IMAGEM: BETO NEJME_2010
Dentro das pesquisas
Como as enquetes quantitativas e qualitativas se tornaram a bússola da campanha para presidente
Consuelo Dieguez | Edição 42, Março 2010
Num início de tarde de dezembro, Márcio Quintanilha deixou o Instituto Opção MSC Estudos e Pesquisas, instalado num prédio acanhado no subúrbio carioca de Vicente de Carvalho. Seu plano de trabalho para o dia era entrevistar sete eleitores – três homens e quatro mulheres – que morassem na rua Inácio Acioli e trabalhassem, mesmo sem registro formal. O plano fora elaborado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, o Ibope, para o qual o Opção presta serviços. Naquela semana, fora iniciada uma pesquisa nacional para avaliar a intenção de voto para presidente da República nas eleições de outubro.
Com a mochila nas costas e um guia de ruas nas mãos, Quintanilha, de 31 anos, atravessou o pequeno corredor onde a empresa divide espaço com um estúdio fotográfico e uma oficina de conserto de eletrodomésticos, desceu por uma escada apertada e desembocou na longuíssima avenida Vicente de Carvalho. Cruzou vários quarteirões, parou para consultar o guia e, depois de quase uma hora de caminhada, chegou à Inácio Acioli, uma rua de casas térreas, boa parte delas com as fachadas decoradas com os santos de devoção de seus moradores. Na rua, escolhida por sorteio com base em dados do censo do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sete entrevistados deveriam servir de exemplo para as opiniões de eleitores cariocas das classes C e D.
Quintanilha colocou o crachá do Ibope, sacou da mochila um questionário com vinte perguntas e iniciou seu trabalho. As três primeiras casas estavam fechadas. Na quarta, o morador não quis responder. Muitos não aceitam porque têm que dar o endereço e o número do telefone. Na quinta, um mecânico desempregado de 55 anos, que faz bicos para uma empresa de engenharia, aceitou responder o questionário. À pergunta: “O senhor se considera muito satisfeito, satisfeito, pouco satisfeito ou insatisfeito com a vida que leva hoje?”, o mecânico foi firme: “Me considero satisfeito.” À segunda questão, “Qual é o seu interesse pelas eleições presidenciais: muito interesse, médio interesse, nenhum interesse?”, ele disse: “Médio interesse.” Na terceira, “Se as eleições fossem hoje, em quem o senhor votaria?”, o entrevistado se atrapalhou. “Não sei, não conheço o nome de nenhum candidato.”
Em vez de apresentar uma lista com os candidatos em potencial, o que implicaria uma ordem, mesmo que alfabética, Quintanilha mostrou um disco de papel com os nomes de José Serra, Aécio Neves, Dilma Rousseff, Marina Silva e Ciro Gomes. O mecânico respondeu Serra. Perguntado sobre os candidatos que mais conhecia e se votaria neles, ele olhou um por um os nomes e foi escolhendo as opções possíveis. Serra: “Conheço e votaria”. Ciro: “Conheço e votaria”. Dilma: “Conheço e não votaria”. Aécio: “Não votaria porque não conheço o suficiente”. Marina Silva: “Não conheço.”
Na casa seguinte, uma mulher sorridente de 35 anos, vestindo uma camisola, chegou ao portão. No jardim, seus filhos faziam algazarra com a bola de futebol. Costureira, ela presta serviços para confecções. Seu marido, taxista, chamou-a ao celular quando ela ia começar a responder, e ela lhe contou a novidade: “Você não vai acreditar. Estou sendo entrevistada pelo Ibope. Depois me liga para eu te dizer como foi.” À primeira pergunta sobre satisfação com a vida atual, escolheu: “Muito satisfeita.” Já à pergunta se as eleições fossem hoje, ela não soube dizer o nome dos candidatos. Pediu ajuda ao pesquisador, que se manteve inescrutável. “Não podemos influenciar os pesquisados”, ele me explicaria mais tarde. Vendo que não teria ajuda, a entrevistada deu uma resposta que não servia para o questionário: “Eu votaria na peruquinha, aquela que é candidata do Lula. Como é mesmo o nome dela? Heloísa?” Vendo o disco com nomes, ela não vacilou: “Dilma. Era essa que eu queria falar.” Dos candidatos apresentados, só votaria em Dilma. Em Serra, Aécio, Ciro e Marina “não votaria de jeito nenhum”.
A terceira entrevistada foi também uma mulher. Ela trabalha no escritório do filho e o marido é aposentado por invalidez. Escolheu a opção “Satisfeita” para avaliar sua vida atual. Não soube responder à pergunta espontânea em quem votaria se a eleição fosse hoje. Mas na estimulada escolheu Marina Silva. Conhecia Dilma, Ciro e Serra, mas nunca tinha ouvido falar em Aécio.
O pesquisado seguinte, um corretor de imóveis de 54 anos, avisou que tinha pressa para ir “fechar uma venda”. Estava empolgado com o negócio e, na pergunta sobre o grau de satisfação, cravou: “Muito satisfeito”. “Satisfeitissíssimo”, acentuou. Não soube dizer o nome do candidato em quem votaria, mas explicou que “era naquele do Norte”. Esperou em vão pela ajuda do pesquisador. Ficou aliviado quando viu o nome de Ciro Gomes na lista: “É nesse, no Ciro que eu votaria.”
O próximo abordado foi um homem que chegava em casa com sacolas de compras de supermercado. À pergunta sobre o atual nível de satisfação com a vida, escolheu “Insatisfeito”. Sobre o interesse nas eleições indicou: “Muito.” Enrolou-se na pergunta em quem votaria se a eleição fosse hoje. “Não sei o nome, mas votaria no candidato do Lula.” Ao ver o disco, apontou Dilma.
