A agonia da supertele e a defesa de um repórter
| Edição 126, Março 2017
A DERROCADA DA SUPERTELE
O que está acontecendo com a Oi (“A agonia da Oi”, piauí_125, fevereiro) é compatível com a destruição e pilhagem do patrimônio público, perpetradas com o nome artístico de privatização (ou privataria).
JOSÉ ANÍBAL SILVA SANTOS_TEÓFILO OTONI/MG
Para seguir a matéria “A agonia da Oi”, foi necessário fazer um fluxograma. Só ficou uma dúvida: a Oi perdeu, o PT perdeu, o BNDES perdeu, o Banco Espírito Santo perdeu… Como dinheiro não some, mas se desloca, quem ganhou?
DJALMA ROSA_SÃO SIMÃO/SP
NOTA DA REDAÇÃO: Também levamos tempo para compreender. Em síntese, ganharam os controladores, que, na hora do vamos ver, passaram o mico adiante. Por adiante, leia-se: novos e incautos sócios + sócios minoritários + contribuinte brasileiro e português. Capitalismo de cupincharia tem dessas coisas.
AINDA A ESQUERDA
Foi interessante o diálogo entre Ruy Fausto e Samuel Pessôa. Ambos com suas razões e a falta delas. Mas eu, por tender sempre para o lado da esquerda, pude verificar um ato falho no texto de Samuel Pessôa. Em certo momento do texto o economista diz que vivemos em uma sociedade de mercado. Ora, pensei que fosse em uma sociedade cuja economia é de mercado, e não estatal ou planificada. Resta a pergunta: foi mesmo ato falho?
UMBERTO ABREU NOCE_BELO HORIZONTE/MG
Como tenho a impressão de que vocês selecionam as cartas de acordo com a (professada) longevidade da relação entre remetente e revista – uma forma de puxa-saquismo mais branda que elogios do tipo “Nossa, vocês são demais” –, permitam-me começar confessando que não me lembro há quanto tempo acompanho vocês. Há uns oito anos, comprava um exemplar a cada dois meses; depois aprofundei a relação, lendo, no site, quase tudo que me chamava a atenção das edições anteriores. Logo passei a bater ponto na banca todo dia 8; depois de ouvir três vezes “Putz, acabou”, fiz uma assinatura, há um ano e meio.
Mas chega de preliminares, não escrevi para elogiá-los, mas para dar um pitaco na contenda Ruy Fausto x Samuel Pessôa sobre o “problema da esquerda contemporânea” (“Reconstruir a esquerda”, piauí_121, outubro 2016; “A armadilha em que a esquerda se meteu”, piauí_123, dezembro 2016; “Ainda a esquerda”, piauí_125, fevereiro). Primeiro, uma observação entediante, bem de filósofo analítico: senti falta de algumas definições, de clareza conceitual – não sei se quando falam de esquerda estão se referindo a algum movimento social, estereótipos de militância, teorias, ideários ou partido político. Talvez isso explique por que, por vezes, se tem a impressão de que eles não estão falando da mesma coisa: Fausto abre o debate com uma espécie de autocrítica (ora filosófica, ora sociológica) representativa do grupo (de teóricos, militantes, políticos?); Pessôa ataca com uma crítica de economia política e (por que motivo? Causar?) uma defesa de FHC; Fausto replica avançando contra um arquétipo de neoliberalismo. (Claro, estou cometendo o mesmo pecado que acabei de apontar: falta de precisão, mas espero ser perdoado, porque o fiz em menos de um parágrafo.)
