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    Stuhlberger na sede de sua empresa: “Gustavo Franco, com sua política de juro alto e manutenção da paridade cambial, deu mais prejuízos para o país do que todos os corruptos juntos.” FOTO: EGBERTO NOGUEIRA_FOTO ÍMÃ GALERIA

figuras das finanças

Onze bilhões de reais e um barril de lágrimas

Luis Stuhlberger, o zero à esquerda que achava que nunca seria alguém, construiu o maior fundo multimercado fora dos Estados Unidos e, no meio da crise, deu mais uma tacada

Consuelo Dieguez | Edição 25, Outubro 2008

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“Sempre achei que não seria nada na vida. A única coisa que eu tinha para oferecer, até 1979, era o meu histórico escolar. Em todo o resto, era um zero à esquerda”, disse Luis Stuhlberger, que sorriu timidamente e brincou: “Acho que eu precisaria de muitas doses de uísque para contar essa história.” Voltou-se para a xícara de café e os biscoitos de chocolate à sua frente – os únicos estimulantes à mão – e continuou a auto-análise. “Naquele ano, se tivesse de escrever uma página sobre Luis Stuhlberger, diria que ele fora um dos melhores alunos do Colégio Bandeirantes, um dos melhores estudantes de engenharia da Escola Politécnica da USP, uma pessoa de boa índole, de bom caráter, um bom ser humano. Fora isso, era uma pessoa inexpressiva em todos os campos: no social, no pessoal, na liderança, nos relacionamentos.”

Fez uma pequena pausa e se esmerou ainda mais na composição do retrato do jovem perdedor: “No meio que eu freqüentava, se fosse apontar quem se destacaria, eu era a última pessoa para quem você olharia. Eu não era escolhido para nada. Era do grupo dos feios. A única coisa a meu favor era a inteligência em potencial, senão não seria um dos melhores alunos da classe. Daí, para pôr qualquer coisa em prática, foi um grande desafio. E fui muito infeliz com isso. Achava que seria um eterno fracassado, como muita gente que conheço. Gente inteligente, preparada, que fez boa escola, mas que não conseguiu construir nada.”

A copeira trouxe mais café e biscoitos. Enquanto mastigava, Luis Stuhlberger fez, finalmente, uma consideração positiva. Disse que o sofrimento talvez seja o responsável pela disciplina e perseverança que veio a demonstrar nos negócios. “Eu acordo todo dia e agradeço muito a Deus pelo que sou, por conseguir fazer bem o que faço e estar feliz: sou uma mistura bem-sucedida do Forrest Gump com Chance Gardener”, disse, referindo-se a papéis feitos no cinema por Tom Hanks e Peter Sellers (em Muito Além do Jardim). Pelos modos inseguros e desajeitados, ele lembra os dois personagens. Quando se entrega a confissões autodepreciativas, parece um dos tipos angustiados de Woody Allen.

Eram nove horas da noite e Stuhlberger estava sentado à cabeceira da mesa da sala de jantar de seu apartamento de 450 metros quadrados, na Vila Nova Conceição – um dos bairros mais caros de São Paulo –, onde um imóvel como o seu não sai por menos que 4,5 milhões de reais. A sala de jantar, com mesa de mármore de doze lugares e uma tapeçaria antiga que ocupa toda uma parede, funciona como escritório. É nela que passa boa parte do tempo, inclusive finais de semana, lendo, estudando, analisando e decidindo investimentos. Stuhlberger é um dos sócios da Credit Suisse Hedging-Griffo, administradora de recursos com 40 bilhões de reais em carteira. Mas o que o tornou um mito no mercado financeiro é o fundo que ele administra sozinho: o Hedging-Griffo Verde, com 10 mil clientes e patrimônio de 11 bilhões de reais.

O Verde é um fundo multimercado, conhecido no jargão como hedge fund (composto por ações, moedas, títulos públicos e privados, e derivativos – operações que têm como base cotações de ativos negociados na Bolsa de Mercadorias e Futuros, a BM&F). É o maior fundo do tipo no mundo, excetuando-se os americanos. Seu desempenho não é acompanhado nem de longe pelos concorrentes. De 1997 até julho passado, os recursos investidos no Verde tiveram uma valorização de 3 684,2%. Alguém que, há onze anos, tivesse entregado 30 mil reais ao Verde teria hoje mais de 1 milhão. Stuhlberger é um fazedor de milionários. A começar por ele mesmo, cujo patrimônio é estimado em várias centenas de milhões de reais.

“Não há nada que se compare ao Verde no mercado”, disse Paulo Bilyk, um dos sócios da Rio Bravo, uma prestadora de serviços financeiros. “O que mais se aproxima dele são os fundos do Pactual do começo dos anos 90, que tiveram desempenho espetacular.” André Jakurski, dono da JGP, uma administradora de recursos carioca, e o responsável pelo sucesso dos fundos do Banco Pactual aos quais Bilyk se refere, me definiu Stuhlberger como “o gestor mais brilhante da nova geração”. E acrescentou: “Ele é excepcional.”

 

No domingo, 14 de setembro, quando saíram as primeiras notícias de que o Lehman Brothers, o quarto maior banco americano, pediria concordata e que o Merrill Lynch seria vendido na bacia das almas, Stuhlberger estava em Pequim, num quarto de hotel. Ligado no laptop, dava instruções ao seu pessoal no Brasil. O que lhe passava pela mente, conforme contou depois, era um misto de “temor” e “atenção às oportunidades”. Precisava decidir se era hora de aproveitar a queda dos preços das ações para comprar barato. Nos primeiros dias da semana, enquanto o mercado desabava, preferiu não se mexer: sua experiência dizia que não se deve tentar “trocar o pé” no meio do terremoto.