Haviam se passado mais de duas horas quando Márcio Quintanilha percorreu um corredor úmido entre a casa e o muro para chegar a mais uma entrevistada. A moradora, de short e camiseta, recebeu-o numa pequena área com roupas de bebê penduradas no varal. Ela trabalha numa fábrica de salgados e avisou que quem entendia de política na casa era o marido. Na pergunta espontânea sobre em quem votaria, não lembrava o nome de nenhum candidato. De posse do disco, escolheu Serra.
Às 18 horas, Quintanilha encontrou a última entrevistada, uma mulher de 33 anos que estava sentada na calçada em frente de casa, conversando com uma amiga. Ela é revendedora da Avon. Não sabia dizer o nome do candidato em quem votaria. Pediu ajuda à amiga, que também não sabia. Ao ver o disco, apontou para o nome de Serra. Sobre o nível de conhecimento dos candidatos, escolheu a opção “Mais ou menos” para Serra, Dilma, Aécio e Ciro, e “Nunca ouvi falar” para Marina.
Os questionários de Márcio Quintanilha se juntaram aos outros 993 obtidos em todo o país que permitiriam ao Ibope divulgar que José Serra tinha 38% da preferência dos eleitores e Dilma, 17%. Os institutos que levantaram dados na mesma época apuraram resultados semelhantes. Como os diretores dos institutos não se cansam de repetir, as pesquisas flagram apenas um momento. Não oferecem nenhuma garantia de que, em outubro, o voto dos entrevistados será o mesmo.
“Se o eleitor mantivesse a mesma opinião, não existiriam os votos de virada”, disse Márcia Cavallari, diretora de atendimento e planejamento do Ibope, durante uma conversa na sede do instituto, nos Jardins, em São Paulo. O ex-prefeito do Rio, Cesar Maia, um fanático por enquetes eleitorais, me disse que a população “não dá muita bola para as pesquisas com um ano de antecedência”. Embora mudem, e no momento interessem pouco aos eleitores, as pesquisas são vitais para dois grupos: políticos e grandes empresários.
Pouco antes do Natal, Aécio Neves anunciou que não seria candidato ao Planalto. O motivo da desistência foram as respostas dadas a Márcio Quintanilha pelos moradores de Vicente de Carvalho: nenhum deles votaria no governador mineiro para a Presidência. Na pesquisa nacional, quando seu nome entrava no lugar do de José Serra, ele obteve apenas 14% da preferência e ficou atrás de Ciro Gomes e Dilma Rousseff. Por mais que os chefes do Partido da Social Democracia Brasileira preferissem o governador de Minas Gerais, me disse um deles: “Não poderíamos abrir mão de um candidato com quase 40% da preferência para apostarmos no Aécio, praticamente desconhecido dos brasileiros, como mostraram as pesquisas.”
“As empresas que costumam ser doadoras são ávidas consumidoras de pesquisas eleitorais”, disse Márcia Cavallari. “De posse dos resultados, elas definem como distribuirão suas verbas entre os candidatos.” Os que estão na frente recebem mais dinheiro.
As pesquisas prévias à campanha interessam a todos os políticos profissionais, e não só aos grandes partidos. São elas que moldam as coligações – fundamentais para garantir um tempo maior ao candidato na televisão. No livro Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais, o cientista político tucano Antonio Lavareda mostra que, nas eleições municipais de 2008, em vinte das 26 capitais, os vitoriosos no primeiro turno foram os que tiveram maior tempo de exposição na televisão durante o horário eleitoral gratuito.
Uma pesquisa nacional não sai por menos de 180 mil reais. “É preciso contratar entrevistadores e montar uma logística para se chegar aos locais mais remotos, como municípios no interior do Amazonas”, disse Márcia Cavallari. “É tudo muito caro.” A praxe nessas pesquisas é entrevistar mil eleitores. Para projetar como votarão os 102 milhões de eleitores brasileiros, portanto, os institutos se baseiam numa amostra que corresponde a 0,00098% do eleitorado – menos que um milésimo de um por cento. É uma fração tão pequena que justifica duas perguntas recorrentes: “Por que eu nunca fui entrevistado?” e “Como é possível que, com tão poucas entrevistas, se possa avaliar o que pensa o eleitorado?”
“Você não precisa tirar todo o sangue de um paciente para fazer um exame, e também não precisa tomar toda a sopa do prato para saber se ela é boa”, respondeu Mauro Paulino, diretor do Datafolha, o instituto de pesquisas da Folha de S.Paulo. “Com estatísticas, é a mesma coisa.”
Os institutos escolhem uma amostra da população brasileira com base nos dados do último censo: número de homens e mulheres, faixa etária, grau de escolaridade, nível de renda e distribuição geográfica. O universo dos entrevistados deve replicar o perfil demográfico da população. Se em uma cidade o censo registra que há cinco homens para cada seis mulheres, a pesquisa ali terá que trabalhar com a mesma proporção de entrevistados dos dois sexos. Definida a amostra, os pesquisadores saem à rua em busca de um grupo de eleitores que se encaixem naquele perfil.
Parece óbvio, mas foi preciso que, em 1936, George Gallup, um estatístico americano de 35 anos, revolucionasse as pesquisas com o uso da técnica de amostragem. Naquele ano, baseado nas respostas de 5 mil entrevistados, ele previu a vitória de Franklin Roosevelt sobre Alfred Landon nas eleições presidenciais. Gallup não apenas acertou o resultado. Também mostrou que a previsão errada de um concorrente, a Literary Digest, que previra a vitória de Landon com base em mais de 2 milhões de questionários, resultara do uso de uma amostragem aleatória.
