Dois prêmios recebidos em setembro por pesquisadoras que atuam no Brasil confirmam o bom momento da matemática feita no país, à qual não tem faltado reconhecimento internacional. Mas dessa vez as conquistas também chamam a atenção para a importância da diversidade nessa disciplina e nas ciências em geral. As laureadas – a brasileira Carolina Araujo e a italiana Luna Lomonaco – são as duas únicas mulheres na equipe de 46 pesquisadores do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o Impa, a mais prestigiosa instituição do país dedicada à disciplina.
Carolina Bhering de Araujo, uma matemática de 44 anos nascida em Niterói, foi agraciada com o Prêmio Ramanujan, láurea distribuída a jovens pesquisadores que trabalham em países em desenvolvimento. Ela é a segunda mulher a receber o prêmio, distribuído anualmente desde 2005. É a quinta vez que a distinção vai para pesquisadores atuantes no Brasil – já a receberam nomes como Marcelo Viana, diretor do Impa, e Fernando Codá Marques, hoje na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. “Me sinto extremamente honrada de fazer parte desse time”, disse Araujo à piauí.
O prêmio celebra as “contribuições excepcionais”da pesquisadora fluminense para a geometria algébrica, um ramo da matemática situado na confluência da álgebra com a geometria. O resultado mais significativo obtido por ela foi a “caracterização dos espaços projetivos e hiperquádricas”, um trabalho de difícil explicação para não matemáticos. Ela começou a atacar o problema durante seu doutorado, cursado em Princeton e concluído em 2004. “Naquele momento ainda não tínhamos ferramentas para resolver o problema”, contou a matemática, e por isso ela tratou de criá-las. A solução definitiva veio em 2008, com a contribuição de dois colegas. “As técnicas que desenvolvemos para resolver o problema abriram toda uma linha de pesquisa.”
Araujo foi premiada também por suas contribuições para promover a inclusão de gênero na matemática. “Há poucas mulheres nessa área, e creio que isso aconteça porque as meninas são desestimuladas desde pequenas”, disse a pesquisadora. Filha de uma engenheira, ela teve seu interesse pela disciplina incentivado na infância e não vivenciou esse obstáculo, mas a realidade é diferente para a maioria das crianças. “Infelizmente ainda há o estereótipo de que matemática é coisa de menino.”
Vice-presidente do Comitê para Mulheres na Matemática da União Internacional de Matemática, Araujo está à frente de ações que buscam mudar esse panorama. Mas sua luta por mais diversidade na matemática não se limita à equidade de gênero. “Queremos também a inclusão das pessoas negras e de grupos sociais que são consistentemente excluídos da matemática”, afirmou. “Essa exclusão se repete num círculo vicioso e cria a percepção de não pertencimento nas pessoas desses grupos.”
Para Araujo, a diversidade é benéfica para a matemática e para as ciências, porque tende a gerar soluções mais criativas e eficientes. Ela contou que só conseguiu resolver o problema que enfrentou em seu doutorado porque contou com a colaboração de pesquisadores que trouxeram perspectivas diferentes para atacá-lo. “É importante que as pessoas tragam suas histórias e seus olhares para resolver problemas”, afirmou. “Não queremos uma ciência em que todos pensem igual.”
Promover uma matemática mais inclusiva é também uma bandeira de Luna Lomonaco, pesquisadora do Impa que no começo do mês foi a primeira mulher agraciada com o Prêmio Reconhecimento da Umalca, a União Matemática da América Latina e do Caribe. A láurea contemplou suas pesquisas na área de sistemas dinâmicos, campo da matemática dedicado à investigação dos fenômenos caóticos.
No discurso que fez na cerimônia de entrega do prêmio, Lomonaco contou que, durante sua graduação, na Università degli Studi di Padova, por muito tempo se sentiu diminuída pela forma como os professores minavam sua autoestima e alimentavam sua síndrome do impostor. “Fiquei muito tempo com a sensação de que eu não era boa o bastante, de que eu estava incomodando, roubando tempo e oxigênio daqueles que têm valor de verdade.” A aluna sentia-se olhada com desprezo quando fazia perguntas sobre coisas que não entendia – até que parou de fazê-las. “Comecei a me convencer de que era idiota, também porque era tratada como idiota.”
Lomonaco disse que, nos dezesseis anos que transcorreram desde sua entrada na universidade, ouviu histórias parecidas, vindas principalmente de colegas mulheres. “Somos frequentemente diminuídas quando não sabemos algo, e isso faz mal à comunidade como um todo”, afirmou. “Quero dizer a todos, em particular a todas, que matemática é sobre entender coisas e não se pode apressar o entendimento. Às vezes, demora. Mas sigam tentando e confiando que poderão entender.”
O prêmio às duas pesquisadoras do Impa chega num bom momento da matemática brasileira, apesar dos cortes de verbas do governo federal para a ciência nos últimos anos. Em 2018, o Brasil foi promovido à elite da matemática mundial e sediou o principal evento mundial da disciplina. Quatro anos antes, o carioca Artur Avila se tornou o primeiro pesquisador formado num país em desenvolvimento a ganhar a Medalha Fields, o principal prêmio da disciplina.
“Temos muito poucas mulheres matemáticas no Brasil, e esses prêmios demonstram que elas fazem pesquisa de alta qualidade”, disse Avila à piauí. O pesquisador acredita que esse tipo de reconhecimento pode estimular mais meninas a seguir carreira acadêmica na disciplina. Mas o caminho será longo até que haja igualdade de gênero na matemática: a única mulher dentre os sessenta ganhadores da Medalha Fields é a iraniana Maryam Mirzakhani, laureada também em 2014.