O Verde estava com 67% do seu patrimônio em papéis de renda fixa. Desde que o sistema financeiro americano dera sinais de marchar para o desastre, em agosto do ano passado, Stuhlberger começara a se desfazer de ações. E lamentava que, quando a crise chegou, elas fossem responsáveis por 33% da carteira do fundo. “O ideal seria ter menos de 30%”, disse. Estava angustiado, e não em pânico: tinha lastro para esperar. Não precisava vender ações na baixa para fazer caixa e atender a possíveis saques. O fundo podia sofrer perdas, avaliava, mas nada que colocasse seu patrimônio em perigo.

Na quinta-feira, “o dia do pânico total”, como Stuhlberger o batizou, ele estava em Xangai. Quando a Bolsa brasileira foi ao fundo do poço, Stuhlberger vislumbrou uma oportunidade. “No meio do furacão, dei uma ordem de grande compra de papéis de primeira linha, principalmente Petrobras e Vale”, contou. No dia seguinte, quando o governo americano anunciou medidas de salvação das finanças, comprou mais. “Com a cavalaria americana em cena, comprei Eletrobrás, Telemar, Lojas Americanas, Porto Seguro e mais um monte de outras empresas.

A carteira de ações do Verde subiu para 40%.” Naquela semana, ele gastou 500 milhões de reais em ações e ganhou, mais uma vez, um dinheirão. Mesmo assim, ele descreveu como “um pesadelo” a semana de tumulto financeiro mundial. “Dormia umas duas horas por noite, não parava de falar com o Brasil”, acrescentou.

Para ele, a crise foi produto do descaso dos bancos de investimento com o dinheiro do cliente, ganância e conflito de interesses entre acionistas e executivos que não são donos do negócio. “Esses executivos pegam o dinheiro do acionista e o aproveitam ao máximo, pensando apenas nas metas que têm que cumprir e nos seus ganhos.” Depois do abalo, Stuhlberger acredita que o modelo será questionado. Serão as gestoras de recursos, com uma relação mais estreita com os clientes, que ganharão visibilidade nos Estados Unidos. Num artigo no The New York Times, Bill Wilhelm, professor de finanças da Universidade de Virgínia, escreveu que “as relações humanas entre o cliente e o investidor, mais do que programas de computador, serão o diferencial no mercado a partir de agora”. É assim que Stuhlberger tenta fazer na sua empresa.

 

No final de 2006, depois de meses de negociação, o Credit Suisse First Boston comprou, por 635 milhões de reais, 51% das ações da Hedging-Griffo. “Juntamos a força de um banco com a agilidade e a inteligência de uma butique”, disse Stuhlberger. Antes do Credit Suisse, a Hedging-Griffo já havia sido procurada por outro grupo suíço, o UBS, mas não houvera acordo. “Além de a proposta não ser interessante, olhei nos olhos do pessoal do UBS e tive a sensação de que não gostaria de trabalhar com eles”, disse. Com o Credit Suisse, as conversas foram mais fáceis, principalmente porque algumas das pessoas que estavam no comando do banco no Brasil já eram conhecidas suas. Elas vinham do Banco Garantia, de Jorge Paulo Lemann, que tinha sido com-prado pelo Credit Suisse em 1998. A associação, em vez da compra, também favoreceu o entendimento. “Ia ser muito duro para mim e para os outros sócios da Hedging-Griffo sermos funcionários da empresa da qual tínhamos sido donos”, disse.

Ter se associado ao banco deu a Stuhlberger a garantia de que não teria que cumprir metas. “No momento que você vende e passa a ser apenas um executivo, sua preocupação será conseguir ganhar dinheiro para o banco, e assim aumentar sua participação nos lucros”, disse, repetindo a sua visão do mecanismo que provocou a crise de setembro. “Isso vira um conflito de interesses entre o executivo e o cliente.” Nesse negócio, o dinheiro dos outros não pode virar objetivo. “Um dos motivos de eu proteger o patrimônio dos clientes nas crises é nunca ter tido na vida um taxímetro ligado no traseiro, marcando o quanto eu tenho que ganhar.”

Stuhlberger não se destaca numa sala, e muito menos numa multidão. Magro, nem alto nem baixo, está com 54 anos. Os cabelos pretos são cortados rente à cabeça, revelando duas entradas. Seus olhos são grandes e passam a impressão de constante surpresa. O raciocínio é rápido e nervoso como a sua fala e os gestos. Na comprida mesa de jantar, ele tem pilhas de relatórios, anotações manuscritas, uma calculadora financeira HP e um enorme mapa de São Paulo. Em um nicho espelhado na parede atrás dele, há mais relatórios, com trechos marcados à caneta, uma infinidade de gráficos e livros de assuntos disparatados: Brasil: Raízes do Atraso, do economista Fabio Giambiagi, Um Barril de Risadas, um Vale de Lágrimas, do cartunista e humorista americano Jules Feiffer, e The Year of Living Biblically, de A. J. Jacobs.

Ter feito da sala de jantar um gabinete de trabalho provocou atritos com sua mulher, Lílian. Ela gostaria de manter o lugar arrumado, enfeitado com orquídeas brancas, em vez de vê-lo transformado num estoque de papelada. Para agradá-la, prometeu comprar um apartamento maior, de 650 metros quadrados, com escritório de verdade. “O problema é que é tudo muito caro”, disse ele. “Como existem poucos imóveis desse tipo à venda, o mercado imobiliário se aproveita. Estão pedindo 14 mil reais pelo metro quadrado, o que é um absurdo.” Não que a quantia lhe seja um problema. Mas pagar mais do que uma mercadoria vale é, para Stuhlberger, uma agressão. “Algumas pessoas me sugeriram que, quando aparecesse alguma coisa de que eu gostasse muito, eu não deveria fazer as contas, que eu deveria pensar apenas no prazer de conseguir comprar algo”, contou. “Mas eu não consigo, se fizer um negócio sabendo que é um mau negócio, vai me tirar todo o prazer.”