Para evitar fraudes, os institutos checam as pesquisas antes de divulgá-las. Fechados os questionários, 20% dos pesquisados são procurados, por telefone ou pessoalmente, para confirmar se foram entrevistados e se as respostas que eles deram batem com os questionários. Caso seja constatado algum erro, as entrevistas são refeitas. Além disso, as pesquisas têm que ser registradas na Justiça Eleitoral, e seus resultados ficam à disposição de quem queira conferi-los.
O Datafolha visita em média 150 municípios, de todos os portes, escolhidos por sorteio. A coleta tem que ser feita em um prazo máximo de três dias porque, senão, a pesquisa envelhece. “Um fato novo que ocorra no meio do processo pode levar o eleitor a mudar de opinião sobre seu candidato”, explicou Paulino. O maior fiasco de George Gallup foi prever, nas eleições presidenciais americanas de 1948, a vitória de Thomas Dewey sobre Harry Truman, por quinze pontos percentuais. Truman venceu, e Gallup creditou o seu erro ao fato de ter encerrado as pesquisas três semanas antes do dia das eleições.
O Datafolha é o único instituto que não faz pesquisas eleitorais para partidos ou políticos. Elas são realizadas apenas para divulgação. Ao fundá-lo, em 1983, Octavio Frias de Oliveira queria fornecer aos leitores da Folha de S.Paulo informações que estivessem desvinculadas das partes envolvidas no processo eleitoral. “Não há o risco de termos o contratante da pesquisa querendo saber o resultado na frente ou interferindo no nosso trabalho,” disse Paulino.
Outra peculiaridade do Datafolha é não fazer enquete domiciliar. Seus entrevistadores abordam as pessoas nas ruas. São selecionados o local de abordagem e o perfil do eleitor visado, que o pesquisador deve confirmar no momento da entrevista. O custo dessas pesquisas não foge do padrão das domiciliares: 180 mil reais. Alguns estatísticos consideram que a margem de erro nesse tipo de levantamento tenderia a ser maior, já que na rua é mais difícil perceber se o entrevistado fala a verdade. Na sua casa, não há como não se perceber, por exemplo, se a pessoa é de alta ou de baixa renda. Mauro Paulino discorda: “Nós temos altos índices de acerto em nossas pesquisas, o que mostra que a qualidade das nossas amostras é excelente.” Além de ser mais rápida, a abordagem nas ruas evita um problema comum: muitas pessoas se recusam a abrir as portas para os pesquisadores, com medo de assaltos.
O Brasil entrou na era das pesquisas em 1942. Querendo saber os índices de audiência de sua rádio, a Kosmos, o empresário paulista Auricélio Penteado viajou aos Estados Unidos para fazer um estágio no Instituto Americano de Opinião Pública, de George Gallup. De volta a São Paulo, passou a aplicar o que aprendera. Descobriu que a rádio Kosmos era um fracasso de audiência e mudou de ramo: em maio daquele ano, criou o Ibope.
Seus primeiros trabalhos foram pesquisas de audiência de rádio e de consumo de produtos. Com o tempo, o Ibope expandiu suas atividades e hoje é o maior instituto de pesquisas da América Latina. Ele tem 2 800 funcionários em escritórios espalhados pelo Brasil e doze países latino-americanos. No ano passado, faturou 250 milhões de dólares com seus 1 300 clientes. Diariamente, pesquisa 3 950 domicílios para medir a audiência de emissoras de televisão. Fez 330 mil entrevistas entre agosto e outubro do ano passado, quando houve eleições municipais, para completar 500 pesquisas em 333 municípios. Acertou 95%, dos resultados do primeiro turno e 98% do segundo.
Auricélio Penteado já havia abandonado o comando do Ibope quando, em 1977, Paulo de Tarso Montenegro assumiu a presidência da empresa, levando seus filhos Carlos Augusto e Luís Paulo para trabalhar com ele. Foi naquele ano que o Ibope começou a realizar pesquisas eleitorais de boca de urna nas eleições para deputados e senadores.
Só nos anos 60, primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa, as pesquisas começaram a se tornar elementos fundamentais para a estratégia de partidos e candidatos. No Brasil, a ditadura militar retardou seu desenvolvimento. Elas ressurgiriam nas eleições diretas para governador, em 1982, e só sete anos depois, com as primeiras campanhas presidenciais em quase trinta anos, mostraram o seu poder.
O sociólogo Marcos Coimbra fazia seu doutorado na Universidade de Manchester, na Inglaterra, quando as eleições diretas foram retomadas no Brasil. De volta, ele se juntou ao Vox Populi, um instituto de pesquisa em Belo Horizonte, que cabia numa sala. Coimbra foi um dos primeiros a aplicar uma técnica ainda pouco conhecida aqui, mas muito usada nas campanhas americanas: as pesquisas qualitativas.
A técnica vinha sendo utilizada nos Estados Unidos, desde os anos 40, para adequar mercadorias ao gosto dos consumidores. Numa qualitativa, montam-se grupos de discussão nos quais os entrevistados, ao contrário do que ocorre nas quantitativas, são estimulados a opinar. Os grupos, de no máximo doze pessoas, são homogêneos, já que o que se quer é descobrir como determinado segmento da população reage a determinado produto ou tema. Todos os comentários e reações, inclusive gestos e expressões como cara feia, sorrisos e ar de enfado, são gravados e transformados em relatórios.
