Comentários ao artigo de Fernando Haddad
| Edição 130, Julho 2017
A FALSA REPÚBLICA
Na primeira semana de junho, apareceram nas redes sociais muitas críticas ao texto de Fernando Haddad publicado na piauí (“Vivi na pele o que aprendi nos livros”, piauí_129, junho). A maioria esperava dele um balanço do PT, juntamente com uma autocrítica reconhecendo os erros, que não foram poucos, na gestão petista, tanto no âmbito federal, como no da cidade de São Paulo.
Os balanços estão lá, embora tímidos. Alguns esperavam que ele fizesse o jogo da direita. O ponto central, para mim, é a análise do patrimonialismo brasileiro. É disso que se trata.
Destaco ainda alguns pontos positivos do texto. A mídia, a “grande mídia”, está lá, exposta em argumentos e análises bem lúcidas. O mesmo acontece com a politização do Judiciário.
Ao ler o texto, me veio a pergunta: como ser de esquerda e ao mesmo tempo governar? Como propor saídas, fazer valer uma agenda democrática e ampla em direitos sociais, e aceitar as regras do jogo, tal como o vê Raymundo Faoro? Acaba sendo bem mais honesto ser anarquista e construir uma outra luta contra o Estado e seus distintos mecanismos, do que disputá-lo e sonhar que se vive em uma republiqueta socialista!
CESAR SAAD_PONTA GROSSA/PR
O longo artigo de Fernando Haddad merece ser lido e comentado, pois suscita diversas questões.
Em primeiro lugar porque Haddad figura entre as novas e promissoras – infelizmente escassas – lideranças do país. Sua postura pública tem se pautado pela seriedade, consistência e compromisso democrático.
Em segundo lugar, pelo fato de Haddad ter muito a dizer sobre o presente e o futuro da nação, embora não ocupe o espaço que sua estatura política e intelectual lhe destinaria, deixando de verbalizar suas convicções com a força e a frequência que seria de esperar em face dos acontecimentos nacionais dos últimos anos. Desse modo, é ainda pequena sua contribuição para elevar o nível rasteiro do debate estratégico no Brasil de hoje.
Haddad discorre sobre assuntos diversos e relevantes, que mereceriam desenvolvimentos específicos para serem mais bem elucidados. Trata com propriedade do patrimonialismo brasileiro (recomendaria ao ex-prefeito incorporar em sua análise os trabalhos recentes de Jessé Souza, que investe de forma contundente contra essa concepção arraigada nos intérpretes da história brasileira), argumenta citando Marx, Habermas e Luhmann, e investe lucidamente contra o papel da grande mídia brasileira na manipulação tendenciosa dos fatos perante a opinião pública.
Mas o que desejo analisar é o assunto principal do artigo, sua gestão à testa da Prefeitura de São Paulo. E aqui os comentários não são tão lisonjeiros.
São Paulo tem vivido a experiência de gestões municipais bastante heterogêneas. Depois do desastre das administrações Maluf e Pitta, a gestão de Marta Suplicy entre 2001 e 2004 deixou um legado muito importante de realizações, em parte descontinuadas nas gestões seguintes, de Serra e Kassab. Assim que, quando assume Haddad, em janeiro de 2013, a expectativa de renovação e mudança afigurava-se consistente com a biografia do prefeito.
Porém, indo direto ao ponto, afirmo que sua gestão frustrou expectativas. Ressalvando alguns avanços internos importantes, mas de peso político externo diminuto, como a luta contra a corrupção e o saneamento das contas públicas, a formulação do novo Plano Diretor Estratégico (cuja relevância não pode ser desprezada, porém tampouco supervalorizada, pois planos não têm o condão de se sobrepor à realidade), além de uma postura republicana de diálogo e prioridade ao espaço público, pouco mais se pode acrescentar.