Stuhlberger comentou que há meses carrega certa culpa em relação à mulher. No começo do ano, ele fez um investimento pessoal que lhe causou prejuízo: comprou rúpia, a moeda indiana, na expectativa de que ela se valorizasse, o que não ocorreu, e perdeu o equivalente a um apartamento de 650 m2, a 14 mil reais o metro quadrado. “Nem sabia como contar para ela”, disse, constrangido. “A sorte é que acertei em outras operações, que compensaram a perda.”

Ele está casado com Lílian há 27 anos e não tem dúvida de que foi ela quem o tirou do rumo do fracasso. “A partir do meu envolvimento com ela, passei a confiar em mim, a ter uma vida social, a me relacionar com as pessoas, a não ser tão tímido.” Os dois se conheciam de vista desde a adolescência, mas não se falavam. “Ela era do grupo dos bonitos”, ele brincou. Foram se reencontrar na Universidade de São Paulo, em 1979 – ela cursando arquitetura –, e começaram a namorar.

Stuhlberger fazia pós-graduação em administração porque desistira da carreira de engenheiro. Fizera o curso influenciado pelo pai, David, que também se formara em engenharia civil pela mesma Politécnica. Nos anos 70, com a prosperidade da sua construtora, a Stuhlberger, David juntou-se a sócios para montar uma petroquímica e um banco, o Expansão, que tinha participação em uma corretora, a Griffo. Em 1980, Stuhlberger foi trabalhar no banco e na corretora. “Comecei a analisar o mercado financeiro e fiquei fascinado com aquele mundo”, disse. “Foi uma felicidade descobrir o que eu queria fazer na vida, e o melhor é que eu tinha emprego garantido nos negócios do meu pai.”

Experimentava, pela primeira vez, a sensação de que tudo se encaixava na sua vida, tanto no lado profissional como no afetivo. Não era mais atormentado pela autodepreciação. Em dezembro, casou-se e saiu em viagem de lua-de-mel. Quinze dias depois, ao retornar ao trabalho, descobriu que havia sido demitido do banco e não era mais herdeiro de nada. O Expansão teve que ser vendido às pressas para cobrir o rombo da petroquímica. Com o choque do petróleo, cujo preço saltara de 10 dólares o barril para 30, a empresa afundara e arrastara o banco junto. Somente a construtora sobreviveu, mas foi reduzida a um tamanho insignificante.

David teve que recomeçar praticamente do zero, aos 55 anos. A pedido dele, Stuhlberger continuou na Griffo. Ali, a remuneração era de acordo com o desempenho dos operadores. Como ele tinha pouca experiência, não ganhava nada. Durante um ano e meio, foi Lílian quem sustentou a casa com seu salário de arquiteta do Metrô.

 

A Griffo tinha uma pequena empresa, a Hedging, que operava o mercado de commodities, recém-implantado no Brasil, negociando ouro, café e boi. Como o negócio não deslanchava, a empresa foi vendida a três empresários da área de café e Stuhlberger mudou-se para a nova casa. Trabalhava com outros nove operadores. O trabalho era comissionado e 30% dos ganhos eram divididos entre eles. Os que geravam mais lucro ficavam com a maior parte do bolo. Os últimos, só com os restos. E era nessa categoria que Stuhlberger se encontrava. Mas em poucos meses, ele começou a se destacar, logo virou o melhor operador da empresa e passou a ganhar as maiores comissões.

Não foram tempos felizes. “Todos me odiavam”, disse. “Eu era um outsider, ninguém gostava de mim.” José Leopoldo Figueiredo era um deles. Ele é alto, forte e tem os cabelos grisalhos. Fala devagar, sem nenhuma ansiedade, e trabalha rodeado de miniaturas de brinquedos e fotografias onde aparece cercado de amigos. “Acho que somos complementares”, disse Figueiredo. “O Luis é focado na administração do negócio, e eu não sei mexer com dinheiro. Sou mais ligado na parte emocional, no trato com as pessoas.” Para ele, se não houvesse esse equilíbrio, a situação dos dois seria a seguinte: “Eu seria ‘pobre de marré’ e o Luis não teria empresa.” Eles trabalham juntos há 27 anos e hoje são sócios do Credit Suisse.

 

Figueiredo se impressionou que Stuhlberger tivesse falado de sua dificuldade de relacionamento na Hedging: “Acho que ele nunca superou isso. Até passamos uma longa madrugada falando do assunto. Ele nos acusou de tê-lo tratado mal. Mas há o outro lado da moeda. Ele era muito duro com as pessoas. Fazia exigências desnecessárias e, às vezes, botava os funcionários em situações humilhantes.”

Certa vez, Stuhlberger mandou protestar um funcionário que tinha passado dezoito cheques sem fundos. “Era o cara mais querido na empresa e todos ficaram com ódio do Luis”, lembrou Figueiredo. “Ele podia ter tido mais tato. Podia ter, pelo menos, avisado que ia protestá-lo.” Quando a Hedging foi vendida, e Stuhlberger continuou na companhia, a reação dos operadores foi a pior possível. “Ninguém o queria lá, ele foi muito hostilizado.”

A primeira providência dos colegas foi deixar Stuhlberger sozinho, isolado numa mesa de operações, enquanto trabalhavam juntos noutra mesa. A diversão dos camaradas era amarrar o fundo da gaveta dele com um cordão: quando ele fazia força para abri-la, o fio se rompia e a gaveta vinha toda para fora de uma vez e despencava no chão. “Era uma gargalhada geral”, contou o sócio. “Fora os trotes, que o deixavam enlouquecido. Acho que houve algum abuso, mas éramos um bando de garotos.”