As qualitativas foram rapidamente absorvidas pela indústria da propaganda. Daí para as campanhas eleitorais, foi um pulo. No livro Vende-se um Presidente, o jornalista Joe McGinniss contou como Richard Nixon, candidato a presidente em 1968, foi transformado numa mercadoria. “Presidentes em potencial são medidos de acordo com um ideal que é uma combinação de líder, deus, pai, herói, papa, rei, com um toque de titã”, alertou um marqueteiro do candidato republicano. Segundo McGinniss, o marqueteiro, receando que Nixon se encaixasse apenas no estereótipo do pai, propôs o que deveria ser feito “não com Nixon, mas na forma como ele era visto pelo eleitor”. Com a ajuda das qualitativas e de marqueteiros, os modos, a forma de falar, e até o conteúdo do que Nixon dizia foram ajustados ao que os eleitores queriam – e ele ganhou a eleição.
Marcos Coimbra foi procurado, em 1988, por um amigo de infância que se elegera governador de Alagoas. Fernando Collor queria saber se teria alguma chance se fosse candidato a presidente no ano seguinte. O sociólogo fez um questionário com 100 temas e perguntas e o aplicou em grupos. Descobriu que boa parte do eleitorado gostaria de ter um presidente que mostrasse indignação com a corrupção. Que não fizesse parte da carcomida Nova República do presidente José Sarney e do deputado Ulysses Guimarães. Que não integrasse a máquina política dos grandes partidos. E, de preferência, que fosse jovem e reformista. Sim, Collor teria chance de ser eleito presidente, concluiu Coimbra.
Mas não só ele. O petista Luiz Inácio Lula da Silva, o liberal Guilherme Afif Domingos e o comunista Roberto Freire também cabiam no modelo que emergiu das qualitativas. Collor contratou o Vox Populi para auxiliá-lo na campanha.
“Usamos qualitativas para acompanhar se o Collor que aparecia no horário eleitoral estava em linha com o que a população esperava de um candidato”, disse Coimbra, num almoço em um restaurante no centro do Rio. “Mas ele não foi um produto criado pelas pesquisas: era genuinamente o que as pessoas queriam de um candidato naquele momento.” Coimbra acredita que hoje não há espaço para um candidato como Collor. “O eleitor não quer mais saber de desconhecidos, ele quer alguém que tenha história.”
Um candidato ainda mais dependente de pesquisas surgiu em 1996, quando Paulo Maluf buscou um nome para sucedê-lo na prefeitura paulistana. Sem alguém de peso para indicar, ele aceitou a sugestão do publicitário baiano Duda Mendonça – marqueteiro de suas campanhas – de testar quatro de seus secretários em qualitativas. Maluf gravou um texto dizendo que precisava escolher alguém para tentar dar continuidade ao seu trabalho. “Entre os vários nomes bons, quatro se destacam”, dizia o prefeito no vídeo que foi passado aos grupos. “Gostaria que vocês os conhecessem e me ajudassem a escolher qual deve ser o meu candidato.” Em seguida apareciam os quatro, individualmente, falando mais ou menos o mesmo texto.
O que Duda Mendonça queria testar, como explicou no livro Casos & Coisas, era a simpatia e o carisma de cada um. Alto, compenetrado e tranquilo, Celso Pitta foi o que se saiu melhor. Secretário de Finanças da prefeitura, o carioca Pitta era desconhecido da população paulistana. Sua trajetória se limitava ao cargo de diretor financeiro da Eucatex, empresa de Maluf. A imagem de Pitta foi totalmente moldada pelas pesquisas. Com base nelas é que Duda Mendonça criou a personalidade pública do candidato.
Uma voz suave canta a música de Gonzaguinha:
Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda
Que palavra por palavra eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca, peito aberto vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida que eu estou cantando.
Em meio a um verde exuberante, surge Celso Pitta, sorridente, de calça branca e casaco preto esportivo, acompanhado do filho empurrando uma bicicleta. Em seguida, uma tomada do alto dos prédios de São Paulo com um enorme perfil de Pitta mirando a cidade. Depois, ele aparece, concentrado, consultando um livro na estante. Mais Gonzaguinha:
Coração na boca, peito aberto, vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida que eu estou cantando.
Pitta, na cabeceira de uma longa mesa, ao lado de Maluf, parece coordenar uma reunião do secretariado da prefeitura. Corte para as ruas de São Paulo, e Pitta ouvindo atento um grupo de moradores. Bandeiras de São Paulo agitadas ao vento. Corte para Pitta e Maluf com capacetes, vistoriando uma obra. Maluf aponta para os prédios, como que a guiar Pitta para o trabalho que terá pela frente. E tome Gonzaguinha:
Veja o brilho dos meus olhos e o tremor nas minhas mãos
E o meu corpo tão suado transbordando toda a raça e emoção.
Pitta surge em um comício. Close num homem negro, de olhos marejados. Corte para Pitta no estúdio sendo abraçado efusivamente por Maluf, Duda Mendonça e outros colaboradores.
Foram dois minutos e 26 segundos, um tempo gigantesco para a televisão, sem que Celso Pitta enunciasse uma escassa palavra. Começava uma nova forma de campanha na televisão, a que incluía as chamadas “inserções”. A ideia foi proposta por marqueteiros ao Tribunal Superior Eleitoral durante uma discussão sobre mudanças na legislação.
Até então, a propaganda política se limitava ao horário gratuito, que funcionava como um programa a mais, e usava uma linguagem que mimetizava elementos do telejornalismo, como documentários e entrevistas. Ao saber a hora da sua apresentação, o telespectador podia desligar a televisão.
