostra que é o modelo que precisa ser alterado.” Mesmo que a Rede seja um partido inexpressivo no Congresso atualmente, ele rebateu as críticas de que Marina não teria capacidade de governança. “A experiência mostra que, no início do mandato, é possível estabelecer um novo padrão, aprovando reformas sem que o presidente seja chantageado pelo Congresso”, argumentou, em uma conversa também no início da campanha.

As dificuldades de estruturação da Rede como partido remontam à primeira tentativa de fundação, em 2013, quando o Tribunal Superior Eleitoral negou-lhe registro, pois não tinha conseguido as 500 mil assinaturas necessárias para a sua homologação. Marina havia saído do Partido Verde por desavenças com o seu comando e pretendia se lançar candidata pela Rede em 2014. Com a negação do registro, ela uniu-se ao PSB, saindo candidata à vice na chapa liderada por Eduardo Campos.

Egresso do PT e coordenador executivo da campanha de Marina, o engenheiro e economista Bazileu Margarido, a acompanha desde os tempos dela no Senado. Encontrei-me com ele na sede da Rede, numa área comercial de Brasília, no dia seguinte à convenção do partido que confirmou o nome dela como candidata à Presidência, em agosto. Estava se preparando para uma reunião com os advogados que fariam o registro da chapa de Marina e Eduardo Jorge no Tribunal Superior Eleitoral, cujo prazo expirava naquele dia. Margarido, assim como vários membros da Rede, acredita que houve fraude durante o processo de registro do partido em 2013. A maior parte das assinaturas rejeitadas foi em cartórios eleitorais de cidades comandadas pelo PT, principalmente na região do ABC, em São Paulo. “Houve caso de cartório do ABC que rejeitou 90% das assinaturas de filiação da Rede. Isso é completamente anormal”, disse.

Antigos colaboradores e aliados não isentam Marina e seus lugares-tenente de culpa nesse episódio. O ex-deputado Alfredo Sirkis que foi um dos coordenadores da campanha de Marina em 2010 e deixou o PV junto com ela para ajudar na construção da Rede, acha que a equipe da candidata custou a reagir. “Avisei desde o começo que a coleta das assinaturas não estava sendo feita com o grau de profissionalismo que se exigia, tendo em vista o boicote dos cartórios das prefeituras petistas”, me disse, em seu escritório no Centro do Rio. “Mas ela achava que o TSE jamais barraria o registro de um partido cuja dirigente tinha tido 20 milhões de votos. Deu no que deu.”

Sirkis rememorou que, no dia em que o registro do partido foi negado, foi convocada uma reunião no apartamento de um integrante da Rede, em Brasília. Quando ele chegou ao encontro, o local estava apinhado de gente e parecia “uma assembleia estudantil”. “Era um momento complicado e ao invés de se reunir o alto comando do partido para decidir o que fazer, juntou-se um monte de curiosos, com opiniões estapafúrdias”, contou.  Irritado, disse a Marina que a Rede era um conglomerado com “um leque demasiado aberto, com gente socialmente conservadora de corte evangélico de um lado, e, de outro, uma esquerda quase black bloc”.

Ela não gostou das críticas e os dois discutiram. Sirkis deixou a reunião e escreveu em seu blog o que pensava. Disse que Marina era uma extraordinária líder popular, mas que falhava como operadora política. “Comete equívocos de estratégia e tática, cultiva um processo decisório caótico e acaba só trabalhando direito com seus incondicionais.” E afirmou que é uma forma populista de fazer política trabalhar com teses sobre as quais todos precisam opinar. “Supostamente é mais democrático, mas, no fundo, como o coletivo não decide, o líder decide sozinho.” Depois disso, Sirkis e Marina se afastaram. A Rede só conseguiria o registro em setembro de 2015.