Stuhlberger se afirmou por meio do desempenho. “Não há quem não respeite uma pessoa talentosa”, disse Figueiredo. Jogou a cabeça para trás, acomodou-se melhor na cadeira e concluiu a análise: “Talvez a perda do banco tenha sido benéfica para o Luis. Ele era inseguro, vivia à sombra do pai, por quem ele tem enorme admiração. Acho que na Hedging ele se deu conta do seu valor. Se deu conta de que podia fazer as coisas sozinho.”

No final de 1982, Stuhlberger era a estrela mais brilhante do mercado de ouro. O Brasil estava no auge da crise da dívida externa, não tinha reservas, e o ouro era um dos poucos ativos fortes que qualquer um podia deter legalmente. Sua cotação estava atrelada ao dólar, portanto, ter ouro era como possuir a moeda americana. “Começaram a me chamar de rei do ouro”, contou.

A Hedging funcionava numa sala no 13º andar do edifício CBI Esplanada, no centro de São Paulo. Num começo de tarde de 1984, Stuhlberger estava em sua mesa, comendo um sanduíche, quando o telefone tocou. Era Emilio Garofalo, chefe do Departamento de Operações Internacionais do Banco Central. Stuhlberger gelou ao se saber convocado para uma reunião, já no dia seguinte, em Brasília. “Ele não me falou do que se tratava e fiquei imaginando se tinha feito algo errado”, disse. “Cheguei ao Banco Central apavorado.” Garofalo o surpreendeu com o melhor convite que poderia receber: o Banco Central queria que ele atuasse como seu representante junto a todos os operadores de ouro, ou, na linguagem do mercado, dealer. O convite deu enorme prestígio à corretora.

Garofalo tem hoje uma consultoria num prédio nos Jardins, em São Paulo. Ele contou que Stuhlberger era o único operador de ouro que fazia um trabalho impecável, inteiramente dentro das normas: “O Luis era sério, não blefava. Foi uma tranqüilidade para o Banco Central poder contar com uma pessoa como ele, já que tínhamos que comprar e vender ouro diariamente”, disse. Para Garofalo, foi Stuhlberger quem profissionalizou o mercado de ouro no Brasil.

Quando veio o Plano Collor, em 1990, o câmbio se normalizou e o ouro perdeu a importância. Mas a abertura comercial permitiu a internacionalização do mercado financeiro, e tiveram início as grandes operações no mercado futuro de juros, de câmbio e de ações. Com a experiência acumulada no ouro, Stuhlberger não teve nenhuma dificuldade para operar com esses ativos na Bolsa de Mercadorias & Futuros. “Para boa parte dos operadores esse mercado era um mistério, enquanto eu me sentia em casa”, disse. “Como saímos na frente, fizemos bons negócios.” Ele, Figueiredo e outros operadores que haviam se tornado sócios da Hedging compraram a Griffo.

 

Eram dez e meia da noite quando Lílian apareceu, sorridente, na sala de jantar. Ela é mignonne, jovial, tem os cabelos claros e ondulados, cortados na altura da nuca. Dona de um pequeno escritório de arquitetura, foi ela quem decorou o apartamento. O piso do saguão de entrada e da área social é de mármore branco. Na sala de estar há um grande sofá cinza e poltronas na mesma cor. As mesas laterais são em vidro, metal e madeira. Um quadro de Vik Muniz ocupa toda uma parede. No lado oposto, fica uma tela de Beatriz Milhazes. Stuhlberger não se interessa nem por decoração, nem por artes plásticas. “No meu trabalho, percebo que muitas pessoas usam a casa para se exibir”, disse ela. “É claro que gostamos de ter uma casa bonita, mas jamais compraríamos qualquer coisa na intenção de ostentar.”

Dias depois, encontrei-me com Lílian no misto de sala de jantar e escritório. Ela achou graça no que o marido havia dito sobre a importância dela na sua mudança de vida. A imagem que tem dele naqueles tempos era de uma pessoa tímida, desajeitada e mal vestida. “Ele não era um boa-pinta, mas era extremamente inteligente; entendia tudo de cinema, de teatro, de rock, era um cara brilhante”, disse. Porém, quando ela levou o namorado para a família conhecer, sua mãe disse: “Minha filha, que menino esquisito você foi arrumar!” No início do casamento ela diz que tentou arrumá-lo um pouquinho melhor. Logo desistiu.

“O Luis está sempre envolvido com grandes questões, a cabeça dele não é nada funcional”, continuou. O apartamento foi ela quem escolheu. Ele só esteve no imóvel uma vez antes de se mudarem. A mesma coisa com a casa da praia. “Ele soube que tinha uma à venda num condomínio que eu gostava e me ligou avisando que tinha fechado o negócio, sem nem ver a casa.” Ela não gostou do imóvel e resolveu reformá-lo. Tocou a obra sozinha. “Eu trazia uma amostra de piso ou de azulejo para ele ver, mas ele nunca olhou”, disse.

Lílian admitiu que às vezes se ressente com isso: “Ele fica plugado 24 horas no trabalho. Nas férias não temos mais sossego. Ele fala no celular até esquiando. Agora eu estabeleci algumas regras nas nossas viagens. Ele não pode falar no telefone na hora do jantar. E de manhã, antes de ligar, sempre me pergunta se pode.” O casal tem três filhas – Diana, de 21 anos (que Lílian considera a cópia do pai: “Ela é inteligentíssima. Uma das melhores alunas da FGV. Mas também é tímida.”), Renata, de 19, e a caçula, Beatriz, de 9.

