ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2010
Alô! Alô! Heleninha Roitman
Dipsomaníacos, parai de tremer que a branquinha já vem!
Cristina Tardáguila | Edição 47, Agosto 2010
Às dez da noite do dia 12 de junho, acocorados sobre dois sofás brancos, três universitários cariocas aguardavam ansiosos que o telefone tocasse. De olho grudado na mesinha de centro, parecia até que estavam chocando a ligação. “Hoje é Dia dos Namorados, ninguém vai ligar pra cá”, murmurou Bernardo Falcão detrás de sua comprida franja. “Mas tá um frio sinistro, meu irmão. Ninguém vai querer sair de casa”, contrapôs Lucas Djahjah. Lá fora a temperatura rondava os 15 graus. Na sala, o gold retriever Odin se esforçava para caber no capacho da porta.
Aí tocou.
Todos pularam. Matheus Busquet, o mais tenso dos três, apontou para Falcão, indicando quem deveria atender. Concordando com a cabeça, Falcão levou o dedo aos lábios e pediu silêncio. No terceiro trim, tirou o telefone do gancho e disse o que tinha a dizer: “Cabou Chamou, boa-noite!”
Djahjah e Busquet socaram o ar com uma alegria perfeitamente inaudível. “Sim. Qual o endereço? Pode pedir.” Os dois se empoleiraram junto de Falcão, para acompanhar no laptop a encomenda que ele digitaria: uma Smirnoff e duas Sprites de 2 litros. “Ok”, confirmou Falcão. “Dá 44,70 reais já com a taxa de entrega. Chega em 20 minutos.”
Busquet pulou do sofá em direção às bolsas térmicas. No caminho, fisgou o capacete e a chave da moto. Djahjah voou para uma mesa quadrada encostada na parede e recolheu a vodca e as Sprites. Continuaram a postos quatro pets de refrigerante, uma caninha 51, duas Sagatibas, um Red Label, dois Grant’s, duas tequilas José Cuervo, dezoito engradados de Skol e dois de Brahma, uma Stolichnaya com rótulo meio enrugado e nove Absoluts compradas no Duty Free pela mãe de Djahjah – que, além de ceder a sala para abrigar a Cabou Chamou, banca a internet, prepara sanduíches para os jovens empresários e não se queixa dos telefonemas que varam a madrugada. Naquela noite a sócia in cuore estava pegando um cinema.
Cinco minutos depois, com as garrafas acomodadas no baú da moto e a notinha no bolso da calça, Matheus Busquet deixou o QG da empresa e acelerou para cumprir o trajeto entre o Jardim Botânico e o Corte do Cantagalo, em Copacabana. Não parou em nenhum sinal vermelho.
A Cabou Chamou – sem a, por uma questão de empatia com a prosódia do público-alvo – é um serviço de birita delivery, uma espécie de releitura do “vapor”, aquela comodidade oferecida pelo tráfico para levar a droga até você. A empresa atende a Zona Sul do Rio. Funciona nas noites de quinta a domingo e, aos sábados, fica à disposição de fanfarrões e dipsomaníacos entre as sete da noite e as cinco da manhã. Desde a estreia, em abril, a média diária tem sido de vinte entregas. “É que estamos falando de um serviço de primeira necessidade”, explica Busquet, já no elevador do prédio onde encomendaram Smirnoff com Sprite. “Nosso objetivo é dar conforto, mostrar que o cliente não precisa mais ir até o posto de gasolina para descolar a saideira. Nós estamos prontos para levar a bebida na porta da casa dele.”
Quando chega ao local da entrega, ele faz de tudo para ganhar um cliente cativo. Abre um sorriso de cupincha e cumprimenta os presentes com um boa-noite profissional. Depois, pergunta se deve deixar os produtos na geladeira. Se o autorizam a passar à cozinha, movimenta-se com discrição, para proteger os anfitriões (nenhum convidado precisa saber que foi chamado para uma festa com pouca bebida). Na saída, entrega o recibo e aguarda o pagamento, que só pode ser feito em dinheiro ou cheque.
Matheus Busquet lembra em tudo os entregadores de pizza ou remédio, mas é de classe média alta e cursa administração no Ibmec, uma das faculdades mais caras da cidade. Segundo Falcão e Djahjah, o amigo venceu a dificuldade de encontrar um estágio adotando a estratégia de contratar a si mesmo como estagiário. Falcão faz design e Djahjah, comunicação.
A sede de lucro levou o trio a se viciar naqueles enfadonhos anúncios de supermercado que passam na tevê. Eles aprenderam que devem ficar de orelha em pé nas ofertas de lagarto, patinho e acém – porque depois vem sempre o preço das cervejas. Também assinam newsletters de distribuidores de bebidas e viajam de carro até a remota Avenida Brasil para buscar mercadoria a bom preço.
O negócio prolifera à sombra do segundo aniversário da modificação do Código Nacional de Trânsito que instaurou a Lei Seca. “A gente ainda não tem pró-labore, mas também não tem concorrente nem guerra de preços”, explica Falcão. Cada cerveja vendida pela Cabou Chamou representa 100% de lucro. Nas demais bebidas, o ganho gira em torno de 30%. Entre 27 e 30 de maio, os cofres da empresa – uma embalagem de Veuve Clicquot – juntaram 1 890 reais. No final de semana seguinte, entre 3 e 6 de junho, foram 2 208 reais. À meia-noite do Dia dos Namorados, um sábado, faltando ainda cinco horas para fechar o botequim, o bruto já estava em 775,30.
Busquet ainda esperava o pagamento em Copacabana quando seu celular vibrou. Falcão informava, nervoso, que a vodca se fora. “Sério, moleque? Manda o Rato no supermercado depois dessa entrega aí, porra!” (Rato – ou Djahjah – estava a caminho de uma festa na Lagoa.) Ele se altera toda vez que o estoque da Cabou não bate com a demanda: “A gente acaba comprando mais caro só pra não deixar o cliente na mão e aí ganha bem menos!” Ocorre que, entre as aulas na faculdade e a burocracia para registrar a empresa na junta comercial, os sócios ainda não acharam tempo para tabular as vendas e enxergar a curva da demanda.
Quando há menores de idade do outro lado da linha, a política da Cabou Chamou é curta e grossa: “Nós só entregamos bebida alcoólica na mão de um maior. Vocês têm alguém aí pra receber?” Nesses casos o cliente normalmente aciona o irmão mais velho ou um porteiro camarada para fazer a ponte. A medida protege a empresa contra questionamentos legais.
Ao contrário do que se imaginaria, os sócios-entregadores nunca se estressaram com clientes bêbados. “Ontem, às 5 da manhã, fui levar umas cervejas numa festa no Leblon. Já ia embora, mas os caras me chamaram na sala e me deram uma salva de palmas!” – Busquet conta às gargalhadas, mas a seriedade com que ele, Falcão e Djahjah se desdobram para bem servir o público – parecem até os paramédicos – dá a entender que, na história da Cabou Chamou, o champanhe vai ser mais do que uma embalagem velha de Veuve Clicquot.