O que é decepcionante, não apenas pelo que uma cidade do porte e do significado de São Paulo requer (penso em ações ousadas estruturantes, de articulações criativas entre o público e o privado, de uso intenso da tecnologia digital na gestão urbana, de reformas administrativas que melhorassem a eficiência da administração e elevassem o moral dos servidores, de parcerias estratégicas para a construção de um futuro mais humano e inclusivo para a cidade, da necessária concertação metropolitana…), como também se compararmos às gestões anteriores do pt na cidade, que deixaram marcas duradouras.
Faltou, sobretudo, ação política. Presença nas periferias, interlocução inteligente com movimentos sociais, engajamento de atores sociais relevantes em projetos concretos de renovação urbana, uma comunicação eficiente com a sociedade.
Seu secretariado, com algumas exceções, foi muito fraco, com inexperiência política e déficit técnico. O viés fisiológico, de direita, prevaleceu. Sua assessoria direta carecia dos mínimos atributos capazes de alimentar o núcleo político e administrativo de critérios de decisão qualificada. O desconcerto (até certo ponto natural, mas pelo grau a que chegou, exagerado) ao longo dos protestos de junho de 2013, a omissão e a falta de iniciativa da gestão municipal em face das demandas metropolitanas e da crise hídrica são alguns dos exemplos mais notórios dessa indigência política.
Seu secretário de Governo, ao longo de quase três anos à testa da Secretaria, não fez nenhuma reunião com sua equipe de apoio. Nesse caso, não obstante as boas intenções subjacentes, a responsabilidade direta é do prefeito, que nomeia seu secretariado e sua assessoria direta. Falo como alguém que testemunhou as coisas por dentro, já que trabalhei como assessor especial da Secretaria do Governo Municipal ao longo de toda a gestão Haddad.
A derrota eleitoral, da forma como aconteceu, não chegou a surpreender. Ainda mais se pensarmos que, como corolário das deficiências apontadas, a construção do programa de governo para sua reeleição foi absolutamente inconsistente. O que é lamentável, sobretudo se pensarmos na perda democrática que a cidade sofreu com a chegada ao poder político municipal de um autêntico gestor da enganação, um lobista franco-atirador que pesca nas águas turvas da política nacional. Só espero que Fernando Haddad retome seu protagonismo e sua inteligência em prol de análises e propostas lúcidas para a cidade e o país. As forças progressistas lhe serão para sempre gratas.
RICARDO CARLOS GASPAR_SÃO PAULO/SP
Parabéns pelo interessante artigo “Vivi na pele o que aprendi nos livros”. Refiro-me à análise teórica de Fernando Haddad sobre as manifestações de 2013 e, especificamente, sobre o papel das classes médias. Como não lembrar o veemente pronunciamento – a plateia aclamando e Lula aplaudindo – da filósofa Marilena Chaui (“… odeio a classe média…”)? Então parece claro que, no pensamento dos intelectuais neomarxistas, os verdadeiros adversários não são os grandes capitalistas (os quais podem ser facilmente agregados em negócios escusos), e sim as classes médias. Uma pergunta não quer calar: não foram Lula e Dilma que se vangloriaram de ter elevado milhões de pobres ao patamar da classe média?
GIANFRANCO BELLINZONA_RIO DE JANEIRO/RJ
Parabéns, piauí! Depois de tanta gente desnecessária nos últimos meses, finalmente um artigo de alguém que realmente importa: Fernando Haddad. Um visionário cujo brilhantismo talvez só seja percebido pelas futuras gerações, já que a atual, como foi explicado, é totalmente alienada e prefere ter um cérebro-marionete manipulado por veículos de imprensa que distorcem a seu bel-prazer informações a respeito de todo e qualquer tipo de acontecimento.
Observação: há anos ele é meu crush; quem sabe se a piauí publicar minha carta ele agora fique sabendo?
JÉSSICA BARBOSA DE ARAUJO_SÃO PAULO/SP
NOTA ALCOVITEIRA DA REDAÇÃO: Prefeito, o senhor agora está sabendo.