 

Stuhlberger chegou do trabalho carregando uma nova pilha de papel. Foi trocar de roupa e voltou descalço, de bermuda azul-escura e camiseta de malha azul-clara. Explicou que era o seu uniforme de trabalhar em casa. Através da grande porta envidraçada que dá para a varanda, era possível ver uma imensa lua cheia. Alertado, custou um pouco para perceber do que se tratava. “Ah, a lua”, disse. “Engraçado, moro nesse apartamento há dez anos e nunca tinha reparado que era possível ver a lua daqui.” Lílian saiu. Como faz uma vez por semana, há doze anos, ia cantar no coral. “O Luis cantava também, mas agora não tem mais tempo”, disse-me ela.

Stuhlberger acorda às sete e meia da manhã e trabalha em casa até as 9 horas. Lê três jornais, acompanha os mercados da Ásia e vai para a empresa. Lá, reúne-se com analistas e operadores, discute o mercado e toma decisões administrativas. Sai invariavelmente para almoços de trabalho. Fica até oito e meia da noite na empresa e volta para casa, onde continua na labuta até a hora de dormir. Nos fins de semana, costuma dar uma caminhada e volta para seus estudos. A casa é o lugar adequado para fazer o que considera a parte mais importante da sua atividade: ler relatórios sobre o desempenho das economias e de empresas no Brasil e no mundo, e ana-lisar pesquisas sobre temas econômicos – consumo, tendências, renda etc. O Credit Suisse Hedging-Griffo gasta 500 mil dólares por ano só com pesquisas. “A massa de informações é monstra”, disse. “A dificuldade não é ter o que ler, é saber o que ler e como processar tudo isso.”

Seus almoços de trabalho são com analistas e empresários. Ele diz que esse contato com a economia real é fundamental para antecipar tendências. “Através dos relatos das vendas de um exportador, por exemplo, posso prever o que irá acontecer em determinado setor ou o que está acontecendo na economia de determinado país”, contou. Nesse aspecto, se julga diferente de seus pares: “A maioria dos gestores que conheço fica ligada na tela do computador olhando o movimento dos mercados em todo o mundo. Eu não faço isso. O mercado para mim é maria-vai-com-as-outras. É igual a concurso de miss. Ninguém vota na mais bonita, votam na que acham que os outros vão achar mais bonita.”

No começo da década de 90, começaram a surgir os fundos multimercados administrados por gestores independentes. Até então, eles eram geridos por bancos comerciais e de investimento. Stuhlberger achava que os fundos multimercados, embora tivessem um risco grande, podiam dar ganhos espetaculares para os clientes, se administrados com cautela. Começou então a amadurecer a idéia de se transformar em gestor, mas não se sentia seguro para o negócio. Em 1994, encontrou, por acaso, Ibrahim Eris, ex-presidente do Banco Central no governo Collor, que lhe contou que estava abrindo uma gestora de recursos, a Linear. Stuhlberger sugeriu que a Linear operasse com a Hedging-Griffo. A Linear montaria o fundo de investimento e a Hedging-Griffo indicaria seus clientes para investirem nele.

 

Durante dois anos Stuhlberger acompanhou o trabalho dos gestores da Linear, aprendendo como funcionava uma administradora de recursos. Quando constatou que aprendera tudo, tomou coragem para abrir seu próprio fundo de investimento, o Verde. O patrimônio inicial era pequeno, 500 mil reais. “Uma coisa era pegar o dinheiro dos clientes e aplicar em fundos já conhecidos no mercado, como os do Pactual, os do Garantia, os do Opportunity, os da Linear – as grifes da época”, contou. “Outra, era dizer que eu queria gerir o dinheiro deles. Afinal, quem era eu nesse mercado? Um vira-lata.” Havia ainda o complicador da má fama dos corretores na época. “A imagem da classe era pior do que a de congressista e de vendedor de carro usado”, brincou. “Naqueles anos selvagens, era comum uma corretora quebrar e desaparecer com o dinheiro do cliente.”

Começou a operar o Verde na contramão do mercado. Nos primeiros meses de 1997, enquanto boa parte dos bancos e gestoras apostava na estabilização da economia após o susto provocado pela crise do México, Stuhlberger olhava o futuro com preocupação. “Para mim estava claro que a economia brasileira ia muito mal: o preço das commodities estava lá embaixo, havia um déficit em conta corrente de 30 bilhões de dólares, e uma política fiscal que dava déficit primário. Eu achava que a única maneira que o governo teria de não desvalorizar o real em relação ao dólar, que era a base da política de estabilização, seria aumentar as taxas de juros.”

No dia 23 de outubro, o Banco Central, comandado por Gustavo Franco, fixou a taxa de juros em 19%. O mercado acreditou que a taxa estava dada para o mês, e não subiria mais. Boa parte dos investidores correu para a BM&F, para comprar papéis prefixados naquele patamar, apostando que os juros iam cair. No dia seguinte, seu aniversário, Stuhlberger foi almoçar com os sócios no restaurante Charlô. Durante o almoço, recebeu um telefonema avisando que a situação da Ásia havia piorado. Foi o que ele chama de “a gota d’água”, a informação-chave, definidora.

Ainda no restaurante, ligou para a empresa e ordenou a compra de uma enorme quantidade de contratos de juros para 30 dias na BM&F – mas apostando na alta das taxas. No dia 27, o mercado asiático desabou. Três dias depois, com a ameaça de fuga de capitais também no Brasil, o Banco Central elevou os juros para 43%. Stuhlberger se empolgou contando a história e explicou por que: “Foi um ganho espetacular para o Verde. Nós capturamos a variação dessa taxa. Não podia haver um começo melhor para o nosso fundo.”