Já as inserções funcionam da mesma forma que comerciais. O candidato aparece de surpresa e se apresenta no formato de um anúncio. “Pulverizados ao longo da programação normal das emissoras de televisão, mais ou menos entre as nove horas da manhã e as onze da noite, os comerciais têm um poder de convencimento e de fixação de argumentos muito maior do que o do horário gratuito grande”, explicou Duda Mendonça em seu livro.
O horário eleitoral propicia, com suas entrevistas e falas maiores, que os candidatos expliquem melhor o que pensam da situação nacional e suas ideias para melhorá-la. Já as inserções tendem a se render ao formato da propaganda, que privilegia a busca da emoção, e não o racionalismo político. Daí eles mostrarem panorâmicas aéreas de obras como hospitais, escolas e estradas. Daí, igualmente eles terem se tornado o reinado do kitsh: não importa o partido, todos mostram imagens em câmara lenta de tipos populares sorrindo e fazendo o sinal de positivo com o polegar, o candidato sendo aclamado ou afagando crianças. Quando muito, o candidato, qualquer um -deles, diz que suas prioridades serão o emprego, a saúde e a educação.
Para acompanhar o desempenho dos candidatos nos anúncios, tornou-se necessária a contratação de mais pesquisas. Na campanha de Pitta, Duda Mendonça aguardava o resultado das qualitativas, feitas em tempo real, até o último programa do dia. De posse dos resultados, corria para sua agência e fazia os ajustes para as inserções do dia seguinte. Em Vende-se um presidente, Joe McGinniss observou: “A televisão parece particularmente útil para políticos charmosos mas sem nenhuma proposta.”
“A eleição de Celso Pitta serve como ilustração de uma situação excepcional, e não da regra”, Marcos Coimbra me disse. O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, listou outros ingredientes para explicar a excepcionalidade das eleições municipais de 1996 e seus candidatos nascidos de qualitativas: “Naquele ano, a reeleição era proibida. A população de São Paulo avaliava bem a prefeitura de Maluf e queria que ele continuasse no cargo por mais quatro anos. O mesmo acontecia no Rio com Cesar Maia. Por isso eles tiveram força para eleger dois não políticos, Pitta e Luiz Paulo Conde.”
Para o historiador Boris Fausto, o problema não está em se criar uma imagem agradável do candidato para seduzir o eleitor. Na sua avaliação, esse caminho é irreversível, pois se trata de um fenômeno mundial. “O candidato, principalmente na televisão, precisa ter mais cuidado com os gestos, com o discurso, com o tom com que se refere ao eleitor”, disse. O que empobrece a democracia, afirmou, é a falta do debate político. “Escorregamos para o discurso vazio”, continuou. “O que querem os partidos? Quais são as diferenças entre eles? Qual a forma de enfrentar os problemas? Isso precisaria ficar explicitado. O eleitor precisa saber em quem está votando.”
Mas se os candidatos são moldados pelas pesquisas, e as inserções os mostram como produtos comerciais, como o eleitor saberá o que é real no discurso deles? O filósofo José Arthur Giannotti acredita que a democracia acaba por desmontar o artificialismo. “Os próprios candidatos tratam de desmascarar uns aos outros”, comentou. Giannotti, que tem posições políticas próximas ao PSDB, espera que, no desmascaramento e confronto da campanha, as ideias dos candidatos venham para o primeiro plano: “Serra, Dilma e quem mais concorrer têm que deixar claro para o eleitor como pensam o Brasil. Precisam expor sua ideologia e os métodos de ação. O eleitor tem que saber como cada um pretende entregar o que prometeu. E se decidir pelo caminho que considera mais factível”, afirma.
Para os marqueteiros, ficou impossível trabalhar sem enquetes. “As pesquisas viraram as bússolas das campanhas”, disse Alfredo Sirkis, presidente do Partido Verde no Rio. Embora seja um crítico do seu uso abusivo, ele reconhece que as pesquisas são um instrumento valioso. “No PV usamos pesquisas para saber se o discurso dos nossos candidatos está sendo compreendido pela população ou se há uma maneira melhor de comunicar”, explicou. “Mas não é isso que acontece na maioria dos casos. Elas ajudam a criar produtos. E, ganha a eleição, o produto prometido geralmente não é entregue.
Na eleição presidencial de 1994, a união entre pesquisa e marketing estava sacramentada. “Chegamos a fazer doze grupos de qualitativas por dia”, disse Marcos Coimbra, que trabalhou na campanha de Fernando Henrique Cardoso. Novamente, ele traçou o perfil do presidente ideal para os eleitores, desapontados com o governo Collor: ele deveria ser inteligente, ter boa formação educacional e experiência administrativa. Contava ponto também amar o país, ser jovem e próximo do povo. O quesito idade era impossível de atender. Mas a proximidade com o povo foi bastante trabalhada: na campanha, Fernando Henrique montou em um jegue e se vangloriou de ter um “pé na cozinha”.
Nas pesquisas quantitativas do começo de 1994, Fernando Henrique aparecia com apenas 19% dos votos, contra 42% de Lula. O PSDB e os partidos coligados montaram uma estrutura colossal para garantir a sua vitória. Mas ela não foi necessária. O Plano Real foi o seu grande cabo eleitoral. Quando foi lançado em julho, Fernando Henrique disparou nas pesquisas, não parou mais de crescer e ganhou as eleições já no primeiro turno.
