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despedida

“Estou sonhando?”

Uma sessão espírita dedicada às vítimas do coronavírus

Armando Antenore | Edição 166, Julho 2020

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Num sobrado de Copacabana, quatro mulheres e dois homens se reuniam em silêncio, com os olhos fechados e as cabeças baixas. A sala ampla que ocupavam sobressaía pela austeridade. Quase não havia móveis, somente um par de armários, meia dúzia de cadeiras e duas mesas. As paredes claras exibiam um retrato solitário de Jesus. Do teto, irradiava uma luz amarela muito tênue, que deixava o recinto na penumbra.

As mesas, simples e de plástico, se assemelhavam às de um boteco. Como estavam justapostas, formavam um retângulo branco, sem toalhas. O grupo se sentava em torno dele. Um aparelho portátil de som, instalado num canto da sala, tocava uma música clássica bem suave. Em cima das mesas, espalhavam-se folhas de papel sulfite, canetas esferográficas, lápis de cor, pincéis, tintas guache, um pote com água e quatro livros – três de Allan Kardec e um de Chico Xavier, ambos figuras essenciais do espiritismo.

Passava um pouco das 18h30 quando Isabella Maltaroli, a dirigente daquela sessão mediúnica, ergueu a cabeça. Com uma lanterninha, iluminou um caderno em que se enfileirava uma série de nomes, ora de pacientes hospitalizados por causa da Covid-19, ora de pessoas que não resistiram à doença e morreram. A lista também incluía médicos e enfermeiros que combatiam o novo coronavírus dentro das UTIs fluminenses. Na ocasião, dia 3 de abril, sexta-feira, o Brasil registrava 359 óbitos decorrentes do patógeno, segundo o Ministério da Saúde. O Rio de Janeiro contabilizava 47. A enfermidade provocava apenas os primeiros estragos por aqui. Praticamente três meses depois, em 24 de junho, os números saltariam para 53 830 no país e 9 295 no Rio.

“Vamos lá?”, perguntou Maltaroli, sem esperar propriamente uma resposta. Ela se aprumou na cadeira e começou uma prece improvisada, em voz alta. Pediu que “os amigos desencarnados” comparecessem à reunião, harmonizassem “as energias” da sala e inspirassem cada um dos presentes. Rogou, ainda, que zelassem pelos brasileiros durante toda a pandemia. Tais amigos são os espíritos moralmente superiores que guiam aquele centro religioso – o Lar Paulo de Tarso – desde a fundação, em dezembro de 1983.

Depois da prece inicial, a dirigente enunciou um dos nomes que figuravam no caderno. Explicou de quem se tratava e lhe dedicou uma oração curta, novamente improvisada e em voz alta. Os demais participantes acompanharam a reza com atenção, mas sem falar nada. O ritual se repetia sempre que Maltaroli citava um nome da lista. Quando mencionava o de alguém que morrera, os devotos aguardavam alguns minutos após a oração – tempo necessário para que o espírito do morto se manifestasse, caso houvesse condições.

Entre os seis participantes, estavam dois médiuns. Seria por meio de um ou de outro que o morto se comunicaria. Em sessões do gênero, conforme a doutrina espírita, a alma dos médiuns mostra-se capaz de abandonar parcial ou totalmente o corpo, à maneira de uma sombra que se descola do organismo que a gerou. O afastamento ocorre numa fração de segundos e quase ninguém de carne e osso o enxerga. Mal o fenômeno acontece, um fio de energia prateado – e igualmente invisível – passa a ligar o corpo dos médiuns à sua alma, como um cordão umbilical.

Espíritos de mortos que desejam se pronunciar conseguem, assim, estabelecer uma triangulação com os vivos. Endereçam mensagens para a alma, que as leva até o corpo dos médiuns. Eles podem retransmiti-las instantaneamente e de diferentes modos: pela fala (psicofonia), por desenhos e pinturas (psicopictografia) ou pela escrita (psicografia). Daí os pincéis, lápis, canetas, tintas e sulfites que repousavam nas mesas do Lar Paulo de Tarso.

Ao longo do processo, os médiuns raramente perdem a consciência. O mais comum é que permaneçam tão lúcidos a ponto de censurar as mensagens que julgam inapropriadas e não passá-las adiante.