Enquanto a Hedging-Griffo comemorava, a maioria do mercado se desesperava. O Banco Garantia foi tão afetado que teve que ser vendido. A Linear, que também havia apostado na queda dos juros, praticamente encerrou suas operações. Em um só dia, os recursos investidos na empresa tiveram desvalorização de 30%. Os clientes da Hedging-Griffo que tinham aplicações ali sofreram o baque. A Hedging-Griffo só não perdeu a credibilidade porque, ao perceber a deterioração, recomendou aos clientes que sacassem tudo o que tinham na Linear. O relacionamento de Stuhlberger com Ibrahim Eris gelou.

Stuhlberger começava, aos 43 anos, sua carreira de gestor. Vibrava com sua primeira vitória quando voltou a ser assombrado pelos sentimentos de insegurança. Nessa época, ele fazia trabalho voluntário em um colégio da colônia judaica, o Bialik. Com a crise, muita gente perdeu dinheiro e houve inadimplência nas mensalidades da escola. Como administrador, ele precisava se virar para pagar as contas. “Tinha que me responsabilizar por um negócio que não era meu e ninguém me ajudava”, lembrou. “Entrei em pânico porque achei que não tinha capacidade para fazer aquilo.” Pouco tempo depois, adoeceu. Sentia dores insuportáveis no abdômen. Passou o ano de 1998 doente, fazendo todos os tipos de exame, sem descobrir do que padecia. “Não tinha a menor condição de trabalhar, pensei que fosse morrer”, relembrou.

Na ausência de diagnóstico, um dos médicos lhe prescreveu o antidepressivo que ele toma até hoje. Começou também a psicanálise, que não acabou. No meio desse turbilhão, Lílian engravidou. Sua filha Beatriz nasceu em 18 de dezembro daquele ano, dia em que o casal comemorava 18 anos de casado. Ele descobriu aí seu lado supersticioso: “Havia uma conjunção de fatores positivos. Além da coincidência das datas, 18 é um número auspicioso para a religião judaica. Acho que a Beatriz veio trazer sorte para a nossa família”, sustenta. Coincidência ou não, após o nascimento da filha, as dores desapareceram junto com a ansiedade – e a Hedging-Griffo não parou mais de crescer.

 

Com 400 funcionários, a empresa ocupa três andares de um prédio na avenida Juscelino Kubitschek. No 6º andar, ficam as mesas de operação. Uma delas é exclusiva do Verde, onde trabalham quarenta pessoas. Cercado de gente, Stuhlberger toma sozinho todas as decisões de investimento. “É como se eu tivesse quarenta botões para apertar”, comparou. “Todos eles são muito bons individualmente, mas se eu os deixo tomarem a decisão, o grau de acerto não é tão bom.” Esse centralismo, ele admite, gera frustrações. “Sei que acabei excluindo uma série de pessoas boas porque elas não aceitam esse meu estilo.” Nesse tipo de fundo, o mais comum são os operadores terem mais independência. Mas ele não consegue operar assim. E foi esse modelo de gestão um dos fatores que levaram a Hedging-Griffo a se associar ao Credit Suisse. “Como não consegui formar um sucessor, tínhamos que pensar no futuro da empresa”, explicou. Figueiredo concorda que é o estilo de Stuhlberger que impede o surgimento de sucessores: “Ele não dá autonomia e é pouco hábil no trato com as pessoas. Suas críticas são arrasadoras.”

A partir de 2004, a Hedging-Griffo se transformou numa máquina de gerir fundos. Como o Verde havia atingido seu limite de captação – o fundo hoje não aceita mais cotistas –, a empresa começou a oferecer novos produtos. Ainda assim, o número de pessoas interessadas em ter seus recursos geridos pela administradora era maior do que o que eles tinham para ofertar. Para atender a demanda, a empresa teria que criar uma estrutura gigantesca, que exigiria a contratação de centenas de funcionários, ampliação de espaço e de custos, o que estava fora dos planos dos sócios. Stuhlberger teve então a idéia de vender fundos de terceiros. Passou a estimular jovens gestores, nos quais acreditava, a formar seus fundos de investimentos, que eram oferecidos na Hedging-Griffo. Dessa forma, a empresa formou uma rede comercial para vender produtos financeiros.

“Eles conseguem captar recursos para montar um fundo numa velocidade muito grande”, contou Paulo Bilyk. “Se eles anunciam um novo fundo, em dois meses conseguem captar 200 milhões de reais. Qualquer outro que tente fazer isso levará, no mínimo, seis meses.” A relação com esses parceiros é eficaz. “É bom trabalhar com o Stuhlberger porque ele é transparente, tem disposição para negociar e joga limpo o tempo todo”, disse Pedro Cerize, dono da administradora de recursos Skopos, um dos fundos encubados na Credit Suisse Hedging-Griffo.

Stuhlberger serve de chamariz, já que nos últimos anos virou um astro no mercado de fundos. A palestra que dá a investidores, todos os anos, em maio, costuma atrair mais de mil pessoas. O público fica em silêncio, atento às informações. Até os celulares emudecem. Numa dessas palestras, ele encontrou-se com uma colega de adolescência, que freqüentava o mesmo grupo de jovens descendentes de judeus asquenazis, imigrantes da Europa Oriental. Ela o cumprimentou e disse que ficara impressionada com sua desenvoltura. “Ela comentou que nunca me imaginaria fazendo aquilo, porque, na adolescência, eu não conseguia levantar os olhos para falar com ela”, ele disse. “A verdade é que fiz um esforço para me superar e enfrentar grandes platéias. Mas sei que o medo e a inibição da juventude não desapareceram, continuam escondidos lá no cantinho.”

