Faça amor, não faça negócios!
| Edição 91, Abril 2014
NEGÓCIOS DA ÁFRICA
Gostaria de apontar algumas impropriedades na matéria “Contrato de risco” (piauí_90, março).
Sobre a forma “imperial” de administração no meu período de CEO da Vale: não é verdade. A governança era colegiada. Todos os assuntos passavam pelo crivo de diversas áreas. O quórum de decisão era a maioria dos votos, mas sempre tivemos aprovação por unanimidade. Todos eram chamados a opinar contra ou a favor, sugerindo melhoras ou esclarecimentos. Após a aprovação, todos eram responsáveis e solidários. Na minha gestão, o número de empregos na Vale saltou de 11 mil para 140 mil, e o valor de mercado de 8 bilhões de dólares para 160 bilhões.
O senhor Beny Steinmetz [dono da BSGR, com a qual a Vale assinou contrato para participar da exploração do minério de Simandou, na República da Guiné] não é neófito na mineração. Quanto aos processos contra ele, devemos esperar o final para tecer conclusões, como disse Murilo Ferreira, atual presidente da Vale.
Não achei justo usar a minha entrevista on the record para contra-argumentar com ex-diretores ou seus informantes que se dizem conhecedores do assunto; afirmo com conhecimento de causa que eles não conhecem ou não participaram ou mentiram.
Dizer hoje que alguém foi contra determinada transação é, no mínimo, assustador. Ou os argumentos não se mostraram condizentes com a realidade da época – e tal diretor foi convencido, pois acabou votando a favor, conforme as atas da companhia – ou permaneceram em foro íntimo do mesmo, para depois se tornar engenheiro de obra pronta!
Ninguém defendia acordo com Beny Steinmetz. Defendia, sim, a importância de a Vale estar na reserva de Simandou, o que passava pela aquisição do controle da BSGR.
A repórter menciona que um advogado que analisou o contrato disse que a Vale ficaria com apenas 10% [do negócio de Simandou, caso não pagasse os 2,5 bilhões de dólares previstos mesmo que a BSGR descumprisse cláusulas do acordo], o que eu desconheço, e que a Vale não poderia processar ninguém da BSGR. Mentira. Uma cláusula assim seria até ilegal em qualquer jurisdição. Se não se pode recorrer à Justiça, no mínimo arbitragem está prevista no contrato.
Expressões que utilizei na entrevista como “negão”, “prostitutas” ou “veados” foram usadas na reportagem de forma discriminatória, pois tenho sangue africano, não discrimino gays, e o exemplo de prostituta foi dado em casos popularmente conhecidos em que a pessoa se dizia religiosa, de família, negava qualquer passado e só depois era desmascarada, até fazendo parte de temas de novela.
A Vale se associou a um empresário de bem, sem passado controverso, de forma transparente. Foi tudo indagado e investigado.
Será um desapontamento se ficarem provados atos ilegais. Se forem ilegais, a Vale pode questionar a boa-fé do vendedor, anular, pedir ressarcimento ou renegociar novos termos. Isso é a Vale que deve avaliar.
PS: Além de tudo não escovo o cabelo. Para informação, eu gosto do jeito de negão do meu cabelo.
ROGER AGNELLI_SÃO PAULO/SP
NOTA DA REDAÇÃO: Todas as informações contidas no contrato entre a Vale e a BSGR foram checadas pela revista, que reafirma o que foi publicado. Pelo contrato, a Vale não pode pedir ressarcimento do valor já pago, nem processar o sócio. A reportagem não insinuou que Roger Agnelli estava sendo preconceituoso ao usar termos como “veado”, “prostituta” e “negão”. Apenas reproduziu as frases como foram ditas.
Como leitor contumaz da piauí, nunca deixo de ler uma edição, mesmo aquelas cujas páginas se arrastam por tormentosas reportagens e aborrecedoras poesias. No entanto, na edição de março tive o prazer de apreciar um visceral trabalho jornalístico.