Em 2002, o PT contratou Duda Mendonça para dirigir sua campanha. Pesquisas o levaram a despolitizar e suavizar a imagem de Lula: o sindicalista bravo e sem papas na língua deu lugar ao “Lulinha paz e amor”. O candidato teve sua barba aparada, vestiu ternos bem cortados, corrigiram-lhe e clarearam-lhe os dentes e Lula passou a sorrir mais. Ainda assim, boa parte das mulheres, principalmente mães, não se deixava seduzir pelo candidato. Qualitativas feitas com grupos de mulheres explicaram o porquê. Elas não se viam no discurso dele, achavam que ele falava apenas para homens. E queriam saber qual seria o futuro dos filhos delas num eventual governo de Lula.
Com essas informações, Duda Mendonça pôs no ar anúncios mostrando jovens dizendo a suas mães que com Lula o futuro seria melhor, haveria mais empregos. O candidato também passou a se dirigir exclusivamente às mães, demonstrando preocupação com os jovens. E assim conquistou a maioria do eleitorado feminino.
No dia 3 de outubro de 2002, às dez da noite, Lula entrou no estúdio da Rede Globo, no Rio, para participar de um debate com mais três candidatos à Presidência da República: José Serra, pelo PSDB, Ciro Gomes, pelo PPS, e Anthony Garotinho, do PSB. Naquela mesma hora, em uma sala em São Paulo, três homens e quatro mulheres sentaram-se em volta de uma mesa de vidro com salgadinhos e refrigerantes. Na frente deles, havia uma pequena televisão. Uma mulher entrou na sala e explicou o que queria que fizessem naquela noite: opinar sobre o desempenho dos quatro candidatos, sem saber quem havia contratado a pesquisa.
Um painel espelhado separava o grupo de outra sala, onde era possível ver o que eles diziam ou faziam. Dali, a publicitária Eduarda Mendonça, filha de Duda, fora incumbida de repassar as reações do grupo para os coordenadores da campanha do PT que estavam no estúdio da Globo. Qualitativas semelhantes foram organizadas em outras capitais de maneira a representar diferentes classes da sociedade.
Quando o debate começou, Eduarda passou a relatar as reações dos entrevistados para Luiz Gushiken. “O grupo está dizendo que Lula está bem, que Serra está nervoso, que Garotinho está muito agressivo”, disse ela. No segundo bloco, informou que os entrevistados reclamaram da agressividade de Lula contra Serra, e disseram que as suas propostas e as de Ciro eram claras. Mas tinham dificuldade de entender o que Serra queria dizer. Já Garotinho foi o tempo todo analisado como um candidato sem conteúdo. Nos intervalos do debate, Duda Mendonça dizia a Lula como ele estava sendo percebido pela audiência e o que deveria fazer: mudar a postura, ser menos sério, menos agressivo, ou retomar e explicar melhor determinados pontos.
Fernando Gabeira concorreu à prefeitura do Rio em 2008, pelo PV. Surgiu como azarão, com apenas 5% das intenções de voto contra mais de 20% ou 30% de seus oponentes: Eduardo Paes, sustentado pelos governos federal e estadual; o bispo Marcelo Crivella, apoiado pela Igreja Universal; e Sandra Cavalcanti, candidata do prefeito Cesar Maia. “Eu tinha contra mim todas as máquinas: municipal, estadual, nacional e Universal”, disse-me ele em um café em Ipanema. Ao final, passou para o segundo turno, manteve-se à frente nas pesquisas até a véspera do pleito e perdeu para Eduardo Paes por pouco mais de 50 mil votos, num colégio eleitoral de 4 579 365 pessoas.
As pesquisas não tiveram influência na sua campanha. “Não me interessava saber o que elas diziam”, Gabeira me falou. “Todos os dias eu lia nos jornais quais eram os principais problemas da cidade. E eram esses problemas que eu teria que atacar caso fosse prefeito.” Ele começou a desistir das pesquisas ao saber, certo dia, que não estava bem entre as mulheres de 50 a 60 anos. No outro, que não estava bem em Realengo. “O que eu podia fazer? Montar um discurso diferente para atender cada tipo de eleitor?” Abriu mão delas completamente quando uma qualitativa, contratada para saber da reação ao seu material de propaganda para as ruas, resultou em críticas à sua imagem: “Como fiz as fotos sem retoque, minhas rugas apareceram e os entrevistados reclamaram. Disseram que ruga não podia. Como não podia? Eu tenho 70 anos, tenho que ter rugas.”
Gabeira tem outro motivo para desconfiar de pesquisas. O Datafolha cravara, uma semana antes do Ibope, que Gabeira havia passado à frente de Crivella e iria para o segundo turno. “Isso aconteceu porque nossas pesquisas são domiciliares e as do Datafolha são feitas na rua, o que dá um resultado mais rápido”, explicou Márcia Cavallari. “Não erramos, apenas constatamos a virada uma semana depois, quando saíram as nossas pesquisas.” Gabeira se indispôs com o instituto e insinuou que a demora em apontar sua virada se dera porque o Ibope fora contratado pelo PMDB, o partido de Eduardo Paes, que preferia enfrentar Crivella no segundo turno, e não o candidato do PV.
Embora nada tenha sido comprovado contra o Ibope, há consenso entre os diretores de institutos que é preciso separar as pesquisas para divulgação daquelas encomendadas por políticos, como faz o Datafolha. “Acho que isso irá acontecer naturalmente”, disse Coimbra, cujo Vox Populi faz pesquisas para partidos e órgãos de imprensa. “Seria um suicídio se um instituto alterasse uma pesquisa para beneficiar um cliente”, disse Montenegro, do Ibope. “Porque os institutos concorrentes divulgam seus levantamentos dias depois, e quem erra perde a credibilidade.” Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, os institutos que trabalham para políticos não podem fazê-lo para os órgãos de imprensa, e vice-versa.