 

Naquela noite, os espíritos pareciam relutar em dizer qualquer coisa. Logo depois de uma oração, porém, um dos médiuns – grisalho, quarentão e gorducho – deu a impressão de que caíra no sono. Isabella Maltaroli se levantou e caminhou para perto dele. “Ei, querido, vamos acordar?”, propôs, carinhosamente, ao perceber que se tratava de um espírito que não sabia ter desencarnado. Ela queria avisá-lo. O médium, ainda de olhos cerrados, resistiu: “Me deixa! Está gostoso assim…” A dirigente não recuou: “Acorde, meu bem! Vamos conversar um minutinho. Bora lá!” Sem alterar a voz habitual, mas assumindo uns trejeitos inusuais, o médium resmungou: “Quem é você? Não me enche!” Maltaroli respondeu: “Sou uma amiga. Acho que vou pegar um balde d’água para jogar em você. Água gelada, que tal? Você vai acordar rapidinho.”

Mesmo contrariado, o médium – ou o espírito que se expressava pela sua boca – resolveu abrir os olhos. “Peraí! Estou sonhando?”, indagou. “Não, não é um sonho”, esclareceu a dirigente. “É o quê, então?! Não me diga que… Eu morri? O coronavírus me matou?” Maltaroli procurou tranquilizá-lo: “Você não morreu, querido. Continua vivo, vivíssimo, mas de outro jeito. Você apenas desencarnou.” O espírito refutou, enfaticamente: “Besteira! Não acredito em nada disso. Sou ateu!” A dirigente sorriu: “Olhe para si próprio. O que vê? O corpo de outra pessoa, não? O de um médium… Cadê o seu?” O espírito observou ligeiramente o homem que lhe servia de mensageiro e admitiu: “Não sei… Será que enlouqueci?” Maltaroli o acalmou de novo: “Não enlouqueceu! Juro! Você só retornou para o plano espiritual, de onde todos viemos.”

Codificado pelo francês Allan Kardec durante a segunda metade do século XIX, o espiritismo chegou ao Brasil em 1865. À época, o jornalista e professor Luiz Olympio Telles de Menezes fundou em Salvador uma comunidade que estudava a doutrina. De acordo com o Censo mais recente, a religião somava 3,8 milhões de adeptos no país há dez anos, algo como 2% da população geral. Os católicos eram 65%, e os evangélicos, 22%. Atualmente, 12 milhões de fiéis abraçam a crença. A estimativa, bastante otimista, é da Federação Espírita Brasileira.

Grosso modo, a denominação – monoteísta e cristã – preconiza a existência de um mundo que está em outra dimensão e abriga os espíritos. Quantos exatamen-te? Uma infinidade. Ou, como ensinam os devotos, “tantos quantos Deus quiser criar”. De início, os espíritos se revelam ignorantes. Nem bons, nem ruins, nascem muito simplórios e destinados à felicidade. Só que, para conseguir atingi-la plenamente, terão de evoluir. Precisarão encarar um longuíssimo aprendizado, que acontecerá na dimensão onde moram, mas também na Terra ou mesmo em outros planetas.

Eternos e com livre-arbítrio, os espíritos frequentemente podem decidir quando e sob quais condições irão se corporificar, embora necessitem que uma oportunidade se apresente. Não basta, portanto, almejar a encarnação. É imperativo que, simultaneamente, apareçam vagas entre os terráqueos. Uma vez corporificados, os espíritos tendem a esquecer a outra dimensão e se apegar à nova vida. O ciclo de encarnações e reencarnações só termina no momento em que os aprendizes se tornam imensamente puros, éticos e sábios. Até hoje, Cristo é o único que alcançou tal condição na Terra.

“Agora que estou morto, o que devo fazer?”, questionou o ateu desencarnado. “Nada. Simplesmente pense em alguma coisa bonita e descanse”, orientou Maltaroli. “Com o tempo e a ajuda de amigos, você refletirá sobre todas as lições que já aprendeu. Mas, por enquanto, não se preocupe. Apenas recupere-se da viagem.” Bem mais sossegado, o espírito suspirou, agradeceu a dirigente e partiu.

Armando Antenore
Armando Antenore

Editor da piauí, é autor de Júlia e Coió, Rita Distraída e Sorri, Lia! (Edições SM)

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