 

Enquanto circulava rapidamente por entre as mesas de operação, mal olhando para os funcionários, Stuhlberger relembrou o momento em que a Hedging-Griffo passou a chamar a atenção do mercado por seus acertos. No final de 1998, ele estava preocupado com a rápida deterioração da economia brasileira e achava que a única saída do governo era desvalorizar o real. “Era lógico: como Fernando Henrique Cardoso tinha acabado de ser reeleito, teria quatro anos para consertar a economia”, disse. O mercado estava dividido, já que com Gustavo Franco à frente do Banco Central o câmbio não seria desvalorizado. “Ou o Gustavo caía e o câmbio se desvalorizava, ou o governo teria que subir os juros de novo para 40%. Mas isso levaria o país de vez para o buraco.”

Fez, então, uma pausa para criticar: “Acho que o Gustavo Franco, com sua política de juros altos e a insistência em manter a paridade cambial, deu mais prejuízos para o país do que todos os corruptos juntos.” Em seguida, voltou à história e contou que, em janeiro de 1999, teve novamente a informação gota d’água que o fez mudar os investimentos: a moratória da dívida de Minas Gerais, decretada pelo governador Itamar Franco. “Eu vi que ali não havia mais como o real se sustentar.”

Naqueles dias, ele tinha programado uma viagem com as filhas mais velhas, enquanto a mulher ficava em casa com a recém-nascida. “Eu estava muito angustiado e não viajaria em paz com a situação econômica daquele jeito”, contou. “Dois dias antes da viagem, fiz uma enorme posição em dólar na BM&F para proteger o dinheiro dos clientes no caso de desvalorização.”

No dia 13 de janeiro, às 9h45, Stuhlberger contemplava as Cataratas do Iguaçu quando recebeu um telefonema da empresa: Gustavo Franco caíra. Logo em seguida veio a desvalorização do real. Além do acerto no câmbio, ele fez outra operação milionária. No mesmo dia da desvalorização, quando o índice da Bolsa de São Paulo despencou para 5 mil pontos, ele comprou grande quantidade de ações de empresas exportadoras. “Era claro que, com a desvalorização, elas iam vender mais e suas ações iam subir”, explicou. “Não deu outra: no dia seguinte, houve uma valorização de mais de 10%.” O resultado foi um ganho de 135% nos recursos investidos no Verde naquele ano.

 

Stuhlberger esteve na posição certa na crise argentina, em 2001. Ganhou também na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, ao apostar no governo. A certeza veio de uma reunião no dia 22 de outubro, quando o senador Aloizio Mercadante fez uma palestra para investidores na sede da Hedging-Griffo. “No dia do encontro fazia um frio horroroso e ele chegou muito agasalhado”, contou Stuhlberger. “Na hora da palestra, fiquei a menos de um metro dele e, ali, eu tive certeza de que o PT não faria nenhuma bobagem. Tenho essa sensibilidade: quando estou fazendo um negócio, olho nos olhos das pessoas e sei quando estão sendo sinceras.” Depois da conferência, ele se desfez de posições que apostavam na crise, como os contratos de alta do dólar.

Na época, o Verde já tinha um patrimônio de 1 bilhão de reais. Em 2003, ele acertou novamente e o fundo ganhou mais prestígio. Havia uma sensação no mercado de que Lula não conseguiria governar com o Congresso. Em maio, Stuhlberger almoçou com um cliente, empreiteiro do Nordeste, que conhecia política a fundo, e ouviu dele a advertência de que quem apostasse contra o governo erraria. “Ele me disse que o Lula ia colocar o Congresso no bolso”, recordou. “Saí do almoço convencido e comprei tudo que podia: ações, títulos da dívida externa, tudo. Todos os papéis se valorizaram. É por isso que eu digo que não adianta falar com o mercado. Meus clientes me ensinam muito mais.”

Sua penúltima grande tacada foi no ano passado. Em maio, se convenceu de que a inflação voltaria a subir e comprou papéis indexados ao índice. “Foi pura análise econômica”, explicou. “O governo gasta muito e não investe. Na Coréia, para cada 100 unidades que o governo gasta, 25 são investimento e 75 custeio. No Brasil, 96 são custeio
e 4 investimento. Por isso não saímos nunca dessa armadilha de juros altos para conter a elevação dos preços.”

Lembrou que passou meses angustiado: “Todo o mercado estava na direção oposta à minha. Cheguei a escrever um relatório para meus clientes confessando minha aflição. Me sentia feito Muhammad Ali na histórica luta contra George Foreman, no Zaire, em 1974. Ali ficou na defensiva, apanhando até o oitavo round. Quando Foreman se cansou, ele deu apenas um soco e o derrubou. Foi o que aconteceu. Eu apanhei do Brasil inteiro. Era o único que achava que a inflação ia subir. Perdi dinheiro durante meses, mas quando a inflação subiu, no começo deste ano, os papéis capturaram a alta do índice e o fundo teve um ganho significativo.”

A jornalista Mara Luquet, que está escrevendo sua biografia, prevista para ser lançada em dezembro, contou recentemente, durante um almoço, um episódio que, para ela, é revelador da forma de Stuhlberger atuar: “Em maio do ano passado eu acabei me atrasando para um compromisso com ele porque não achava vaga para estacionar. Quando expliquei o motivo do atraso, ele comentou: ‘Essa informação é muito importante. É sinal de que está havendo um excesso de consumo. Carro demais na rua. Essa economia não vai agüentar. A inflação vai subir.'”

 

No final de agosto, Stuhlberger teorizou: “Está claro que o governo americano não vai deixar o sistema financeiro quebrar. Quem vai começar a sofrer agora é a Europa, porque está com problemas no sistema financeiro. Por isso fiz operações de dólar contra euro.” Ele pegou um papel e começou a desenhar o cenário que projetou. Traçou um boneco sobre uma linha reta representando o euro. Fez uma linha levemente inclinada para explicar como o mercado está vendo a queda da moeda européia. Depois, traçou um risco vertical, para baixo, explicando sua visão: o euro despencando. “Essa é uma enorme oportunidade que ninguém está vendo.”