Daí deriva um segundo problema: fica difícil ver quais são as relações espúrias entre a teoria e a política real. Por exemplo: Fausto, respondendo à crítica de Pessôa ao intervencionismo, diz que o problema é que o PT interveio mal – ou seja, Pessôa faz uma generalização espúria de um problema pontual. Contudo, o ponto de Pessôa é que, de acordo com a análise econômica das instituições e de seus incentivos, o intervencionismo estaria fadado a incorrer nesses “problemas pontuais”: afinal, se há uma probabilidade relevante de que políticos cometam erros, pelos quais eles não pagam (pelo contrário, as relações com empresários amigos e os incentivos de curto prazo, como a próxima eleição, os motivam a cometê-los), então eles vão cometê-los, mais cedo ou mais tarde. Claro, Fausto contra-ataca lembrando que também “o sistema produz crise sobre crise”; nesse caso, porém, ele não atribui a responsabilidade apenas aos agentes cujas decisões desencadearam a crise, mas ao sistema de instituições.
No balanço geral, os dois deixam passar o elefante na sala, um “paradoxo” do capitalismo de Estado que pode ser identificado lendo a matéria sobre a derrocada da Oi na mesma edição (“A agonia da Oi”, piauí_125, fevereiro): grandes corporações, em sistemas de oligopólios ou concorrência monopolística, não podem ser deixadas apenas nas mãos dos executivos e controladores (que têm seus próprios conflitos de interesses) – elas são perigosas demais e precisam do empurrãozinho estatal para competir no cenário internacional (no qual há outras empresas na mesma situação). Mas, se alguma coisa da crítica ao intervencionismo é verdadeira, o governo também não é a solução – nem eu tenho a pretensão de oferecê-la. Não é à toa que, tanto à esquerda como à direita, vemos crescer aspirações libertárias ou anarquistas – uma ojeriza a corporações, governos e burocracias. Se eu fosse escrever sobre “o problema da esquerda…”, me bastaria uma linha: “Vocês ainda estão no século XX, os problemas mudaram (para continuar os mesmos).” Gostaria de ler Pessôa tratar dessa questão, caso haja uma tréplica.
RAMIRO DE ÁVILA PERES_PORTO ALEGRE/RS
NOTA SEDUZIDA DA REDAÇÃO: É fato que as formas mais brandas do puxa-saquismo exercem sobre nós um fascínio irresistível. São como um feitiço. Donde a publicação na íntegra da sua carta (e no terço inicial da seção, onde ela tem mais leitura!). De resto, esperemos que Samuel Pessôa tenha conseguido aplacar algumas das tuas angústias na réplica da tréplica que você encontrará a partir da página 38 desta edição.
UM NEGRO NA CASA BRANCA
Não sei se foi artifício deliberado, mas ao apresentar nos primeiros parágrafos de seu texto uma série de artistas e canções representativas da cultura negra, Ta-Nehisi Coates indicou uma trilha sonora harmonizada às reflexões de seu escrito sobre Obama (“Meu presidente era preto”, piauí_125, fevereiro). Ouvir Al Green, Gap Band e conhecer Common ao longo das linhas potencializaram o sentido do texto. Sugiro à piauí que acolha a técnica sonora/redacional e solicite a seus repórteres uma indicação, expressa ou subliminar, da música que deve acompanhar a leitura das reportagens.
TÚLIO DE MEDEIROS JALES_NATAL/RN
PIAUÍ_125
Infelizmente, nem bem comecei a ler a edição de fevereiro e fui tomada pelo pessimismo. Ódio, intolerância e desprezo pelo outro. Eis nosso mundo pós-moderno. Bastaram as onze palavras da carta da leitora Maria de Fátima Nóbrega – “A piauí está tão ridícula que podia se chamar São Paulo” (sempre começo minha leitura pelas cartas) – e as últimas linhas da esquina de Branca Vianna sobre a Marcha das Mulheres em Nova York – “… no final de um dia de catarse e celebração da diversidade, diante da real diferença a gentileza ainda tem um longo caminho pela frente”– para que a piauí me fizesse ver que ando construindo uma pós-verdade otimista que nada tem a ver com a realidade.
