ILUSTRAÇÃO: LAERTE
Freedom of speech!
A luta para que, além de deixar o carro no valet parking e ir falar com a hostess para descolar um lugar no lounge, o único idioma falado no Brasil seja, at last, o inglês
Marcos Caetano | Edição 16, Janeiro 2008
Meu nome (infelizmente) é Roberto Madeira Quintal, mas gostaria mesmo é de ser chamado de Bob Woodward. Tenho 46 anos de idade e sou entrepreneur. É com imenso pesar que me dirijo aos leitores no triste idioma local, excrescência herdada dos nossos tempos de colônia. Só me submeti à humilhação de exprimir meus pensamentos em português por conta do deal que fiz com os publishers da revista: não escreveria em inglês, desde que tivesse liberdade para addressar todos os temas que fossem do interesse da minha causa, sem qualquer tipo de censura. Ou seja, freedom of speech total e absoluta. Em que pese a terrível decisão que os levou a batizar a revista com tão preposteroso brand – piauí – , os heads do magazine honraram sua palavra e, finalmente, eis aqui minha proposta para transformar o Brasil. Na verdade, um rough do plano que batizei de “A Better Brazil”, que, se implementado, levará o nosso país ao top of the top do mundo civilizado.
Em primeiro lugar, full disclosure: ofereço minhas apologias por uma ou outra palavra fora dos padrões gramati-cais da ABL. Vocês podem imaginar o tremendo esforço que venho fazendo para esquecer essa língua primitiva que meus pais me obrigaram a aprender. Se pudesse, eu a deletaria da memória. Fala-se muito em controle parental, mas, no caso do Brasil, seria melhor que os filhos controlassem os parentes – e não ao contrário. Os teens, mesmo os das classes menos abastadas, mostram mais skills para se adequarem ao inglês e a todos os conceitos de modernidade do que os baby boomers da minha geração jamais sonharão possuir. Boa parte dos problemas típicos das empresas de hoje – como o turnover, o downsizing, o dumping e os subprime credits – seria facilmente resolvida se a mão-de-obra veterana fosse substituída por geeks e todos esses youngsters ligados em games, internet e instant messengers. Seria um turning point, sem dúvida. Mas eu já estou perdendo o meu trem de pensamentos. Voltemos à principal questão deste paper.
Tudo começou quando levei ao CEO, ao CFO, ao COO, ao CPO, ao CTO, ao CMO e ao CIO da empresa em que trabalhava – todos Ph.D., diga-se – a budgetização e o working flow detalhado de um projeto revolucionário: a construção de um condo, em Alphaville, no qual as pessoas só poderiam falar inglês. Para quem tivesse algum tirocínio, era óbvio que se tratava de um killer project. Quem poderia ser contra um condo-resort desse calibre? Meu business plan era um no-brainer. Impossível recusar. Imaginem o sucesso de um lugar no qual do Spa até o Gym, do hall até a Lan house e o espaço gourmet só se ouvisse e falasse o idioma de Bill Gates. Um lugar que não teria escolas bilíngües, mas apenas monolíngües, todas em inglês, restando ao morador escolher apenas a instituição cujo sotaque mais apreciasse: americano, inglês, australiano, irlandês, escocês, galês, cockney. Por pura inveja do board, assustado com o meu success fee, a brilhante idéia foi recusada. “Isso jeopardizaria os long-term plans da empresa. Não faz parte das nossas policies e não interessa aos targets, tanto B-to-B quanto B-to-C”, teve o desplante de me dizer o Chairman of the Board. Sucker. Son of a bitch. “Jeopardizar my ass. Fuck you!”, gritei eu, antes de bater a porta na cara de todos e sair do meeting room para “take care of my own business”, como se diz em língua de gente.