Há meses ele vem comprando papéis e moeda americanos a preços baixos para seu fundo internacional, o Global. É assim que ele ganha. “Tudo o que eu faço é comprar barato.” No Verde, ele tem posições compradas em câmbio na BM&F. Está convencido de que o dólar, no Brasil, não volta para os patamares inferiores a 1,70 real. Já as ações, ele acredita que devem apresentar uma estabilização nos preços. “Não terão mais as grandes altas de 2007.”

O que o faz acertar quando boa parte do mercado erra? Ele credita seus acertos, primeiro, a análises exaustivas das conjunturas econômicas brasileira e mundial. “Eu sou muito disciplinado nos meus estudos, leio uma quantidade absurda de relatórios e depois tiro minhas conclusões”, disse. E filosofou: “O mercado tenta o tempo todo prever o futuro. Só que a maioria dos gestores faz isso olhando para o mundo de forma setorizada, através das informações que chegam pela tela do computador. Eu tento olhar esse mundo um pouco mais de cima. Não tão do alto que não enxergue a cidade e nem da rua. Faço uma análise macro e uma análise micro de cada setor, e vou para a economia real ouvir as pessoas.”

Seu segundo ponto forte, avalia, é trabalhar com várias teses de investimento: “Sempre faço um investimento protegendo o outro. Se perco numa ponta, ganho na outra.”

E existe um valor conceitual, que ele diz ser a base de todo o sucesso do Verde, a responsabilidade com o dinheiro dos outros: “Acho que nesse mercado existe muita ganância. E também muita gente jovem que nunca viu uma crise. Isso faz as pessoas tomarem riscos desnecessários. Isso eu não faço nunca.”

No Verde, ele opera basicamente com ações, títulos públicos e privados. A quantidade de ações no fundo pode variar de 50% a 15% do total da carteira. Nunca mais e nunca menos que isso. “Eu gosto de ações”, confessou. Elas podem cair nas crises, mas, passado o vendaval, voltam ao normal. Nas operações com derivativos ele só entra quando percebe uma boa oportunidade ou quando recebe a informação gota d’água. “Esse é um mercado muito arriscado”, disse. Se você perder, perde tudo. Eu me pergunto, meu cliente precisa disso? Não. Por essa razão, todas as operações que eu faço na BM&F são muito cautelosas, e só entro em momentos bem específicos.”

Stuhlberger diz que jamais age por instinto. “O único instinto que uso é o da sobrevivência, que está no meu DNA judaico”, brincou. “Todas as minhas decisões são bem embasadas. Acho que meu negócio dá certo porque sou o gestor mais covarde que existe. Morro de medo de perder o dinheiro dos outros. E o meu também.”

No ano passado, numa carta dirigida aos clientes, ele descreveu “a felicidade do ponto de vista de um gestor”. Nela, listou oito conceitos para descrever “o nirvana” do mercado. O primeiro é gostar da atividade, já que o trabalho toma 24 horas por dia, 365 dias por ano. Segundo, os momentos de euforia têm que ser maiores que os de angústia. “Se não for assim, o gestor não será feliz.” O oitavo conceito, ele classificou de o “instinto selvagem de felicidade”, que seria: ganhar quando todos ganham; perder pouco quando todos perdem; não perder nada quando todos perdem; e, finalmente, o nirvana: ganhar quando todos perdem.

 

Num jantar recente em sua casa, que o obrigou a desmontar parte do escritório, foi servido um vinho que o casal trouxe de uma viagem à Toscana. Foi Lílian quem o comprou, em uma vinícola. Stuhlberger comentou que não entendia nada de vinhos. E descreveu o estereótipo do mundo que habita: “Tem uma coisa que me aborrece nessa história de ser rico. Todo mundo, quando começa a ganhar dinheiro, acha que tem que entender de vinho, de música clássica, de charuto, e tem que dar dinheiro para o rabino.”

Ele detesta música clássica – em concertos, fica impaciente a ponto de sacar a caneta e começar a fazer anotações de trabalho –, não compra vinhos caros, odeia charuto e, definitivamente, não dá dinheiro para rabino. “É uma questão de princípio”, justificou. “Muitas vezes o dinheiro que vai para a sinagoga não é para ajudar causas sociais aqui no Brasil. Não acho justo. Este país acolheu os judeus perseguidos de forma generosa. É aqui que eu vivo. Foi aqui que minha família progrediu.”

A família de Stuhlberger – o avô, a avó, seu pai e seu tio, ainda pequenos – deixou a cidadezinha de Nowy Sacz, na Cracóvia, ao sul da Polônia, em 1929, fugindo do anti-semitismo. Seu avô era encanador e veio trabalhar na Klabin Papel e Celulose, em São Paulo, de propriedade de três irmãos lituanos de origem judaica. Parte da família imigrou também para os Estados Unidos e para a Colômbia. Todos os parentes que permaneceram na Polônia morreram durante a perseguição nazista na II Guerra Mundial.

Desde que começou a sobrar dinheiro, o que ele diz ter acontecido a partir de 1999 (até então ele nunca tinha feito uma viagem de negócios), Stuhlberger aumentou as doações. “Ajudo porque é uma forma de retribuir toda a sorte que tenho”, disse. Além das contribuições pessoais a entidades de caridade, a Fundação Hedging-Griffo, criada por ele, ampara a União Brasileiro-Israelita do Bem-Estar Social. Ele admite existir aí um pouco de superstição. “No fundo, acho que se eu não ajudar, Deus vai me punir e me tirar tudo”, contou. “Eu não peço a Deus que me dê nada. Acho que eu mesmo tenho que correr atrás de minhas coisas. Só peço que ele não me tire.”