A ida de Gabeira para o segundo turno, e sua quase vitória, foram uma das raras surpresas das eleições recentes. O eleitor pode mudar de voto, mas, com as pesquisas, dificilmente o candidato não saberá a tempo o que está acontecendo. Na reta final das campanhas, os marqueteiros lançam mão dos trackings – um tipo de pesquisa que permite acompanhar diariamente o andamento da eleição. No tracking, toda a noite são selecionados 500 eleitores em todo o país, e questionados sobre o desenvolvimento das campanhas. Depois de cinco noites de pesquisas, o primeiro grupo de 500 entrevistados é substituído por um novo grupo. Esse medidor diário de intenções de votos é usado nos Estados Unidos desde a primeira campanha de Ronald Reagan à Presidência, em 1980.
Em 2006, o quartel-general da campanha de Lula, comandado por João Santana Filho, teve acesso a um manancial de dados inéditos. Todos os dias, sem exceção para domingos e feriados, durante dois meses e meio, Santana recebia uma pesquisa quantitativa nacional, feita pelo Vox Populi com 700 eleitores, e oito qualitativas em diferentes cidades. No total, foram mais de 60 mil pessoas entrevistadas em 75 dias.
Com esse aparato, Santana soube, na antevéspera da votação do primeiro turno, que, contrariamente ao que as pesquisas indicavam até então, o tucano Geraldo Alckmin iria para o segundo turno. Dois fatos determinaram que Lula não vencesse já no primeiro turno. A eclosão do escândalo dos “aloprados”, no qual petistas ligados ao senador Aloizio Mercadante, que disputava o governo paulista, foram flagrados com malas de dinheiro tentando comprar um dossiê falso contra José Serra. E a recusa de Lula em participar de um debate final na televisão com Alckmin. A ação dos aloprados lançou suspeitas de corrupção sobre o PT, que respingaram em Lula. A recusa do presidente em ir ao debate foi considerada arrogante.
“Não basta ter pesquisas, é preciso saber interpretá-las e formular uma estratégia”, disse Santana, um baiano bem-humorado e afável que leva uma hora inteira para tomar uma taça de dry martini. No primeiro turno, as pesquisas lhe mostraram que cerca de 60% dos eleitores gostavam de Lula porque o presidente “era um deles”: alguém que veio de baixo e venceu na vida enfrentando os poderosos. Para reforçar essa ligação, ele criou o slogan da campanha: “Lula de novo, com a força do povo.” Percebeu também que era preciso se contrapor às promessas de Alckmin, que dizia que faria um governo “melhor que o do PT”. E criou o segundo slogan: “Não troco o certo pelo duvidoso.”
No segundo turno, Santana usou um recurso que tinha preparado para o primeiro, caso a disputa estivesse acirrada: a privatização. Na sua interpretação, havia dois “eixos” no imaginário dos eleitores quanto à privatização. Um era o que batizou – numa entrevista logo depois da eleição a Fernando Rodrigues, da Folha de S.Paulo – de “eixo cívico-épico-estatizante”, que vem de Getúlio Vargas, com a campanha O Petróleo é Nosso. O outro eixo seria o das “tramas obscuras” – havia a desconfiança de que as privatizações feitas por Fernando Henrique Cardoso tinham envolvido negociatas.
As peças publicitárias de Lula no segundo turno captaram em cheio esse imaginário: Alckmin era um privatista convicto e o povo brasileiro perderia a Petrobras se ele fosse eleito. O tucano se cobriu de logotipos de estatais, mas não adiantou.
Nas três últimas eleições presidenciais não houve reviravoltas. Em 1998, Fernando Henrique manteve a dianteira sobre Lula desde o começo do ano, com quase o dobro das intenções de votos. Apenas nos meses de maio e junho ele rateou, caindo para 30%, mas logo voltando ao patamar de 50%. Nas eleições de 2002, Lula manteve-se à frente de José Serra, com cerca de 45% das intenções de voto, desde o início do ano. O mesmo ocorreu na disputa com Geraldo Alckmin.
Atualmente, como José Serra está no topo das pesquisas de todos os institutos, apesar de ainda não ter se lançado candidato – enquanto Lula levou a ministra Dilma Rousseff a dezenas de inaugurações – , a série histórica parece indicar que o tucano tem maiores chances de ser presidente. Marcos Coimbra discorda.
“Nossas pesquisas mostram que 50% do eleitorado sabe que Dilma é a candidata de Lula”, disse-me ele, em janeiro. “Nessa metade, Serra conquistou 40% da preferência dos votos e Dilma, 20%. Mas essa metade é, na maioria, composta de eleitores do Sudeste, das classes mais altas e melhor informadas. Quando a outra metade, a dos menos informados, souber que ela é a candidata do Lula, haverá uma mudança no quadro eleitoral. Serra não deverá crescer muito junto ao segmento mais pobre, do Norte e do Nordeste. E a Dilma tende a se beneficiar tremendamente.”
Nascido no Rio, Coimbra é um mineiro de adoção. Tem todos os estereótipos associados às Alterosas: é modesto, ponderado e fala pouco. Como tal, tem simpatia por Aécio Neves. Mas acha que o governador de Minas enfrentaria a mesma dificuldade de Serra para vencer Dilma: a ausência de uma proposta forte, capaz de abalar a popularidade de Lula, avaliado de maneira positiva por cerca de 80% dos brasileiros. “A candidatura do Aécio teria mais sentido para o futuro do PSDB”, disse ele. “Lançaria nacionalmente um candidato jovem, que poderia colher frutos nas eleições seguintes. Se Serra perder, os tucanos terão grandes dificuldades.”
