CRÉDITOS: ANDRÉS SANDOVAL_2022
A longa espera
ONG incentiva a doação de órgãos para transplante
Amanda Gorziza | Edição 187, Abril 2022
No dia 3 de dezembro do ano passado, às seis da manhã, a enfermeira Rafaeli Soek dos Santos recebeu uma ligação que a deixou eufórica. A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre avisou que havia encontrado um rim compatível para o transplante de Giovana, sua filha de 11 anos. Para a cirurgia, a menina teria que estar no hospital naquele mesmo dia, antes das oito da noite.
Mãe e filha seguiram às pressas de Canoinhas, em Santa Catarina, onde vivem, para a capital gaúcha, a 570 km de distância. Às 19h30 já estavam no hospital, e Giovana começou a ser imediatamente preparada para a operação. À meia-noite, chegou o rim do doador falecido, mas às quatro da manhã uma médica informou que o órgão havia congelado e não seria possível transplantá-lo.
A solução foi antecipar a segunda opção que havia para Giovana: receber um rim de sua mãe, como estava previsto caso a menina não obtivesse uma doação até janeiro. Em 9 de dezembro, um rim de Santos foi transplantado para Giovana. “Aparecer o órgão de um doador falecido foi, ao mesmo tempo, a melhor e a pior coisa. Talvez o corpo dela não tivesse aceitado bem o outro rim”, diz a mãe.
Giovana tem síndrome de Caroli, um distúrbio genético raro que afeta o sistema hepático e causa o alargamento dos canais que conduzem a bile do fígado. A doença provoca amarelamento da pele, febre e dor no abdômen. Essa condição às vezes está associada a outro distúrbio genético que afeta os rins, a doença renal policística, que também atingiu Giovana, obrigando-a a fazer diálise todo dia desde os 10 anos de idade. Quando a menina teve indicação para transplante duplo, de rim e de fígado, procedimento que os hospitais em Santa Catarina não fazem em pacientes pediátricos, a família resolveu levá-la para Porto Alegre. O Rio Grande do Sul é o estado que, proporcionalmente ao número de habitantes, mais realizou transplantes de rim em crianças no ano passado.
Santos contou que, na primeira vez que foi à capital gaúcha, em 2021, não sabia “nem pegar avião”. Ela também não conhecia ninguém na cidade. “Caímos de paraquedas em Porto Alegre.” A solução foi recorrer à ViaVida, uma ONG que atua em prol da doação de órgãos e dá apoio a pacientes de baixa renda à espera de um transplante ou já transplantados.
A ViaVida surgiu depois de um drama pessoal vivido por Maria Lucia Elbern, de 73 anos, a presidente da ONG. Em 1999, seu filho mais velho, de 15 anos, teve uma insuficiência renal aguda e precisou transplantar o rim. Como na família não havia ninguém compatível para fazer a doação, ele entrou na fila de espera. Elbern ficou bastante assustada ao saber que o rapaz precisaria aguardar de quatro a cinco anos – o tempo médio para conseguir a doação de um órgão no Rio Grande do Sul na época. Por sorte, um ano depois ele obteve a doação.
Mesmo assim, Elbern resolveu fazer alguma coisa. “Concluí que seria útil informar melhor as pessoas sobre a necessidade da doação de órgãos”, ela conta. Há 48,7 mil pessoas no país esperando um órgão para ser transplantado. Algumas doações podem ser feitas em vida, como as de sangue, córnea, medula óssea e rim. Outras, como as de fígado, pulmão, pâncreas e osso, precisam vir de pessoas falecidas. Muitas famílias, porém, ainda resistem a fazer as doações. Uma pesquisa feita no ano passado pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos mostrou que 42% das famílias que poderiam ter doado órgãos de seus parentes se recusaram a fazê-lo.
Logo depois do transplante do filho, em 2000, Elbern criou a ViaVida. A ONG conta atualmente com sessenta voluntários e promove diversas atividades para conscientizar as pessoas sobre a importância de doar órgãos e tecidos. Uma de suas principais tarefas é manter a Pousada Solidariedade, destinada exclusivamente a pacientes que aguardam um transplante ou estão se recuperando de uma cirurgia.
Foi na Pousada Solidariedade que a enfermeira Rafaeli Soek dos Santos e sua filha se hospedaram na primeira vez que estiveram em Porto Alegre, e é sempre ali que ficam quando estão na cidade. Desde maio do ano passado, elas vão ao menos uma vez por mês à capital gaúcha, pois Giovana precisa de acompanhamento médico e tem que fazer exames. Com isso, a pousada – que também oferece atendimento psicológico e pedagógico – virou para elas uma segunda casa. “Formamos uma família ali, e as pessoas são muito carinhosas. Se não existisse um lugar desses, eu não sei onde ficaríamos”, diz Santos.
A pousada fica em uma casa de dois andares no bairro Jardim do Salso, na Zona Leste, e tem dez quartos. A hospedagem é sempre gratuita, e o acompanhante pode ficar no mesmo quarto do paciente. Em dezoito anos, o local já recebeu mais de 7 mil pessoas – metade delas crianças, segundo a ONG. Até o fim deste ano, a pousada deve se mudar para uma nova casa, que tem o dobro do tamanho da atual, o que permitirá abrigar mais gente. Como o novo local, no bairro Petrópolis, foi cedido pela prefeitura, a ONG não terá mais despesas com aluguel.
Quatro meses depois do transplante, Giovana, que agora tem 12 anos, parou de fazer diálise, toma uma dose mínima de medicamentos e está mais bem-disposta. “Antes do transplante, tinha alguma coisa me incomodando, mas agora eu me sinto muito melhor”, diz. Ela conta que, na Pousada Solidariedade, gosta especialmente das pinturas feitas pelas crianças em uma das paredes. “Eu também gosto de pintar. Já fiz desenho de todo mundo da casa e dei de presente. Gosto de fazer artes realistas.”