ILUSTRAÇÃO: THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART. IMAGE SOURCE: ART RESOURCE, NY
A espera e o cão
Mônica de Aquino | Edição 79, Abril 2013
PENÉLOPE SECRETA *
Um homem chegou no dia
em que não havia espera.
Na porta, somente o cão
guardava o tempo.
E o tempo era correr
atrás do rabo.
O homem tomou o castelo,
a cama, o arco.
Agora, dorme ao meu lado
descansa da travessia.
Não sabe seu gosto de mar
não sabe que traz, na pele, a alma
do mar.
Preciso partir para esse lugar
de onde o homem voltou
(o amor, agora, é o mar).
Comecei a tecer uma rede
de pesca.
Comecei a tramar
certo corpo de barco.
Agora, tranço os cabelos
e olho pela janela.
É quando ele desperta
desfaz a cama, desfia os planos
desata a trança, pisa na rede
e sinto, de novo, o mar.
De repente, partir é igual
a ficar.
PENÉLOPE MENTIROSA
De noite desfaz, obediente
a fera que a carne abriga
e regressa à partida: a espera indefinida.
De dia, é outro o desejo
tece a mortalha com o silêncio
de ter de casar-se outra vez
(presa entre duas promessas)
mas Penélope mente: o que quer é a solidão.
A fidelidade é um cão.
PENÉLOPE INDECISA
Como escolher entre
cem pretendentes
sem saber quem se aproxima?
Posso estar a apenas um ponto
de conhecer quem não deixa dúvida.
Não poderia escolher o primeiro
não confio em quem chega tão rápido.
Por outro lado, qualquer um
que não chegue agora
parecerá sempre atrasado
feito para a demora.
Espero o tempo de Ulisses
ou um homem que desvende
minha trama
aprendendo, para mim
um amor que não existe
enquanto espero.
Como escolher alguém
que fique?
—-
O hoje é um cão
com fome
que esconde o osso.
O hoje é a mão
que o cão lambe.
O hoje é o dono do cão
é a fala do cão
com o rabo
o faro de Argos.
O hoje é um cão
pura língua
e dentes
preso à corrente
do cão-passado
preso ao alarde
do amanhã:
cão-labirinto
às vezes fera
que ladra e morde.
O tempo é um cão
de três cabeças
(há dias em que é besta
Cérbero em círculo).
O tempo é a pata
que cava a espera
à procura do osso
que enterra.
* Por um erro da Redação, o poema “Penélope Secreta” foi publicado na versão impressa da piauí deste mês com dois versos a menos. A versão acima, com a segunda estrofe incluída (“Na porta, somente o cão/ guardava o tempo”), é a correta.