Em “O tesouro, o mercador, o ditador e sua amante”, Patrik Radden Keefe vai além das expectativas e opera na alma do jornalismo, transmitindo ao público, numa frequência arrebatadora, os mais escabrosos meandros que permeiam o fabuloso mercado empresarial de influências e interesses.
A reportagem traz mais um exemplo do quanto a mediocridade ética do homem pode falir qualquer método de negócios, forma de Estado ou reunião de condomínio. Vale lembrar que a técnica dessas transações é a mesma há décadas. A Matrix dos negócios internacionais e sua complexa malha jurídica são o mais didático exemplo da teoria da relatividade. Tudo que aconteceu pode jamais ter existido ou acontecer novamente, sem jamais se repetir no tempo, que, por sua vez, determina o espaço.
Faça amor, não faça negócios!
LAMARTINE SILVIO DO NASCIMENTO_RIBEIRÃO PRETO/SP
NOTA DA REDAÇÃO: Nada contra. Contudo, chamamos atenção para o fato de que algum negocinho precisa ser feito, sob risco de faltar o trocado para a piauí do mês. O jornaleiro, esse ingrato, ainda não aceita declarações de amor como forma de pagamento.
Fiquei surpreso com o destaque que vocês deram na piauí_90 à questão das reservas de ferro da Guiné e à barafunda em que a Vale se meteu. Afinal, as duas grandes matérias ocuparam a revista da página 18 a 35! Mas não decepcionaram. Muito interessante ver como as negociações nesse mercado tão “vetusto” podem acarretar tantos problemas, obrigando presidentes a encenarem felicidades farsescas e derrubando todo-poderosos (no caso, Roger Agnelli). Bela cobertura tanto do repórter americano quanto da brasileira. Pena que no caso do material estrangeiro a publicação seja requentada (tendo saído na New Yorker). Pareceu-me que a revista mais aproveitou a ocasião para a dupla reportagem do que optou pelo tema em função de sua força intrínseca – as matérias são, quando comparadas, um pouco repetitivas.
Foi diferente na reportagem sobre o menino Marcos Abraham (“Passageiro clandestino”), na qual praticamente conseguimos ver o personagem, já um rapaz, tombando com a facada no peito, mas ainda vivo no imaginário de sua sofrida família.
RODRIGO CONTRERA_SÃO PAULO/SP
DEUS, O DIABO E O PAI
O cineasta Eduardo Escorel prestou uma bela homenagem a Glauber Rocha, relatando os impactos causados pelo lançamento de Deus e o Diabo na Terra do Sol, na sua brilhante reportagem publicada na piauí_90 (“Deus e o Diabo – Ano I”). Morador de São Paulo naquele 1964 fatídico e apreciador da arte cinematográfica, soube da enorme repercussão do filme entre os privilegiados que tiveram a oportunidade de assistir à primeira exibição dessa obra-prima do cinema brasileiro. Fui ao Rio e pude constatar no antigo cine Ópera, na Praia de Botafogo, a mesma reação do público mencionada no relato do Escorel.
Como Orson Welles, que em 1941, aos 26 anos, produziu Cidadão Kane com recursos limitados e encantou os cinéfilos do mundo inteiro pelas inovações, o nosso baiano, com somente 24 anos, produziu esse filme fantástico, que o consagrou e o projetou mundialmente, como num passe de mágica.
DIRCEU LUIZ NATAL_RIO DE JANEIRO/RJ
Emocionei-me sobremaneira ao ler dois textos da piauí de março: aquele sobre Deus e o Diabo na Terra do Sol, escrito por Eduardo Escorel, e o de Saulo Barbosa (“Sobre meu pai”), em que ele descreve sua relação com o pai esquizofrênico. Que relatos! Que histórias! Que depoimentos sinceros! Que lembranças! Sou muito fã de Glauber Rocha. Assisti a alguns filmes dele e me deliciei com as tramas. Glauber foi gênio da raça, e não Golbery, como disse certa vez o próprio cineasta. Silvio Tendler, aliás, eternizou Glauber com o belo documentário biográfico Labirinto do Brasil, que recomendo.