ESTELA VILELA GONÇALVES_SÃO PAULO/SP
PIAUÍ_124
Em janeiro, Elise Matsunaga (“Um crime célebre”), teorias do flagelo de nossa educação (“Pátria iletrada”), Trump (“Populistas”; “Trumplândia”)… Fui buscar meu Lexotan para poder continuar. Ufa, ler Joseph Brodsky em seu louvor ao tédio (“Elogio ao tédio”) e relembrar Marcel Gotlib (“A glória da publicidade”; “Le roi est mort, vive Gotlib”) me trouxeram ao centro novamente, pude fechar a revista satisfeito e sereno. Lexotan voltou para a gaveta.
MARCOS PICCININ_JOINVILLE/SC
Concordo com a leitora Maria Pia-Bastos Buchheim (Cartas, piauí_124, janeiro): às vezes o tamanho da revista atrapalha um pouco, principalmente quem aproveita para ler no ônibus, a caminho do trabalho. E é complicado carregar na mochila. No entanto, vai uma dica, Maria: com o lançamento da edição digital é possível ler a revista confortavelmente em um tablet. Experimenta, acho que você vai gostar. Liga lá no SAC e pede para incluir a edição digital na sua assinatura ou compre avulsa usando o aplicativo.
P.S.: Parabéns para a equipe da piauí pela excelente qualidade editorial. Sempre trazendo luz nesses tempos de trevas.
MARCELO RUFINO BONDER_PARAGUAÇU PAULISTA/SP
NOTA DA REDAÇÃO: Muito obrigado, Marcelo. Complementando a tua informação para a leitora: nosso aplicativo também permite ler a revista no celular.
CAIA NO (BOCEJO) TÉDIO
Um hino à falta de sentido das coisas. Síntese perfeita do ensaio do poeta russo Joseph Brodsky, publicado com a sugestiva e reveladora foto do autor, que é o retrato perfeito da matéria (“Elogio ao tédio”, piauí_124, janeiro). O discurso de formatura proferido em junho de 1989, na Faculdade Dartmouth, em Hanover, New Hampshire (Estados Unidos), é um corajoso grito de alerta de quem se recusa a vender ilusões aos jovens numa sociedade cada vez mais alienada dos reais valores humanos. O ganhador do Nobel de 1987 nasceu em Leningrado em 1940 e foi expulso da União Soviética em 1972 – depois de uma vida atribulada, conseguiu exílio nos Estados Unidos, onde pôde dar continuidade a sua obra poética. Cabe destacar a competente tradução da jovem Sofia Nestrovski, com a inserção de notas complementares pertinentes e elucidativas.
Como amante da poesia de Drummond, sugiro a leitura do poema “A flor e a náusea”, em A Rosa do Povo, após a leitura desse belo ensaio, pois acho que tem tudo a ver, principalmente seu final catártico, a redenção através da arte: “É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”
DIRCEU LUIZ NATAL_RIO DE JANEIRO/RJ
NOTA DO DEPARTAMENTO DE CHECAGEM: Concordamos com tudo e fazemos um só reparo. A foto não é do autor, Brodsky era mais bem apanhado. O personagem da ilustração é um ilustre anônimo. Talvez por isso esteja tão entediado.