Assim como Sirkis, Magnoli enxerga um traço autoritário na forma como a Rede se estruturou. “Marina é tão contra a velha política que precisa de um partido à imagem e semelhança dela. O problema é que partidos não se constroem à imagem e semelhança do líder”, disse. Ele compara com a trajetória do PT. Para Magnoli, à medida que a carreira política de Lula chega a um impasse, o PT, paradoxalmente, vai se tornando a emanação de um caudilho. Mas, ressalta, quando foi fundado o partido não era assim, pois tinha uma série de lideranças. “Era e ainda é o partido mais estruturado do Brasil.” Já no caso da Rede, desde a fundação e ainda hoje, afirmou Magnoli, não se vê nada além da figura de Marina. “Eles falam que o método de funcionamento é o de consensos progressivos. Isso significa que ninguém vota nada, pois não existem organismos deliberativos claros. É um eufemismo para ‘o líder dirá’.”

Em contrapartida, considera positivo o fato de Marina ter clarificado suas posições em relação à economia e também ao impeachment de Dilma Rousseff. Ao se posicionar a favor do impedimento da presidente, mas deixar a bancada livre para votar como quisesse, ela acabou perdendo quadros importantes, como o deputado Alexandre Molon, uma força política de relevância no Rio de Janeiro. Inconformado com a posição da Rede de não fechar questão a favor de Dilma, Molon se desligou do partido e migrou para o PSB. Hoje, a bancada da Rede do Rio de Janeiro conta apenas com o deputado Miro Teixeira, um veterano na política, que concorrerá ao Senado. À piauí, Marina avaliou a saída de Molon como um contrassenso. “Ele foi para um partido que, como a Rede, também votou pelo impeachment.” Por causa de sua posição pela destituição de Dilma, foi acusada de golpista pelo PT e aliados. Ela diz não se alterar com os ataques. “Não me impressiono com esses rótulos. Só tomo cuidado de não cair na tentação de dizer que aqueles que eram contra o impeachment estavam compactuando com o caixa dois e a corrupção.”

Se no processo de impeachment Marina posicionou-se contra Dilma, dois anos antes, na corrida presidencial em 2014, a carga do PT veio toda para cima dela. Magnoli tem uma explicação para a desconstrução de Marina feita pelo PT ter sido bem-sucedida. “O eleitorado do PSDB é imune a ataques como foram feitos a ela, que vê como populistas e demagógicos”, avaliou. “Mas uma parte importante do eleitorado da Marina não é imune, justamente porque veio do PT.” O eleitor de Marina, para Magnoli, embora tenha se desprendido do PT, não se desprendeu de todas as ideias e, portanto, é vulnerável às investidas do partido com o qual simpatizava anteriormente.

Agora, com mais uma candidatura de Marina perto do fim, a Rede chega a uma encruzilhada. Integrantes do partido desde a fundação ouvidos pela piauí tratam o futuro da sigla como “uma incógnita”. Pelas regras da cláusula de barreira, para manter o registro partidário, a Rede terá que eleger pelo menos um deputado federal em nove estados ou garantir 1,5% dos votos do eleitorado nacional, além de pelo menos 1% dos votos para a Câmara em nove estados. Se não conseguir, o partido deixa de receber recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão. Por essa razão, os recursos para ajudar na campanha dos candidatos são cruciais. Pedro Ivo, o presidente da Rede, tem feito malabarismo para atender aos pedidos dos candidatos, que precisam de dinheiro e material de campanha. A decepção com o mau desempenho do principal quadro do partido, porém, vem acompanhada de insurgências. Na sexta-feira, o partido expulsou o candidato da Rede ao governo de Pernambuco, Júlio Lossio, por fazer propaganda para Jair Bolsonaro. Ele foi flagrado distribuindo cartazes e santinhos do candidato do PSL e, por migrar para a campanha do adversário, punido por infidelidade partidária. Bom sinal não é.

*Colaborou nesta reportagem o jornalista Alexandre Aragão.

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