RODRIGO ROMERO_JACAREÍ/SP
Comovente o texto “Sobre meu pai”. Comovente – essa é a palavra, palavra que a gente evita com medo de parecer piegas. Pois Saulo comove sem qualquer concessão à pieguice. Palmas, palmas.
M. TERESA SENISE e MARCO ANTONIO GAY_RIO DE JANEIRO/RJ
QUEIXAS
Sou assinante da piauí desde o número 1. Venho notando há algum tempo que a revista vem dando preferência a matérias de cunho político/econômico. Não tenho dúvida de que uma boa parcela de seus leitores aprecia isso, mas sinceramente estou me sentindo meio cansado desses assuntos.
Por que não dar mais ênfase a matérias mais instigantes, surpreendentes? Nos primeiros números, vocês tratavam de temas de que nenhuma outra revista tratava. Às vezes pegavam uma pessoa ou assunto “comum” e mostravam o que havia de inusitado e interessante nisso. Parece que esse fôlego acabou. Parece que vocês querem se tornar uma nova Veja (que também assino há uns bons vinte anos), talvez com um ar mais cult. Vocês parecem um pouco cansados, noventa exemplares depois do lançamento da revista.
Parece que as matérias de cunho literário ou artístico também se tornaram um mero apêndice para manter um certo “charme” de revista intelectual. Não sei, parece que vocês preferiram entrar por um caminho mais fácil. Bem, são críticas com intenção construtiva de um leitor e assinante fiel.
NOTA DA REDAÇÃO: Cansados, Fábio? Estamos exaustos. Dois repórteres já não se levantam nem para comer. O setorista das matérias com charme e de cunho artístico – sim, esse é o cargo dele – anda pela redação feito um zumbi, tentando emplacar pautas que já eram duvidosas em 1989. A última foi um perfil do Ritchie (Menina Veneno).
Mas continuamos na liça e esperamos contar com a tua compreensão. Siga nos mandando cartas. Se puder anexar uns travesseiros, ótimo.
FÁBIO CERMESI DE CASTRO_SÃO PAULO/SP
Gostaria de dar duas sugestões. A primeira é que diminuam o tamanho da revista (em comprimento e largura, não em número de páginas). Isso baratearia o preço e evitaria o desperdício de papel. A outra é adotar um tom mais sério nas matérias. Acho que os assuntos abordados pela piauí são muito importantes para receberem tratamento irreverente, como acontece às vezes.
ERICO TACHIZAWA_RIO DE JANEIRO/RJ
Sou assinante da piauí e gosto muito. Tenho apenas duas restrições. A primeira é o tamanho das páginas. Não daria para fazê-las um pouco menores, do tamanho normal das revistas? A segunda é a extensão dos textos. Gosto muito de ler, mas textos grandes em revista me tiram um pouco o prazer da leitura. Os assuntos são ótimos, os articulistas também. Acho que só falta corrigir esses dois itens para a revista ficar realmente dez.
MARIA HELENA BRUSAMOLIN_SANTA RITA DO SAPUCAÍ/MG
QUEIXA DAS QUEIXAS
Caras, como vocês aguentam tantos leitores chatos? Tem cada carta cri-cri! Em tempos de redes sociais todo mundo quer dar palpite em tudo. Todos têm opinião sobre tudo e todos. Opiniões “diferenciadas”, mas idênticas na petulância.