SUPREMO PARTIDO
Em “A juíza”, de Consuelo Dieguez, duas constatações que nos fazem brasileiros envergonhados. Gilmar Mendes resolveu julgar – e pela nossa lei tem o direito de resolver que ele pode julgar – uma ação defendida no Supremo pelo escritório de advocacia do qual sua mulher, Guiomar Mendes, é chefe em Brasília; e mais, se por acaso houvesse questionamento por parte do Ministério Público, haveria uma união dos colegas ministros, na defesa do ministro. Pode isso?
Em tempo, admiro muito o trabalho da Consuelo Dieguez, e como fanático apoiador da piauí, acho até que ela deveria ser promovida com substancioso aumento salarial. Esclareço de antemão que apenas nossos sobrenomes são iguais. Não somos parentes.
JOSÉ DIEGUEZ_SÃO CARLOS/SP
NOTA EXPLICATIVA DA REDAÇÃO: José, suponho que você seja familiarizado com o coeficiente de Gini, índice que mede a distribuição de renda numa determinada população. Pois bem, para perplexidade da ONU, do Banco Mundial e especialmente nossa, o Gini da redação é próximo de 1 – leia-se: máxima concentração, máxima desigualdade. A explicação é uma só: Consuelo Dieguez. O holerite dela é de tal monta que pouco sobra para os outros repórteres. Muitos vivem de lhe prestar pequenos serviços, como lavar a sua Mercedes ou passar graxa nas pás do helicóptero com o qual ela se desloca de Búzios para a redação. O economista francês Thomas Piketty vem utilizando o conceito de “coeficiente de Consuelo” para designar esse triste estado de coisas.
O bom artigo de Consuelo Dieguez, “A juíza” (piauí_129, junho), fez-me conhecer melhor a nossa Suprema Corte e um pouco mais sobre a minha brilhante e poderosa conterrânea. Mas fiquei cheio de interrogações após a leitura. As perguntas ainda fervilham na minha pobre cabeça. Eu queria saber por que escolhemos os nossos ministros para esta elevadíssima corte entregando tal decisão ao presidente da República. Se amanhã este juiz poderá ter que julgar o próprio presidente que o indicou ou assuntos relativos ao seu governo, isso não seria ilógico, contraditório e até perigoso? Que outras maneiras seriam possíveis para termos tais escolhas e nomeações? Quais países no mundo têm sistemas de escolhas semelhantes ao nosso? Em quais países os métodos são diferentes destes que adotamos? Concursos públicos seriam viáveis? Alguma outra maneira parecida com os métodos usados na carreira militar? O que pensaria a nossa juíza sobre isso?
E a questão do foro privilegiado? A quem interessa? Só aos políticos? A quem mais? E também gostaria de saber que países têm um sistema assim. Onde é diferente? O que os outros sistemas adotam para proteger a atividade lícita do político de perseguições indevidas? Seria possível mudarmos isso aqui?
Peço-lhes que transmitam tais indagações e dúvidas à repórter Consuelo Dieguez.
LUIS CARLOS HERINGER_MANHUMIRIM/MG
NOTA ESPERANÇOSA DA REDAÇÃO: Dúvidas e indagações transmitidas. Quando Consuelo voltar das Ilhas Gregas (ver nota anterior), quem sabe ela responde.
UM MESTRE DA MATEMÁTICA
Sou alagoano retirante em São Paulo. Quando, ainda hoje, o sotaque me entrega em alguma conversa, vem sempre a mesma pergunta: “Ah, você é da terra do Collor?” Não importa se na padaria, fila do banco ou entrevista de emprego, me vejo obrigado a sacar do coldre Graciliano, Hermeto, Nise, Ledo, Rosalvo, Jorge e, quando nada disso surte efeito, Zumbi, Djavan e Marta sempre me salvam.
Escrevo isso porque, mesmo com todo esse histórico particular, só fui conhecer o Elon Lages Lima (“Mestre de mestres”, piauí_129, junho) ao ler seu obituário no site da piauí (e por tabela o documentário da María Campaña).
Que história incrível! Uma dinastia alagoana da matemática brotando das aulas de Benedito de Morais na Maceió dos anos 40, passando por Elon Lages, Manfredo do Carmo, Hilário Alencar e chegando a Fernando Codá.