SOM NAS CAIXAS
Em um país subdesenvolvido como o Brasil, detentor de uma das mais estúpidas burguesias do planeta – e isso em meio à plena era da hegemonia do capital –, o saber é o que mais sofre as consequências de nossa miséria cultural: há uma sobrevalorização das culturas popularescas (em meio às quais a cultura autenticamente popular ocupa, com justiça, algum lugar), ao mesmo tempo que há uma “ignorância cultivada” e sistemática por parte do poder político e da grande mídia – das instâncias partidárias e dos governantes aos órgãos de comunicação e de imprensa – diante do saber erudi-to, especulativo, inventivo, experimental e inovador. O que se pode esperar de uma revista que pretenda abordar, de alguma maneira, a Cultura em um cenário intelectualmente tão devastador como esse? O mínimo: respeito! Diante da consistência de trabalhos como o meu, o que não se deveria admitir de uma revista como a piauí é que, em vez de destinar matéria digna para que leitores inadvertidos tomem pé do assunto e possam, através dela, entrar em contato com um mundo para eles ainda total ou parcialmente desconhecido, destinem-se a esse fazer musical de vanguarda, amplamente reconhecido fora do Brasil, duas parcas colunas em sua edição de dezembro, perdidas em meio a outros pequenos artigos (Esquina, “Som nas caixas”, piauí_123, dezembro 2016). O intuito era cobrir a Bienal Internacional de Música Eletro-acústica de São Paulo, evento que criei em 1996 e dirijo desde então, e que há anos já faz parte do calendário obrigatório da música eletroacústica internacional. Para tanto, o jornalista Cláudio Goldberg Rabin elegeu um de meus concertos como objeto de sua “abordagem”. Destinei horas de meu precioso tempo tentando fazê-lo entender do que se tratava. Em vão! O artigo cai literalmente no ridículo: descrever-me, logo de início, como possuidor de óculos de tartaruga, de roupas desajeitadas e descabelado, e portanto como um típico intelectual dos filmes de Woody Allen é, no mínimo, grotesco! Mas isso não seria nada, não fosse a má-fé em discorrer sobre as cerca de 150 pessoas presentes em um de meus concertos experimentais como um público de familiares e de ex-alunos que eu “aguardava na porta do teatro”… Quem dera eu tivesse tantos familiares e ex-alunos tão interessados em aprimorar sua escuta! Não bastasse isso, o artigo ainda destaca a presença de um indivíduo que seria meu mais fiel espectador: um ex-militar da reserva com danos irreversíveis ao ouvido! Nada mais leviano que uma imagem como esta! O artigo demonstra, a rigor, uma total falta de alcance intelectual não somente do jovem jornalista, mas também, ao permitir a publicação de uma “contribuição” culturalmente tão inconsistente como essa, da própria revista piauí. Promover artigos irônicos parece constar da lista de ações estratégicas de marketing desta revista para se abordar um assunto tão sério como a Cultura, em especial a música erudita de vanguarda. Quero crer que a publicação desse infeliz artigo tenha sido resultado de um deslize ou de um descuido. Mas a Cultura não pode se dar ao “luxo” de descuidos como esse. Em meio ao lixo cultural que nos assola, rigor e cuidado são ingredientes fundamentais para uma revista que se quer “cult”.
FLO MENEZES_SÃO PAULO/SP
NOTA COMBATIVA EM DEFESA DO JOVEM REPÓRTER: O jovem repórter não escreveu que o compositor é um “típico intelectual dos filmes de Woody Allen” (como quer o missivista), apenas que “lembra um dos intelectuais que povoam as comédias de Woody Allen” (nós, que gostamos de Woody Allen, recebemos a comparação como um elogio, mas vá lá saber; o fato é que aspas importam e, se é para empregá-las, a etiqueta manda que sejam respeitadas). O jovem repórter tampouco sugeriu que as 150 pessoas que compareceram ao espetáculo formavam “um público de familiares e de ex-alunos que eu ‘aguardava na porta do teatro’”. O que ele escreveu foi o seguinte: “Compareceram [ao espetáculo] alunos novos e antigos, familiares e o homem que o anfitrião apontou como o seu maior fã, o militar de reserva Nilton Costa.” Como imaginamos que o compositor seja querido por seus novos e antigos alunos, além de bem quisto por seus familiares, ficamos na torcida para que, de fato, alguns deles tenham prestigiado o concerto. O contrário seria um pouco triste. Também não passa pela nossa cabeça que o compositor seja um sujeito casmurro e refratário a todo contato social. De jeito nenhum, razão pela qual nos pareceu gentil e educado o gesto de recepcionar os ouvintes à porta do teatro. Por fim, a esquina não se limitava “a duas parcas colunas”. Foram duas colunas e meia. Não é nada, não é nada…
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