Foi só então que eu realizei que aquilo que seria mágico num condo de Alphaville seria ainda melhor se, como visão de futuro, fosse aplicado ao Brasil as a whole. Fiquei freak, totalmente excitado com o meu insight. E o melhor é que nós já estamos a caminho disso. O mercado internacional está cada vez mais comoditizado e o approach é cada vez mais top-down, sendo que o top é a América, o down somos nós. Fábrica no Brasil virou planta. Liquidação é sale: tudo 30% off! E não estou falando de loja dos well-to-do, não. Nos subúrbios, liquidação também é sale – até para os coloureds. Quem nunca participou de um brainstorming que atire a primeira pedra. Produto por aqui não tem funcionalidades, tem features, algo bem mais simples de entender. O povo brasileiro deseja essa mudança, brô! Cartão ouro já era. O negócio agora é gold, platinum ou black. Nós queremos esse plus a mais. Queremos deixar o carro no valet parking e ir falar com a hostess para conseguir um lugar no lounge. Tal é a nossa vocação. Lutar contra isso será perda de tempo. Nosso país já é um work-in-progress rumo à América!
Pensando nisso, brifei uma agência de branding para criar um logo, no qual as estrelas da nossa bandeira se misturassem com as da stars ‘n’ stripes americana. Ficou terrífico, lindo de morrer. Astonishante! Atachei o logo ao meu PowerPoint e, on demand, viajei por todo o país levando a boa-nova da adoção do inglês como idioma padrão em nossas escolas das redes pública e privada. Nos próximos dois anos, capacitaremos os professores (training é básico). Concluída a capacitação, faremos focus groups e samplings para definir que escolas serão migradas para o piloto do projeto. Os alunos dessas escolas serão flagados para poderem ser trackeados durante o tempo do experimento. Concluído o number crunching, levaremos o conceito para as demais escolas. Nos cinco anos seguintes, a carga de matérias ministradas em inglês aumentará 20% by year, de forma que em 2017 teremos os alunos cursando todas as classes em inglês, com grande proficiência.
O day after será um pouco complicado, pois a parcela da população que insistirá em falar português demorará um pouco para realizar a mudança e poderá considerar a nova política uma aporrinhação – ou um harassment, como dirão os mais evoluídos. Mas o governo fará um painel sobre a situação e logo, logo, os native speakers estarão se virando para aprender inglês – por uma simples questão de sobrevivência. Em três décadas ninguém falará mais do assunto e os últimos resistentes do português já terão morrido. Litro será galão; centímetros, polegadas; metros, jardas e quilômetros, milhas. E real será dólar, claro. Simple as that. End of story. Depois, bastará ao Brazil pegar o seu certificado de investment grade e aguardar a enxurrada de risk capital que inundará os nossos mercados financeiros. Entraremos no primeiro mundo pela porta da frente e, se tudo der certo, minha próxima cruzada será a campanha “The 51st State”, na qual pleitearemos dos Estados Unidos a condição de protetorado, como ocorre com Puerto Rico ou Virgin Islands. Sonho até com a anexação pura e simples, como ocorreu com o Alaska e o Hawaii.
Well, é evidente que muitos empecilhos aparecerão no nosso caminho. Mas, entre todos eles, um é mais simbólico, urgente e representativo. Falo do ex-mi-nistro Aldo Rebelo, comunista hardcore, que faz força na ponta oposta da história, querendo forçar-nos a abandonar o hot dog para retornar à abominável tapioca. O deputado é bossy, control-freak e tão obnoxioso quanto um filme dublado.
Não será fácil dobrá-lo. Entretanto, o Executive Committee do nosso movimento trabalha com duas hipóteses: a conversão de Cuba ao capitalismo, algo que nosso research department estima que ocorrerá em três ou quatro anos; e o worst case scenario, que passa pelo aliciamento do camarada. Nosso funding é bom, de forma que estamos prontos a fazer-lhe uma oferta que não poderá recusar. Não, não falo de um condo em Alphaville, mas de uma cabana em Moçambique, cercada de natureza por todos os lados e onde ninguém, ninguém mesmo, falará outra coisa que não português. Ainda que nosso movimento tenha international ambitions e um dia chegaremos à África.
A primeira Constituição da nossa República, a de 1891, batizou o país com o nome de Estados Unidos do Brazil. Mais tarde, decidiram rebrandizá-lo para República Federativa do Brasil. Big mistake! Ainda vamos retomar o nome original. E, hopefully, com o Z no lugar do S. Brazil!