GABRIELA GUERREIRO_GOIÂNIA/GO
NOTA DA REDAÇÃO: É fácil. Afinados com as práticas mais modernas do capitalismo global, há tempos terceirizamos a leitura das cartas. Elas agora são lidas e respondidas por uma empresa em Hyderabad, na Índia. Nós nem tomamos conhecimento. Desde então, a redação tem conseguido dormir uns quinze minutos a mais depois do almoço, o que, como explicamos ao Fábio, tem sido de grande valia.
AS CHUVAS E OS MÉDICOS
Na edição de fevereiro (piauí_89), a piauí nos deu, ou transmitiu, como preferirem, uma espécie de aula sociológica sobre o nosso velho solo tupiniquim. Em “Depois da tempestade”, Carol Pires deixa bem claro o grau de irresponsabilidade do governo, em todos os níveis, ao lidar com a vida humana. Afinal, os poderosos de plantão devem pensar que não existe razão maior para se preocupar com determinada fatia da população. O “povinho” não deve tirar o sono deles.
Já Malu Delgado (“Los doctores”) demonstra, de maneira simples e desapaixonada, os múltiplos aspectos que envolvem a vinda para o Brasil de milhares de médicos, com predominância dos cubanos. Os dramas, as vitórias e derrotas, a frustração e o reconhecimento da população estão bem demonstrados na matéria. Confesso que nunca pensei que em Cuba, além de charutos, ideologia e rum, se produzissem tantos médicos. E, já que falamos de hermanos, não posso deixar de destacar o ótimo perfil da presidente chilena, Michelle Bachelet (“O caminho de Santiago”), que aparece despida de superpoderes e como uma pessoa normal, que amargou grandes tropeços em sua vida, não posando de gerentona e durona, como algumas presidentes, ou melhor, presidentas de certos países.
ANTÔNIO CARLOS DA FONSECA NETO_SALVADOR/BA
Não há o que dizer da reportagem “Depois da tempestade” a não ser parabenizar a repórter Carol Pires. Assim como na matéria escrita por Consuelo Dieguez que abordou a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro em 2011 (“O fim do mundo”, piauí_56, maio de 2011), a revista faz mais um relato incrível dos problemas que enfrentamos anualmente no período das chuvas. E, não bastasse nossa dificuldade em resolver os problemas de forma ágil (falo como agente público do Estado), ainda existe a dificuldade adicional de convencer as famílias a se retirarem das áreas de risco. Definitivamente essa não é uma equação de simples solução…
RODNEI FAGUNDES DIAS_RIO DE JANEIRO/RJ
DEUS
Pascal contava que a razão colocava a religião no espírito. Apenas se esqueceu de que também é ela que se incumbe de retirá-la. Esse lapso, o impertinente artigo “Deus é burro?” (piauí_89, fevereiro) tratou de corrigir.
JULIO BOMFIM_SÃO PAULO/SP
ONDE ESTÁ PIAUÍ?
Conhecia a revista piauí há um bom tempo, mas só recentemente comecei a comprá-la. A primeira foi a de dezembro (piauí_87). Fiquei fascinado como, mesmo em matérias longas (por exemplo, “Senhor dos Anéis”, do João Moreira Salles), eu não sentia tédio ou sono. Aquela sobre a Mídia Ninja (“Olho da rua”, do Bruno Torturra) foi bem reveladora. Desde então, não deixei de comprar a revista, o que me faz peregrinar mensalmente pelas bancas de Maceió (infelizmente, ainda não sou assinante). O fato é que fiquei tão viciado na piauí que até em meus sonhos ela anda dando as caras. No mais recente, sonhei que disputava a tapa com uma senhora a última da banca, e acabava indo parar na delegacia sem a revista e cheio de hematomas, por subestimar a força da idosa.
TÁGORE CAVALCANTE_MACEIÓ/AL
NOTA DA REDAÇÃO: Freud escreveu um pequeno e influente ensaio sobre o fenômeno. Aparece num apêndice a seu Traumdeutung de 1899, e tem como título “Von den Traumhämatomen um Piauí-Zeitschrift”. É um caso sério.