Queria muito que essa história fosse mais conhecida pelos meus conterrâneos.
THALLES GOMES_SÃO PAULO/SP
À PROCURA DE PYNCHON
Delicioso texto da Natália Portinari (“O falso eremita”, piauí_128, maio). Não fazia ideia do culto que cerca a personalidade arredia de Thomas Pynchon, embora já tenha lido (e adorado!) dois livros dele.
Ao ler a matéria, em meio a depoimentos tão contraditórios e conflitantes de conhecidos sobre a figura esfíngica do escritor, foi impossível não traçar paralelo com o Cidadão Kane. Quem é Thomas Pynchon? Diante da sua obra, me parece uma questão irrelevante e boba, assim como a fixação do repórter com a palavra Rosebud no filme do Orson Welles.
P.S.: Em termos de paranoia com a privacidade, Pynchon faz Roberto Carlos parecer um participante de reality show;
P.P.S.: A editora responsável pelas obras do autor no Brasil poderia reeditar alguns livros esgotados. Está mais fácil encontrar o próprio Pynchon aqui no interior da Bahia do que conseguir ler O Arco-Íris da Gravidade, Vineland e O Leilão do Lote 49…
HENRIQUE MANOEL SIMÃO DE OLIVEIRA_ENTRE RIOS/BA
A NUDEZ DA FOLIÃ
Já acompanho o trabalho dos senhores há algum tempo (meu pai é assinante e sempre se pergunta para onde terá ido sua coleção da piauí), mas, mesmo amando o Trump Herald da edição 124, nunca antes fiquei tão satisfeita com um artigo quanto fiquei com o belíssimo (digno de um quadro no Louvre) “Bela, engajada e do laiá-laiá” (piauí_127, abril). A entrevista com Andréia, a corajosa paulista que participou das folias de Carnaval com os seios à mostra, foi comovente em diversos níveis que eu, honestamente, não esperava de uma revista tão ácida.
A delicadeza com a qual o assunto foi tratado, aparente principalmente na escrita de Armando Antenore, mostra que a redação e o jornalista se preocuparam em entender o movimento e as motivações de Andréia, não apenas retratar a moça como uma attention whore que gosta de chocar o público. O repórter entendeu o receio de Andréia de ser entrevistada por um homem e, além de entender, não escondeu esse receio em sua entrevista. Espero que ela tenha perdido esses receios.
Outro aspecto extremamente positivo foi a normalidade com que o autor tratou a bissexualidade de Andréia.
Outra edição surpreendente. Até chocante, se me atrevo. Obrigada pela representatividade, caro Herald.
CLARA SCHADEK MARQUES_SÃO PAULO/SP
ESPESSURA
Sinalizaria a edição 129 uma nova tendência de formatação da revista? A espessura ficou excelente. Se a pessoa possui o hábito de leitura no banheiro e, por um motivo qualquer, esquecer de levar consigo a revista, não haverá mais aquele constrangimento de solicitar a alguém o bom préstimo de providenciar o periódico. A partir de agora, a revista tranquila e suavemente poderá deslizar por debaixo da porta sem que haja o mal-estar que caracterizava o momento da entrega.
CLÁUDIO KUPIDLOWSKY FERNANDES_BELO HORIZONTE/MG
NOTA INSTRUTIVA DA REDAÇÃO: Alguns colegas de trabalho – os mais cínicos dentre nós, registre-se – sentiram na carta do leitor um travo de sarcasmo. Discordamos. A questão procede e merece que se lhe dê atenção. Por isso alertamos: dado que a edição corrente da revista tem 74 páginas, doze a mais do que a da referida #129, recomendamos vivamente aos leitores que não se esqueçam de entrar na casinha com a revista embaixo do braço. Aos desmemoriados patológicos, sugerimos tirar uns três centímetros da bainha da porta de modo a permitir o deslizamento suave da edição corrente até as mãos ansiosas do leitor compreensivelmente angustiado.
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