Carlos Augusto Montenegro, o presidente do Ibope, faz uma avaliação oposta. Para ele, é Serra que tem mais chances. Explicou o motivo em sua sala na sede carioca do Ibope, no Leblon, decorada com símbolos do Botafogo, do qual é torcedor doente. “Já se sabe que Dilma é a candidata de Lula”, disse ele. “Ela saiu em capas de revistas, sua doença foi exposta na televisão, ela já apareceu em inaugurações sem conta. E, no entanto, Serra continua na frente. Não vejo que fato novo possa mudar essa situação.” No final de fevereiro, pesquisas do Ibope, não divulgadas, mostravam que só 10% dos eleitores não conheciam Dilma.
Para Montenegro, a popularidade de Lula não é garantia de transferência de votos para a sua candidata. “A transferência de votos ocorria quando não havia reeleição”, disse. “Os baianos queriam, por exemplo, que Antonio Carlos Magalhães continuasse no governo depois de quatro anos. Como não podiam, votavam em quem ele indicava, na suposição de que seria ACM quem governaria de fato.” Agora, a situação é diferente: “O eleitor brasileiro amadureceu. Sabe que Dilma não é Lula. Depois de oito anos de governo, sabe o que é o PT, e dificilmente aceitará um governo do PT sem o Lula.”
O presidente do Ibope considera que, na campanha, o provável é que Dilma erre mais do que Serra: “Como ela não tem nenhuma experiência eleitoral, pode cometer deslizes e dizer impropriedades, enquanto o Serra, pelo que me lembro, nunca fez nenhuma bobagem numa campanha.”
Mauro Paulino, do Datafolha, acha que ainda é muito cedo para se apontar a vitória de algum candidato. “Embora Serra esteja bem posicionado, não se pode desconsiderar que Dilma saiu de um patamar de 3% e já havia chegado em 20% no começo desse ano.” Um dado importante, para ele, é que mais de 80% da população tem renda familiar abaixo de cinco salários mínimos. Esse segmento, segundo Paulino, é o grosso do eleitorado do Lula. “Esse eleitor só tomará conhecimento de que Dilma é a candidata de Lula quando o programa eleitoral estiver no ar. O potencial voto de Dilma existe, mas vai depender de como ela se apresentar. Dilma não tem um décimo do carisma de Lula. Resta saber se, na comparação, ele vai ajudá-la ou virar a sombra que atrapalha.” Quanto a Serra, ele acha que o tucano “não tem muito poder de comunicação, e isso pode diluir a desvantagem de Dilma.”
Marcos Coimbra concorda com essa última observação de Paulino. Ele a formulou da seguinte maneira: “Lula se preparou para enfrentar Serra, por isso colocou uma candidata técnica e sem traquejo eleitoral.” Se o candidato fosse Aécio, mais leve e comunicativo, ele disse, a dureza de Dilma ficaria mais explícita – e talvez o presidente tivesse escolhido outro candidato.
Coimbra, Montenegro e Paulino falaram dos trunfos de José Serra. Eles resultam na seguinte lista: ser conhecido nacionalmente; ter implantado os remédios genéricos, que baratearam os gastos dos pobres com medicamentos; ser considerado um administrador sério; nunca ter aparecido em um escândalo de corrupção; ter a experiência de líder estudantil exilado, deputado na Constituinte, senador, ministro, prefeito e governador; e ter coibido a propaganda de cigarros e, em São Paulo, o fumo em lugares fechados. As virtudes de Dilma seriam três: contar com o apoio de Lula, ser mulher e ter fama de séria e trabalhadora.
O carioca Alberto Carlos Almeida é um jovem analista de pesquisas. Radicado em São Paulo, é autor de A Cabeça do Brasileiro e A Cabeça do Eleitor. Ele afirma que a economia é hoje a maior preocupação do eleitorado. “Ele pode até dizer que está preocupado com saúde e educação, mas, na hora de votar, vai escolher o candidato que lhe garanta uma melhoria no padrão de vida”, assegura. Serra, nessa análise, teria dificuldade em apresentar propostas para a área econômica que superassem os ganhos das classes D e E no governo Lula. “A única saída para Serra talvez seja dizer que fará melhor do que o que está aí, sem jamais criticar os programas do atual governo”, disse.
Desde o final do ano, os institutos estão trabalhando a todo vapor. Não há semana que uma pesquisa não venha a público. Só a campanha de Dilma Rousseff deverá consumir, segundo a avaliação de gente de sua equipe, cerca de 200 milhões de reais com pesquisas. O PSDB não tem números, mas há meses vem contratando pesquisas qualitativas e quantitativas para entender a percepção do eleitor em relação a Serra. Em função delas, Dilma fez plástica, mudou as roupas e o penteado. Serra fez tratamento dentário para melhorar o sorriso.
No congresso do PT, Dilma foi -sagrada candidata numa cerimônia edulcorada que teve como modelo as convenções americanas: um espetáculo colorido, alegre e ordeiro, com telões e teleprompter, feito mais de olho em futuras inserções do que no público que estava lá. Lula disse ali que eleger sua candidata era sua “prioridade” no ano, e que faria tudo ao seu alcance.
Um ministro, semanas antes, havia pedido ao presidente exemplos desse “tudo”. Lula deu dois. Se Dilma não crescer nas pesquisas, ele se licenciará do cargo e ficará ao lado dela em tempo integral, em comícios e no horário eleitoral gratuito da televisão e do rádio. E, se for necessário, disse o presidente ao ministro, fará apelos diretos à militância do PT, conclamando-a às ruas a mobilizar o povo brasileiro para garantir a vitória de Dilma.
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